Uma equipe de pesquisadores da Unicamp acaba de lançar luz a uma pequena preciosidade gastronômica. Após um mergulho em cadernos de receitas de famílias campinenses do século retrasado, o grupo fez um inventário dos doces mais habituais às mesas da época. "Delícias das sinhás - histórias e receitas culinárias da segunda metade do século XIX e início do século XX", publicado pela Editora Arte Escrita, é o resultado deste estudo, que revive manjares antiqüíssimos como os "ares de Berlim", a "aletria de ovos" e as "súplicas".
Ao todo, o livro descreve 82 receitas, selecionadas dentre as 200 recuperadas pelos historiadores. O trabalho começou em 2002, quando a equipe se debruçou sobre os manuscritos doados ao Centro de Memória da Unicamp. Os cadernos pertenciam às sinhás de famílias da elite de Campinas, geralmente donas de engenhos e de plantações de café, e mostram como a culinária portuguesa foi ganhando influência e ingredientes africanos e indígenas. Além disso, mapeia alguns costumes da época, como a ênfase nas sobremesas.
- Os doces tinham um papel importantíssimo na tradição colonial, como uma herança da cultura portuguesa. Eram vistos como a coroação do jantar, um símbolo da suntuosidade da família e da delicadeza das sinhás. Por isso, tinham que ser perfeitos - explica a historiadora Eliane Morelli Abrahão, uma das envolvidas no trabalho.
Entre as sobremesas mais freqüentes nos cadernos estão aquelas feitas com frutas, como a marmelada (campeã em aparições), a goiabada, o doce de pêssego, figos e pêras em calda. Em seguida, vêm os doces com queijos e sequilhos, também muito bem vistos pelas doceiras da época.
O resgate das receitas incluiu o trabalho paleográfico do pesquisador Fernando Abrahão, que atualizou medidas corriqueiras naquele século, como arroba, libra e quartilho. Além disso, teve que "traduzir" a linguagem das sinhás, cheia de expressões como "levar a tacha ao lume" e "salvas" (bandejas). A tarefa de adaptar, preparar e fotografar as receitas para o livro ficou a cargo do jornalista Fernando Kassab, que lançou mão de mais de 100 dúzias de ovos e 40 sessões de degustação para chegar ao resultado final.
- Tentei me manter o mais fiel possível às receitas originais, mas buscando sempre torna-las acessíveis ao público. Assim, tive que substituir alguns ingredientes, que não são mais tão comuns hoje. A farinha de arroz, por exemplo, foi substituída pela farinha de trigo - conta.
Apesar de serem as responsáveis pelo sucesso ou fracasso dos banquetes em família, as sinhás não costumavam colocar a mão na massa. O preparo dos quitutes ficava a cargo das chamadas "escravas de dentro", aquelas que possuíam mais habilidade com a cozinha. E os pesquisadores acreditam que mesmo a escritura das receitas era feita não pelas senhoras, mas pos escrivões ou parentes próximos. Em algumas delas, inclusive, há anotações engraçadas, como lembretes de que os autores da caligrafia também merecem uma boa porção do doce.
Juliana Krapp - Globo Online
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