Eu Sou a Lenda bate recordes de bilheteria com uma história adequada a estes tempos de medo. Will Smith é o único habitante de uma Nova York aniquilada por um vírus. Restam seres famintos por sangue e uma mulher – a brasileira Alice Braga.
Cada geração tem o apocalipse que merece. A ficção científica, em livro e filme, fornece sustos que variam com os públicos em diferentes contextos históricos. É o paradoxo do gênero: quanto mais imagina o futuro, mais ela reflete a situação em que foi escrita. Por isso, não há nada mais datado que uma história desse tipo quando consumida mais tarde – e nada mais estimulante no momento em que é realizada. No século XXI, o medo, a emergência do terror, as epidemias e a destruição da natureza entram em cena para fornecer um combustível ainda mais explosivo para as atuais superproduções num novo gênero, o terror tecnológico. O filme Eu Sou A Lenda cai como uma luva nas atuais inquietações. O resultado foi uma bilheteria arrasadora em sua estréia nos Estados Unidos, em dezembro. A ótima história de um último sobrevivente do planeta calou fundo nas platéias.
Na estréia, o longa-metragem da Warner arrecadou US$ 77,2 milhões, atingindo uma marca histórica em um fim de semana. De lá para cá, vem faturando milhões mundo afora. No Brasil, estréia no dia 18. Para a ocasião, o ator principal do filme, Will Smith, estará presente. Na projeção para a imprensa, a protagonista, Alice Braga, veio ao Brasil. Ela se tornou a atriz nacional de maior destaque em Hollywood.
A história não é nova. Baseia-se no romance homônimo do americano Richard Matheson (nascido em 1926), publicado em 1954, hoje considerado um clássico da ficção científica. O livro acaba de sair no Brasil (Novo Século, 296 páginas, R$ 39,90). Naturalmente, ele foi adaptado pelos roteiristas. O romance é ambientado num futuro então distante: 1977. A trama atravessou as décadas. Dez anos depois do lançamento do best-seller, Matheson colaborava com o roteiro do longa Mortos Que Matam, com Vincent Price como protagonista. Em 1971, a história voltou em A Última Esperança da Terra, com Charlton Heston.
A nova versão se passa em 2012. Três anos antes, um vírus desenvolvido pela doutora Alice Krippin é divulgado como a cura universal para o câncer. Mas ele degenera em praga letal. Os governos declaram a quarentena e evacuam cidades como Nova York e Tóquio. No fim do ano, o vírus Krippin mata 90% da população. Sobrevivem 9,8% infectados – e só 0,2% imunes. Como resultado, hordas de mutantes passam a atacar as minorias, à cata de sangue puro.
O médico virologista Robert Neville (Will Smith) é um dos poucos que se salvaram. Num ímpeto missionário, fica em Nova York – destruída, com matagais e bichos por toda parte – para testar a vacina contra a epidemia. Para isso, usa animais e uma pessoa infectada como cobaias. Arma-se até os dentes e só conta com a companhia de sua cadela. Para encontrar um semelhante, transmite diariamente uma mensagem pelo rádio: “Sou um sobrevivente de Nova York. Se alguém estiver ouvindo, você não está sozinho”. Dois sobreviventes de São Paulo, a bela Anna (Alice Braga) e seu filho, ouvem a mensagem e vão a seu encontro. Os três formam uma nova família humana. Enfrentam os ataques dos contaminados. O filme prende o espectador numa malha de tensão e violência. Será possível restituir a humanidade ao homem? O desafio é apropriado a estes tempos de violência desenfreada.
A narrativa original tocava o ponto sensível dos anos 50: a destruição da civilização e o recuo à barbárie. De alguma forma, a fobia nuclear dos anos 50 pode ser transposta sem muita alteração para o estado de espírito do nosso mundo hoje, ameaçado por doenças e ataques terroristas. Eu Sou a Lenda é um coquetel de pavores contemporâneos.
Luís Antônio Giron
Época, Ed. 503 - 07/01/2008
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