quarta-feira, 16 de abril de 2008

Artigo de Dom Estevão Bettencourt, OSB

(Revista Pergunte e Responderemos. Ano XLVII – Outubro 2007 – nº 544)

Em síntese: A revista VEJA, de 27/6/07, apresenta quatro livros de ateus estrangeiros, que têm sido amplamente difundidos, ridicularizando a Religião.
O presente artigo procura demonstrar a inconsistência dos argumentos em prol do ateísmo.

***

O episódio de 11 de Setembro 2002 e o surto religioso que o acompa­nhou, sob diversas modalidades, têm provocado a réplica de ateus, que vêm publicando obras que combatem a Fé como grande ilusão ou maluqui­ce infantil, ou ainda factor alienante ultrapassado, diz-nos a revista VEJA, de 27/6/07.

São citados quatro autores de escritos ateus: o biólogo inglês Richard Dawkins, o filósofo americano Dennett, o jornalista inglês Christopher Hitchens e o filósofo francês Michel Onfray.

Vamos, a seguir, transmitir algumas sentenças desses pensadores, propondo-Ihes várias respostas.


1. O que dizem os Ateus?

Eis algumas das afirmações mais características de tais pensadores:

"O mundo seria melhor sem Deus" (Dawkins, Onfray e Hitchens).
Mesmo um ateu pode e deve cultivar valores sagrados, como a verdade, o amor, a democracia.

Uma vida sem Deus tão pouco precisa de ser vazia de sentido, como bem demonstrou o filósofo inglês Bertrand Russel:“Acredito que, quando eu morrer, irei apodrecer e nada do meu ego sobreviverá. Mas recuso-me a tremer de terror diante da minha aniquilação.

A felicidade não é menos feliz porque deve chegar a um fim, nem o pensamento e o amor perdem seu valor porque não são eternos" (Dennett).

A existência de Deus não pode ser comprovada, nem tão pouco há como negá-la...Dawkins admite que é impossível negar Deus, mas nem por isso ateísmo e teísmo são hipóteses equivalentes.

A evolução parte de elementos simples para chegar a formas complexas, como o olho ou o cérebro humano.

A hipótese teísta seria uma inversão dessa lógica: colo­ca uma inteligência complexa como origem de todo o Universo.

Não se trata, portanto, de dizer que Deus não existe; Ele seria apenas muito, muito improvável.

Em relação ao Catolicismo, a agressão é muito violenta:

“A Santíssima Trindade é acompanhada pela Virgem Maria, uma deusa de facto, embora não seja chamada assim.

O panteão católico é inflado ainda pelos santos, que, se não são semideuses, têm poderes de intercessão em áreas especializadas, que incluem dores abdominais, anorexia, desordens intestinais.

O que me impressiona na mitologia cató­lica é não só a sua qualidade kitsch, mas também a falta de vergonha com que essa gente fabrica as coisas no andar da carruagem. É tudo despu­doradamente inventado".

Richard Dawkins, biólogo inglês, em The God Delusion Frente ao Antigo Testamento:

" Nem é preciso dizer que nenhum dos eventos repulsivos e desordenados, que o Êxodo narra, aconteceu.

Não houve fuga do Egipto, nem peregrinação pelo deserto, e nem a conquista dramática da Terra Prometida - (...) os horrores, crueldades e loucuras do Velho Testamen­to.
E quem - a não ser por sacerdotes antigos que exercem o poder atra­vés do método consagrado da imposição do terror - poderia desejar que esse novelo emaranhado de fábulas seja verdadeiro? "(Christopher Hitchens, jornalista americano, em God Is Not Great)


2. O que respondem os Cristãos?

a) "O mundo seria melhor sem Deus"...

Os ateus talvez digam isto, impressionados pelas guerras de Religião ocorrentes na história da humanidade.

A tal respeito observamos:
Para os antigos, era, muitas vezes, dever de consciência empreen­der uma guerra para salvaguardar valores religiosos. Tal era a importância que atribuíam à Fé.

Hoje em dia já não se pensa assim. Mas não se podem julgar os antepassados segundo categorias de pensamento que eles não tinham nem podiam ter.

Ao Cristão é necessário defender as verdades da Fé, sem, porém, chegar ao recurso das armas.

Feita esta ponderação, devemos dizer que a religião, além de ser culto a Deus, é um factor morigerante ou educativo de alto valor.

Muitos são aqueles e aquelas que, após uma vida devassa e desesperadora, se voltam para a Religião e se tornam novas criaturas.

Nada há de mais poderoso do que a Religião para motivar feitos heróicos.Por isto o mundo não seria melhor sem religião.

O ateu pode ser uma pessoa moralmente honesta e digna, porque em seu íntimo existe a lei natural com seus ditames: "Não matar, não roubar, não caluniar".

Mas é bem difícil sustentar essa bondade natural, tal é a força das paixões que habitam no coração humano, ou que o atraem no seu ambiente de vida.

Sartre dizia: "Se Deus não existe, tudo é permitido; sou carrasco ou açougueiro".

Na verdade, se Deus não existe, nada há acima do homem que o obrigue a determinado procedimento ou lho proíba; cada qual fará seu código de ética, de acordo com suas conveniências.

"Cada um na sua", como proclamam os existencialistas.

O cidadão será carrasco ou açougueiro, de acordo com os referenciais do momento. Acontece, porém, que o homem foi feito para o Absoluto, e não consegue viver plenamente sem tal parâmetro transcendental.

b) "Quando eu morrer, apodrecerei e nada ficará de mim"...

Estas são palavras que contrariam a aspiração natural do ser humano à Vida, à Verdade, ao Amor...

Bem dizia S. Agostinho: "Senhor, Tu nos fizeste para Ti, e inquieto é o nosso coração enquanto não repousa em Ti".

A morte é um corte, se não há continuidade no além; deixa o homem frustrado no que ele tem de mais autêntico e legítimo: o anseio de viver, de conhecer a Verdade, de experimentar o Amor, a Bondade, a Justiça ...

Bertrand Russell afirma que a felicidade, por ser finita, não deixa de ser felicidade... Sim, ainda é felicidade, mas chorosa em seu íntimo, pois todo o ser humano tem sede de Bem (aventurança) sem limites.

Quem teria coragem para dizer "não" a uma alegria sadia e reconfortante? Por que será necessário dar-lhe um fim?

c) Prova-se, ou não, a existência de Deus?

A sã filosofia (não só a Teologia) prova que Deus existe, pois todo o relógio supõe um relojoeiro, ou, em linguagem mais erudita: todo o ser contin­gente (que existe, mas poderia não existir) requer uma causa que tenha feito passar do não-existir para o existir.

O Mundo, complexo como é, desde a bactéria até ao olho e ao cérebro humanos, não pode ser produto do acaso.

Se não tem causa, o Mundo seria eterno, seria o próprio Deus - o que não condiz com a volubilidade das criaturas passageiras deste Mundo.

É preciso que exista um Ser Supremo, sumamente inteligente e poderoso, que tenha dado origem à matéria que evoluiu após o Big-bang.

Não é lógico admitir que Deus seja muito, muito improvável, como diz o ateu.

Em geral, os ateus não tocam na questão da origem da matéria primordial, pois essa temática leva a descobrir Deus, limitando-se a explicar a origem da vida sem Deus - o que é aceitável para os graus da vida vegetativa e da sensitiva, não para a vida intelectiva, que supõe uma alma espiritual, especialmente criada por Deus.

Ocorre, porém, que um cientista não pode furtar-se a uma questão atinente à sua área de trabalho, como é a questão da origem da matéria inicial:A verdadeira ciência não tem medo da verdade.

d) O "Panteão católico"

Richard Darkins caricatura a mensagem católica, para zombar da mesma.

O Catolicismo está longe de considerar Maria Santíssima, "a mais bendita de todas as mulheres", como uma deusa.

Atribui-se-lhe profunda estima e veneração, por ter concebido Deus Filho em seu seio; jamais, porém, adoração.

Os Santos não são semideuses, mas criaturas que correram o pá­reo com grande êxito, e hoje junto a Deus continuam a interceder por nós, como nós intercedemos por nossos irmãos necessitados aqui neste mun­do.

A morte não rompe a comunhão, ou solidariedade existente, entre os filhos de Deus.

A piedade popular pode ter exagerado o papel dos Santos na vida católica; assim fazendo, não é representativa do pensamento ca­tólico.

Este professa que há um só mediador entre Deus e os homens, Mediador que quer comunicar a Sua obra mediadora aos justos, para que pela oração colaborem com Cristo na salvação dos seus semelhantes.

Acusam a Igreja de se envolver em assuntos de ordem temporal ou material, como: casamento, sexo, experiências científicas..., quando ela deveria ficar no plano meramente espiritual, sem interferência na vida pú­blica dos homens.

Em resposta, notamos que o ser humano é psicossomático; tem uma alma espiritual que vive num corpo e num mun­do materiais, de modo que as questões de índole material importam à Igreja na medida em que são, ou não são, conformes à Lei de Deus.

É somente o ponto de vista ético que a Igreja atinge.

e) O Antigo Testamento

Michel Onfray zombeteia acerca da história do Antigo Testamento, como nenhum cientista faria.

Revela não ter estudado o assunto, de modo que fala levianamente, em contraste com sua veia filosófica.

Fazendo contraparte a todo o cepticismo ateu, que extingue o senso místico de todo ser humano, publicamos, a seguir, uma bela página de Santo Agostinho, que escreve em nome do que há de mais íntimo dentro de cada um de nós...

f) Em contraste - Santo Agostinho:

'Ninguém vem a Mim, senão aquele que é atraído por meu Pai'.

Não julgues que és atraído contra a tua vontade: a alma também é atraída pelo amor. Não devemos temer a censura que, por causa destas palavras evan­gélicas da Sagrada Escritura, poderiam dirigir-nos alguns homens, que pesam materialmente as palavras, mas estão muito longe de compreender o verdadeiro sentido das coisas divinas.

Poderiam dizer-nos: 'Como posso acreditar livremente, se sou atraído?'

E eu respondo: 'Parece-me pouco dizer que somos atraídos livremente: é com prazer que sentimos a força dessa atracção'.

'O que significa ser atraído com prazer: 'Põe as tuas delícias no Se­nhor e Ele satisfará os anseias do teu coração'.

Trata-se de um certo ape­tite da alma que nos torna saboroso o Pão do Céu.

Se o poeta pôde dizer: "Cada um é atraído pelo próprio apetite" - não pela necessidade, mas pelo prazer, não pela obrigação, mas pelo gosto -; não poderíamos dizer nós, com maior razão, que o homem é atraído para Cristo, porque põe as suas delícias na Verdade, na Bem-aventurança, na Justiça, na Vida eterna, e sabe que Cristo é tudo isto?

'Acaso, terão os sentidos corporais os seus prazeres, sem que o es­pírito tenha também os seus?
Se o espírito não pode experimentar as suas delícias, por que se diz no Salmo:

'À sombra das vossas asas se refugiam os homens.

Podem saciar-se da abundância da vossa casa,e Vós os inebriais com a torrente das vossas delícias.Em Vós está a fonte da vidae é na vossa luz que veremos a luz'?

Apresenta-me alguém que ame e compreenderá o que afirmo.

Apre­senta-me alguém que deseje, que tenha fome, que se sinta peregrino e exilado neste deserto, que tenha sede e suspire pela fonte da Pátria eterna.

Apresenta-me um destes homens e compreenderá o que digo.Mas se falo a um coração frio, esse não pode compreender nada do que estou a dizer.

Se as delícias e os gostos terrenos, quando se oferecem a quem os ama, exercem tão forte atracção, porque 'cada um é atraído pelo próprio apetite', como não há-de atrair-nos o Amor de Cristo, que é a Revelação do Pai?

Que pode a alma desejar mais ardentemente do que a Verdade?

De que outra coisa pode sentir-se o homem mais faminto?Para que deseja ele ter são o paladar interior, se não para discernir a Verdade, para comer e beber a Sabedoria, a Justiça, a Eternidade?

" Diz o Senhor: 'Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, cá na Terra, porque serão saciados, lá no Céu.

Dou-Ihes o que amam; dou-Ihes o que esperam; verão aquilo em que acreditaram sem ver; comerão e serão saciados com aqueles bens de que tiveram fome e sede. Onde? Na ressurreição dos mortos, porque Eu os ressuscitarei no último dia' ".

Sem dúvida, a volúpia, de que fala S. Agostinho, é mais valiosa do que o vazio apregoado pelo ateísmo.

"Todo homem tem dentro de si um vazio do tamanho de Deus".
(Dostoievsky)

***

Fonte:
Presbitério Virtual
(Título original: "Braço a braço com Deus")

Ligações extras:
Para conhecer melhor D. Estêvão Bettencourt,clique aqui, e aqui...

Adaptação:
Nova Evangelização Católica - http://nova-evangelizacao.blogspot.com

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