terça-feira, 25 de agosto de 2009

Adeus ao Estado laico

"Dai pois a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus" Marcos:12:17

Os gregos inventaram a política e foram os pais da democracia. O sucesso da política estava no comprometimento do grego com os direitos e deveres do Estado. Os cidadãos participavam ativamente das decisões e tinham, claramente, a consciência da separação entre as coisas do Estado e a vida privada.

O discurso religioso, que legitimou a fase mitológica grega, cedeu lugar ao discurso racional, voltado, exclusivamente, às necessidades materiais da sociedade. As leis eram aplicadas por magistrados que fundamentavam suas decisões no direito e não nos oráculos divinos. Destarte, da nítida separação entre religião, vida privada e política, adveio a ideia de Estado laico. Porém, quando a decadência da democracia grega se fez sentir, mormente no fim do século IV a.C., os novos líderes associaram os cargos públicos aos cultos religiosos e as funções clássicas do Estado passaram a ser confundidas com a amizade pessoal e com interesses de grupos ou facções.

Em síntese, como afirma M.I. Finley: "A política desaparecera; não havia legado da cidade-estado como organismo político, no mundo grego pós-Alexandre."

A herança grega muito nos ensina. Em primeiro lugar, religião e política não se confundem. Não se quer advogar uma ideologia que defenda a dicotomia política/religião.

O fiel é aquele que acredita no seu destino como escolhido por Deus, mas, também, luta pela transformação da sociedade, participando de associações de moradores, de partidos políticos, ou simplesmente exercendo o direito de voto. Contudo, o crente deve separar a sua religiosidade dos destinos terrenos do Estado. Em segundo lugar, a participação na vida política é impessoal.

Os líderes políticos não podem utilizar-se da fé para alcançar seus desígnios, fazendo da religião um discurso mediador da política. Aquele que invoca a Deus como senhor de seu projeto político e manipula os crentes, infundindo-lhes o proselitismo eleitoral, assume, unicamente, uma estratégia personalista. Afirmar que a vontade de Deus é que guiará o seu destino como político é forjar a despolitização, transformando a religião em instrumento a serviço de uma missão puramente pessoal.

Em terceiro lugar, a politização da religião destrói o ideal de um Estado laico, concebido para respeitar o pluralismo em sociedade, sem qualquer vinculação a grupos religiosos. O político messiânico, ao incorporar a religião como ideologia partidária, cultiva a formação de guetos, inspira o fanatismo e aniquila a possibilidade da construção de uma consciência cívica. Em consequência, a política deixa de ser a expressão da cidadania participativa e passa a figurar como vocação pessoal, que nasce do carisma do líder. Assim, a associação da política com a religião se transforma numa âncora de uma ideologia narcisista e populista, infundindo falsamente no crente a ideia de que a sua fé está irremediavelmente condicionada aos apelos do pseudoprofeta, investido de político.

A Igreja Universal é um típico exemplo desse modelo de banalização da espiritualidade, pois não é somente uma seita religiosa. É uma agremiação partidário-religiosa que utiliza a religião como meio para consolidar o seu poder político (fim), além daqueles espaços de poder que já conquistou nas áreas empresariais de comunicação, como rádio e TV. Os seguidores da Igreja Universal obedecem sem questionar às ordens políticas dos "líderes religiosos" e são incapazes de votar em outro candidato que não seja aquele escolhido e ungido pela cúpula da Igreja. O método usado pela Igreja Universal despreza qualquer ideologia partidária: o importante é transformar fé em votos e ganhar as eleições. Nesse sentido, estamos vivendo um momento em que religião e política se fundem num propósito exclusivamente eleitoral.

Adeus Estado laico... Finalmente, quem acredita em Deus com decência e honestidade sabe que a pior alienação é a banalização da espiritualidade, com a utilização da religião como meio para se alcançar um determinado fim político-partidário.

Manoel Messias Peixinho, teólogo, doutor em direito constitucional e professor de Direito da PUC-RIO.

E-mail: mm.peixinho@uol.com.br

O Globo (26-8-2009)

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