sábado, 28 de julho de 2007

Os inovadores que tiram água do deserto

Quem quiser entender como a humanidade poderá vencer a escassez de água deve olhar para um exemplo no planeta – o minúsculo Estado de Israel
O engenheiro Diego Berger, da empresa nacional de abastecimento de Israel, a Mekorot, começa de forma bem-humorada uma apresentação de slides que mostra os feitos de seu país no gerenciamento de recursos hídricos. “O povo de Israel historicamente apresenta soluções inovadoras para os problemas da água”, afirma. Ele então exibe na tela uma ilustração da passagem bíblica em que Moisés tira água da pedra com um cajado. Na cena seguinte, outra imagem do Antigo Testamento: Moisés abre o Mar Vermelho. “Nas últimas décadas, porém, nossa tecnologia foi bastante aprimorada”, diz Berger. A platéia ri.

A empresa de Berger é um exemplo de boa gestão da água. O sistema de abastecimento da Mekorot no país tem duas redes distintas. A primeira leva água potável para o consumo das casas, dos escritórios e indústrias. A outra rede irriga as plantações com a água recolhida de esgotos e tratada. Cerca de 72% da água tem segundo uso. Trata-se de um índice de reúso sem par no mundo. O país mais próximo disso, a Espanha, recicla apenas 12% da água.

Os israelenses precisaram se adaptar a uma faixa de terra que no sul é desértica e no norte, a área mais úmida, apresenta índices de precipitação equivalentes aos da região semi-árida no Brasil. Ainda assim, abastecem a população e exportam produtos agrícolas. A tecnologia para tratamento e reciclagem da água é vista pelos israelenses como uma vantagem no mundo globalizado. “Nossa vocação é virar a referência mundial no tema”, diz Booky Oren, coordenador da Watec, uma feira de tecnologias ligadas a tratamento de água que começará no mês de novembro. A feira pretende atrair milhares de visitantes. As duas centenas de empresas de água do país já exportaram US$ 900 milhões no ano passado. O setor tende a crescer com a crise global de água. E os israelenses são a maior referência mundial no assunto.

A idéia de promover as indústrias de água do país foi de Oded Distel, diretor de investimentos internacionais do Ministério da Indústria, Comércio e Trabalho. Em 2002, quando ele era adido comercial na Grécia, tentou vender uma instalação de tratamento de lixo para a ilha de Chipre. “Não ganhamos o contrato, mas compreendi claramente que não podíamos ficar fora daquele mercado”, diz. Ele conta que, na última década, Israel exportou empresas de segurança privada, explorando a imagem de eficiência do Mossad, o serviço de Inteligência do país. Agora o objetivo é fazer o mesmo marketing com a água. “É bem mais fácil de vender. Nosso sucesso com os recursos hídricos não tem lado negativo”, afirma Distel.

Israel entrou no mercado internacional de água no início dos anos 60, quando os fazendeiros desenvolveram um novo sistema de irrigação, por gotejamento. Em vez de despejar a água diretamente no solo, tubos de plástico com furos deixam passar, gota a gota, a quantidade mínima para o crescimento das plantas. Isso reduz a perda por evaporação e a salinização do solo. A técnica permitiu um uso mais eficiente da água. Hoje, mais de 80% da produção agrícola de Israel é exportada. E o país passou a vender a tecnologia de gotejamento. Estima-se que as empresas israelenses controlam metade do mercado mundial desse tipo de irrigação, que movimenta US$ 1,2 bilhão por ano.
O orgulho mais recente dos israelenses é sua indústria de dessalinização da água do mar. Próxima à conflagrada Faixa de Gaza, a usina de Ashkelon, de US$ 250 milhões, foi inaugurada no fim de 2005, às margens do Mediterrâneo. Ela é a maior do mundo em seu gênero. Produz o suficiente para abastecer uma cidade de 1 milhão de pessoas. A água captada no mar é injetada em alta pressão dentro de 40 mil tubos de plástico. No interior deles, um feixe de membranas, como as camadas de um palmito, extraem o sal da água. O líquido que sai do outro lado é tão puro que os técnicos precisam adicionar de volta alguns sais minerais que compõem a água potável comum.

O governo pretende instalar duas outras grandes usinas como essa. Hoje, as 31 usinas de dessalinização do país produzem 15% da água que a população consome. A meta é chegar a 40% nos próximos cinco anos. Com uma usina de dessalinização própria, o kibutz – uma espécie de fazenda coletiva – Ma’agan Mikhael, um dos mais ricos do país, situado no litoral, retira água salobra do subsolo arenoso. Com ela, produz morangos suculentos como os da Califórnia e cria carpas para exportação.

Embora representem o que existe de mais avançado em reciclagem de água, as tecnologias israelenses não podem ser vistas como solução para todos. Antes de pensar em dessalinizar água do mar, países como o Brasil podem investir em soluções mais simples, como reduzir o vazamento na rede de distribuição. A verdadeira lição de Israel foi ter enfrentado limitações de recursos naturais criando uma política de incentivo à inovação tecnológica. Israel investe 4,8% do PIB em pesquisa e desenvolvimento, porcentual superior à de quase todos os países desenvolvidos.
A maior parte desse dinheiro é disputada por centros de pesquisas e incubadoras de empresas, para estimular a competitividade. O governo paga apenas 35% do orçamento do Instituto Weizmann, um dos principais centros de pesquisa do país. Os pesquisadores têm de buscar recursos na indústria ou em fundos privados. Isso gera pesquisas mais conectadas com a necessidade das empresas. E estimula pesquisadores e engenheiros a lançar seus produtos no mercado. No fim do ano passado, cerca de 108 pequenas empresas chegaram ao mercado com tecnologias inovadoras de água. Segundo o governo, investidores aplicaram US$ 1,2 bilhão em 2005 para capitalizar empresas do setor. Nos próximos três anos, o governo destinará US$ 2,2 milhões para incubar ainda mais negócios na área.

As empresas geram produtos que chamam a atenção no mercado internacional. Um deles é um depurador industrial de água que mata os microrganismos usando raios ultravioleta. O processo, recentemente patenteado por um grupo de pesquisadores da empresa Atlantium, chegou ao mercado em 2006. No início do ano, a companhia foi apontada pela revista de negócios e tecnologia americana Red Herring como uma das cem mais promissoras do mundo. Eles têm em quem se mirar. Há duas décadas, um grupo de engenheiros do kibutz Amiad desenvolveu um filtro com cartuchos revestidos de membranas de tecido sintético que é autolimpante. A tecnologia hoje sustenta uma empresa que exporta filtros de US$ 30 mil para agricultores na Austrália e fatura cerca de US$ 40 milhões por ano. Para o Brasil, que tem a maior bacia hidrográfica do mundo, Israel serve como exemplo de país que constrói sua competitividade a partir não da abundância de recursos naturais, mas justamente de sua escassez.
ALEXANDRE MANSUR
Revista Época, Ed. 478 (16-07-2007)

domingo, 22 de julho de 2007

Há 134 anos, Alberto Santos Dumont (1873-1932)


'Os pássaros devem experimentar a mesma sensação, quando distendem suas longas asas e seu vôo fecha o céu... Ninguém, antes de mim, fizera igual' - Alberto Santos Dumont -


Para quase todos os brasileiros, o dia 20 de julho não passa de mais um dia comum. A data, no entanto, deveria ser reverenciada como um dos grandes momentos da nossa história. Nesse dia comemora-se o aniversário do maior e mais consagrado cientista brasileiro de todos os tempos. Em 20 de julho de 1873 nascia Alberto Santos Dumont, 'um mineiro que ousou voar como os pássaros e teve o desplante de realizar seu sonho aos olhos de todo o mundo. Nada de vôos secretos, numa praia deserta da Carolina do Norte, sem documentação imparcial, como fizeram os irmãos Wright. Não. Santos Dumont 'matou a cobra', repetidamente, para o delírio do povo de Paris, que testemunhou a audácia, a coragem e o jeitinho brasileiro de fazer ciência', como afirmou o pesquisador disse Miguel A.L.Nicolelis.

Em 19 de outubro de 1901, a bordo do seu dirigível número 6, Santos Dumont contornou a torre Eiffel e retornou ao seu ponto de partida, no campo de Saint-Cloud, em menos de 30 minutos. Demonstrava-se assim a possibilidade de controlar o vôo e de impor a vontade humana à máquina. Mas foi em 23 de outubro de 1906, em Campo de Bagatelle, em Paris, quando o 14-Bis voou por mais de 50 metros a uma altura de 2 metros, que Alberto Santos Dumont garantiu para si um prêmio e um lugar na história. O mineiro voou depois dos Irmãos Wright, sim, mas os americanos usaram, em 1903, uma catapulta e um biplano e não conseguiam 'pilotar', apenas planavam.

Nascido em 20 de julho de 1873, em Palmeira (mais tarde rebatizada com o nome de seu filho mais ilustre), região da Zona da Mata mineira, passou a infância em Minas Gerais, cercado pelas obras de Júlio Verne - que lhe deu, literalmente, asas à imaginação - e pelas narrativas históricas dos primeiros vôos em balões. O sexto de 10 filhos de um rico empreiteiro e fazendeiro de café chamado Henrique Dumont, desde jovem desenvolveu o seu lado inventor a partir das muitas e modernas máquinas utilizadas nos trabalhos com os cafezais. Completando o estudo em bons colégios de São Paulo, quando a família já morava em Ribeirão Preto, e após formar-se na Universidade do Rio de Janeiro, o rapaz provinciano, de estatura baixa e corpo franzino, muda-se para Paris (França) em 1891, aos 18 anos, com o intuito de desenvolver seus principais projetos. Lá, estudou física, química, mecânica e eletricidade, e especializou-se em aeronáutica após sua primeira experiência com balões. Desde jovem, Santos Dumont tinha duas obsessões em mente: a primeira era voar; a segunda, alcançar a fama.

Em 1898 seu primeiro balão (o Balão Brasil), voou sobre os céus de Paris. Seu próximo passo foi construir um veículo voador que fosse dirigível. O inventor acoplou um pequeno motor a gasolina e voilà , seu invento funcionou. Na tentativa de aprimorar a sua máquina de voar, sofreu alguns acidentes, chegando a admitir que, em alguns deles, fora 'salvo por milagre'.

O primeiro grande feito do brasileiro, que lhe valeu o reconhecimento e os elogios de personalidades como o inventor Thomas Edison, foi a ousada circunavegação da Torre Eiffel, em 1901, com seu dirigível nº 06. Era a primeira pessoa a dirigir um veículo aéreo num percurso previamente determinado - um avanço para a aviação comparável ao arranque automático, em 1911, para a indústria automobilística, que abriu caminho para a produção de carros em massa. Pelo feito na Torre Eiffel, recebeu o prêmio de 100 mil francos do Deutsch de La Meurthe, o maior importador de petróleo da França, e distribuiu o dinheiro entre seus mecânicos e os desempregados de Paris. Pelo 14-Bis, em 1903, que o tornou o primeiro homem a voar com uma máquina autopropulsionada e mais pesada que o ar, recebeu o prêmio Archdeacon, de 3 mil francos.

Durante 10 anos, Santos Dumont construiu 20 balões e aeroplanos, voou em todos eles e submeteu-se a todos os tipos de tensão e de descargas elétricas. Seu último vôo foi com o Demoiselle (donzela, em francês), o seu avião de nº 20, uma aeronave com motor de 35 HP e estrutura de bambu, semelhante aos ultraleves de hoje.

No fim de sua vida, Santos Dumont sofria de duas graves doenças, depressão crônica e esclerose múltipla. Com a saúde cada vez mais debilitada e vendo o seu invento ser cada vez mais utilizado como arma de guerra, começou a ter progressivas crises de depressão. Humanitário e pacifista, testemunhou com grande desgosto a capacidade de destruição dos aviões durante a Primeira Guerra Mundial. Os aviões, já então eficientes armas de guerra, tinham criado mitos, como o alemão Manfred Von Richtofen, o Barão Vermelho, na Primeira Guerra. A consagração dos irmãos Wright foi outro motivo de contrariedade. À medida em que o século XX intensificava sua escalada de violência, Santos Dumont se recolhia a seus estudos e aos discursos pela paz, tornando-se cada vez mais recluso e irascível.

Em 1931, ele volta ao Brasil para viver em Petrópolis (RJ), em uma pequena casa projetada por ele, a Encantada, hoje Museu Santos Dumont. No ano seguinte, a morte trágica. Conta-se que ao saber do emprego de aviões na Revolução Constitucionalista de 1932, foi tomado de forte depressão e, aos 59 anos, no dia 23 de julho, comete suicídio, se enforcando com uma gravata no Grande Hotel de La Plage, no Guarujá, litoral paulista. Se sua morte foi motivada pela desilusão com o uso bélico do avião ou se foi simplesmente conseqüência da terrível doença, nunca se soube com certeza. No início do século, ele chegara a autorizar que seus balões fossem usados para fins militares na França, mas com certeza não imaginava o poder de destruição que seu invento poderia adquirir. Morreu antes de ouvir falar em nomes como Spitfire, Kamikazes e 'Enola Gay'. Postumamente recebeu o título de marechal-do-ar e, por decreto, foi proclamado patrono da Força Aérea Brasileira (1971).

Uma curiosidade é que a certidão de óbito do invetor ficou desaparecida por cerca de 23 anos. O motivo da morte foi omitido desde a ditadura de Getúlio Vargas, quando criou-se a figura-mito do herói nacional. Os governantes acreditavam que um herói suicida não ficaria bem nos livros de história. Quando foi encontrada, dava como causa mortis um suposto 'Colapso Cardíaco'.
O homem que conheceu cedo a glória terminaria seus dias mergulhado na loucura e no desespero. Mas o seu nome permanece cravado na história como um dos grandes e poucos homens que mudaram definitivamente o curso dos acontecimentos.


A elegância de Santos Dumont

Além de pai da aviação, ele também foi uma das figuras mais elegantes e influentes de seu tempo. Algumas das melhores festas de Paris, reunindo a elite mundial, aconteciam em sua casa.

Um aspecto menos conhecido da biografia do aviador, além de sua ousadia, era sua excentricidade aliada a uma peculiar elegância - todos o conheciam por seu chapéu panamá, ternos com corte impecável e camisas de gola alta. Ele era uma das figuras mais festejadas de Paris.

Em seus jantares, reunia gente como: Louis Cartier (o joalheiro), princesa Isabel (filha de dom Pedro II), George Goursat (sofisticado escritor e cartunista), Gustave Eiffel (o arquiteto da Torre Eiffel), Rothschild (os bilionários), a imperatriz Eugênia (viúva reclusa de Napoleão III) e 'alguns reis, rainhas, duques e duquesas, tão numerosos que é impossível mencionar todos os nomes', escreve Paul Hoffman na biografia Asas da Loucura.

Muito rico, Dumont despertava a atenção de todos. Sim, ele era herdeiro de uma fortuna de meio milhão de dólares. Elegante, Dumont foi um dos primeiros freqüentadores do restaurante Maxim's, até hoje um dos mais badalados de Paris. A biografia de Hoffman é uma das melhores já escritas sobre o aviador. Nela revela-se não só o gênio, mas também o homem Santos Dumont - seus muitos amigos, além de sua homossexualidade.


A evolução dos seus balões

Em uma exposição de máquinas em Paris, Santos-Dumont viu um motor a explosão interna, movido a gasolina. Tratava-se de uma novidade, pois naquele final de século os veículos e as indústrias eram movidos por máquinas a vapor. Motores elétricos já existiam, mas eram rudimentares. O contato com esse motor foi de fundamental importância para o desenvolvimento de suas futuras experiências com balões e aeroplanos, possibilitando tornar realidade suas fantasias.

Balão Brasil
Santos-Dumont encomendou um balão à tradicional Casa Lachambre. Acompanhando pessoalmente todas as etapas da produção, desde o corte do tecido até a montagem da barquinha de vime, teve a oportunidade de aprender em detalhes como se construía um balão esférico e de introduzir inovações: era menor que os demais, com 103 m3 de volume; o cesto de vime era para uma só pessoa; as cordas, de seda japonesa como o invólucro, com pouquíssimo peso; corda-pendente mais longa. Embora alguns especialistas duvidassem que um aerostato de volume tão diminuto pudesse subir levando no cesto de vime um homem, o Balão Brasil, assim denominado, ganhou os ares de Paris.

Dirigível número 1
Introduzindo modificações técnicas para dar maior estabilidade, alterou o centro de gravidade de um balão comum alongando as cordas de suspensão da barquinha destinada ao tripulante, e também utilizou pela segunda vez a seda japonesa, tornando-o mais leve e permitindo suportar maior tensão. Assim construiu um balão em forma de charuto, com aproximadamente 20,2 m de comprimento por 3,5 m de diâmetro, propulsionado por um motor a gasolina de 4,5 HP, o primeiro de uma série. Foi a primeira vez que um motor a explosão interna, adaptado a um veículo aéreo, funcionou no ar.

Dirigível número 2
Colocou maior potência no motor que, movido a gasolina, acionava a hélice.

Dirigível número 3
Empregou pela primeira vez o gás de iluminação em lugar do hidrogênio, mais caro. O aparelho era afilado nas pontas e, para abrigá-lo, construiu um hangar especial, o primeiro do mundo.

Dirigível número 4
Pilotou sentado numa sela de bicicleta, de onde dirigia e controlava o motor, o leme de direção e as torneiras do lastro, que em vez de areia, compunha-se de 54 litros de água, guardados em dois reservatórios. Subiu com sucesso em 1º de agosto de 1900.

Dirigível número 5
Motor de 16 HP, com 41kg, e fabricado pelo próprio aeronauta. O balão, no entanto, chocou-se com um prédio de Paris e o cientista ficou pendurado a vinte metros de altura, mas saiu ileso.

Dirigível número 6
Custou cerca de 30 mil dólares. Contornou a torre Eiffel (1901) e voltou ao ponto de partida (o campo de aerostação de Saint-Cloud) em menos de uma hora. Pelo feito, conquistou em Paris o Prêmio Deutsch de la Meurthe. Com o mesmo dirigível tentou atravessar o Mediterrâneo (1902), mas caiu no mar, sofrendo seu segundo sério acidente.

Dirigível número 7
Um dirigível de corrida com o qual apareceu poucas vezes, reservando-o para provas de velocidade com outros inventores, que nunca apareceram.

Pulou o número 8 por superstição.

Dirigível número 9
O menor e o mais famoso dos dirigíveis de Santos Dumont, de 1903. Fez muitos passeios sobre Paris, sendo visto quase diariamente, descendo nas ruas das cidade, com o intuito de mostrar a versatilidade a capacidade de transportar do aparelho.

Dirigível número 10
Chamado dirigível-ônibus, tinha capacidade para dez passageiros. Feito em 1903.

Dirigíveis 11 a 14
Projeta o nº 11, um monoplano bimotor, e o nº 12, um helicóptero, em 1905, mas não os conclui. No mesmo ano, finaliza a construção do nº 13, uma aeronave com dois balões destinada a longas viagens, mas não obtém resultados práticos. Faz experiências com o dirigível nº 14 Trouville, na costa do Canal da Mancha.

14-Bis
Em julho de 1906, iniciou testes com um aparelho mais pesado que o ar, batizado de 14-Bis. A invenção possuía 11,5 metros de envergadura nas asas, 10 metros de comprimento e 4,81 metros de altura. Todo o conjunto pesava 290 quilos, contando com o aviador. Os assentos eram de seda japonesa, com armações de bambu e juntas de alumínio. Os franceses apelidaram o estranho aparelho de oiseau de proie (ave de rapina), ou canard, devido à semelhança com um pato. Os ingleses o chamavam bird of prey.

Em outubro, em Bagatelle, Paris, realizou o primeiro vôo mecânico do mundo, voando a dois metros do chão por cerca de sessenta metros. Em 12 de novembro do mesmo ano, voou em Paris a seis metros do chão ao longo de 220 metros com o 14-Bis. Com este feito ganhou a Taça Archdeacom, instituída para o primeiro aeroplano que com seus próprios meios se elevasse a mais de 25 m, e o prêmio do Aeroclube da França, para o primeiro avião que fizesse um percurso de cem metros.

O 14-Bis foi destruído durante um vôo malsucedido em 14 de abril de 1907. Na tentativa de conseguir estabilidade, Santos Dumont levantou e abaixou o nariz da aeronave várias vezes, mas o aparelho bateu contra o chão. Dumont costumava reutilizar peças na construção de novos aparelhos, e não teve pena nem mesmo do histórico 14-Bis. Seu motor equipou os engenhos de números 15, 16 e 18. A hélice e as rodas também foram reaproveitadas. Em 1956, ano em que comemoraram 50 anos do primeiro vôo do aparelho, foram feitas duas réplicas. Uma foi enviada à França e a outra está no Museu Aeroespacial da Aeronáutica, no Rio de Janeiro. Como foram feitas com material diferente do original, não voaram. Em 2002 as plantas do 14-Bis foram doadas à USP, que anunciou o desejo de construir uma nova réplica do avião.

Hydro-glisseur (1907)
Com deslizador aquático, o número 18 foi o precursor do hidroavião. No mesmo ano, havia feito experiências com o aeroplano nº 15 e com o dirigível nº 16, mas desiste desses projetos por não obter bons resultados.

1907-1909
Aperfeiçoou o aparelho Demoiselle ou Libellule, semelhante a um ultraleve, mas com hélice frontal, feito com bambu e seda que, com o piloto, pesava pouco mais de 100kg, e com um motor de 30 HP. Nele o cientista fez seu último vôo como piloto e atingiu uma velocidade média de 96 quilômetros por hora (1909).


Livro - A extraordinária vida de Santos Dumont
Autor: Paul Hoffman
Editora Objetiva

Em 2002, enquanto se comemorava nos Estados Unidos o centenário do primeiro vôo de uma aeronave mais pesada do que o ar - como feito dos irmãos Orville e Wilbur Wright -, a maioria dos brasileiros amargava um rancor pela injustiça ao trabalho de seu compatriota Alberto Santos Dumont. Afinal, o vôo dos americanos foi feito na surdina, com a ajuda de uma catapulta e com o testemunho de meia dúzia de pessoas. Nada comparável ao vôo do 14-Bis, largamente noticiado e visto por milhares em Paris. Mas a desforra veio na medida, com um livro lançado em 2003 justamente por um jornalista norte-americano.

Com seu 'Asas da Loucura', traduzido no Brasil, Paul Hoffman dá o devido crédito de pioneiro da aviação ao pequeno e franzino brasileiro que encantou Paris no início do século 20 ao sobrevoar a Torre Eiffel a bordo de um dirigível motorizado. Sua ousadia e excentricidade aliada a uma peculiar elegância - todos o conheciam por seu chapéu panamá, ternos com corte impecável e camisas de gola alta - o transformaram em um dos homens mais prestigiados da capital francesa nos primeiros anos do século.

Com uma narrativa recheada de detalhes saborosos, Hoffman mistura a trajetória de Santos Dumont na aviação, desde a primeira, e acidentada, viagem a bordo de um balão, com curiosidades da sua vida privada, marcada pela profunda timidez. Mas por trás da figura aclamada como herói pelos brasileiros, Hoffman mostra que existia um outro lado: o de 'gênio torturado'. Como define o autor, o aviador brasilero foi 'um espírito livre que buscava escapar do confinamento da gravidade, da rivalidade de seus companheiros aeronautas (...), dos estereótipos sexuais e mesmo ao destino de sua querida invenção'.

Seja por idealismo ou romantismo, a principal meta de Santos Dumont ao investir toda a sua energia e criatividade nas aeronaves era a de inventar 'uma tecnologia que revolucionaria os meios de tranporte e promoveria a paz mundial'.

O uso do avião para fins completamente díspares durante a Primeira Guerra acabou levando-o a uma profunda depressão. 'Os bombardeios das aeronaves - 'meus bebês', como as chamava - o perturbaram em particular, e ele se sentia culpado por sua invenção', relata Hoffman.
Desiludido, atormentado e afetado por uma esclerose múltipla, Santos Dumont se matou aos 59 anos em um hotel no Guarujá, litoral de São Paulo. (Giovana Girardi)

'Muitos meninos sonharam em ter uma máquina de voar que poderia decolar e pousar em qualquer lugar sem precisar de uma pista de pouso. No século 21, mesmo um poderoso industrial cosmopolita não pode voar até seu restaurante favorito, ao teatro ou a uma loja. Um único homem na história usufruiu essa liberdade. Seu nome foi Alberto Santos Dumont, e seu corcel aéreo era um balão dirigível.'

Relógio de pulso

Após muitas reclamações acerca da dificuldade de controlar seus vôos e tirar o relógio do bolso, Dumont encomendou a Louis Cartier o relógio de pulso. Em 1903 ou 1904 (nunca se chegou a um consenso sobre a data exata), o joalheiro resolveu o problema fazendo um relógio quadrado com pulseira de couro. Mas a invenção não é de Dumont: em 1500, a rainha Elizabeth I tinha um. Militares também já usavam o relógio e Dumont talvez tenha sido o primeiro civil a usar a peça.

terça-feira, 17 de julho de 2007

Você doaria um pouco de si?

Aos 40 anos, Steven Aman, um químico americano, começou a fazer o bem – como trabalho ambiental voluntário ou doações de sangue – e descobriu que recebeu muito mais que doou. “Jamais pensei que alguém pudesse se sentir gratificado doando, sem esperar nada em troca.” Ele se sentiu tão bem que começou a seguir o costume indígena de pegar algo que não usava e colocar num lugar onde outros pudessem pegar caso precisassem. O que ele acabou oferecendo foi algo bastante especial: o próprio rim.

Steve é o que se chama de um doador anônimo em vida (DAV), que doou seu rim para um dos milhares de pacientes que aguardam um transplante. Esse órgão esponjoso no formato de um feijão é tão precioso que há alguns anos alguém tentou leiloar seu rim pelo site ebay, nos Estados Unidos. Antes que a transação fosse abortada por ser uma negociação ilegal de órgão, os lances já tinham chegado a US$ 5,7 milhões!

Desde o início das doações de órgãos nos anos 1960 (muito depois que o mítico deus grego Prometeu sacrificou seu fígado por ter entregue a dádiva do fogo à humanidade), os especialistas médicos e psicólogos têm suspeitado da saúde mental dos doadores. A pesquisadora canadense Antonia Henderson constata: “Essas pessoas simplesmente me deixam perplexa. Qual é o benefício psicológico obtido por uma pessoa perfeitamente saudável ao se comprometer fisicamente desse modo? Um transplante de pai para filho é fácil de entender, mas doar seu rim para alguém completamente estranho! Por favor, será que alguém pode me explicar essas pessoas?”.

Altruísmo – especialmente do tipo DAV – parece contradizer as teorias dos biólogos evolutivos, conhecidas por “benefício da troca” ou “altruísmo direcionado ao parentesco”. Segundo elas, o que parece ser uma generosa boa ação é meramente uma estratégia para fazer com que os outros o ajudem também. Ou uma forma de preservar os parentes, que carregam seus genes. Steven tenta explicar. “Não fiz nada de extraordinário. Eu só queria ser um instrumento disponível, agradecido por ser usado pelo Espírito.”
Os sintomas físicos do altruísmo foram recentemente mostrados num experimento feito pelo psicólogo Ulrich Mayr, na Universidade do Oregon, nos EUA, e publicado na revista Science. Saber que seu dinheiro vai para uma boa causa ativa os mesmos centros de prazer no cérebro que são estimulados por comida e sexo. Dezenove voluntários receberam US$ 100 cada um. Sua atividade cerebral foi rastreada quando eles viram o dinheiro sendo automaticamente transferido de suas contas para um fundo de caridade. Isso ativou uma antiga parte do cérebro – o núcleo acumbens – ligada ao prazer. O efeito foi ainda maior quando eles optaram por doar o dinheiro. “O que realmente interessa é que essas áreas de prazer existem para necessidades básicas, como alimento, sexo, doces e abrigo. São as áreas que dizem a nosso cérebro o que é bom para nós”, disse Mayr.

“O resultado mais surpreendente é que esses centros básicos de prazer não respondem apenas àquilo que é bom para nós mesmos. Eles também rastreiam o que é bom para outras pessoas.” E uma vez que ninguém – nem mesmo os pesquisadores – sabia quanto dos US$ 100 aqueles voluntários decidiram guardar consigo ou doar, foi o ato de doar em si, e não a recompensa egoísta de ser reconhecido como um filantropo, que proveu a satisfação. “O fato de acharmos prazeroso pagar até mesmo os impostos obrigatórios para o bem-estar dos outros sugere fortemente a existência de um puro altruísmo”, conclui Mayr. “O que demonstra que somos capazes de nos sentir bem ao fazer a nossa parte.”
Susan Andrews
Psicóloga e monja iogue. Autora do livro Stress a Seu Favor, ela coordena a ecovila Parque Ecológico Visão Futuro.

quarta-feira, 11 de julho de 2007

A mais antiga das galáxias


Utilizando um telescópio gigante, astrônomos disseram na terça-feira (dia 10 de Julho) que avistaram a mais distante e antiga galáxia já encontrada. A descoberta, que será apresentada à Royal Astronomical Society, ajudará a encontrar novas pistas sobre a origem do universo.

Gerada quando o universo tinha aproximadamente 500 milhões de anos, luz vista pelos pesquisadores está viajando pelo espaço há cerca de 13 bilhões de anos. Para encontrar a galáxia, uma equipe do Instituto de Tecnologia da Califórnia usou um telescópio gigante no Havaí.

-Estamos conhecendo de verdade as nossas origens - disse o astrônomo Richard Ellis, do Instituto de Tecnologia da Califórnia.
- Esses objetos que nós encontramos são os mais antigos que acreditamos terem sido detectados acrescentou.

Os cientistas puderam ampliar o alcance da observação apontando o telescópio para galáxias próximas que refletem a luz. O efeito que a luz emitida por corpos distantes assume ao passar por campos de gravidade de objetos próximos é baseado em uma das primeiras teorias de Einstein.

- Nós encontramos áreas do espaço que funcionam como poderosas lentes de ampliação. Alguns desses lugares aumentam o universo até 20 vezes - disse Ellis.

A descoberta oferece novas pistas sobre as origens do universo, que cientistas acreditam ter sido criado por uma explosão de energia - o chamado Big Bang. Segundo Ellis, durante os primeiros 300 mil anos o universo foi extremamente quente antes de entrar em um período escuro em que as estrelas ainda não haviam se formado. As novas observações podem esclarecer como as estrelas começaram a brilhar, disse o cientista.

Washington e Londres - Globo Online

terça-feira, 10 de julho de 2007

Icebergs podem ajudar a conter efeito estufa, dizem cientistas


Os icebergs do mar em volta da Antártida podem ajudar na absorção de gases causadores do efeito estufa, sugere um estudo publicado na revista Science Express.
Pesquisadores dizem que, na medida em que os icebergs derretem, eles liberam material rico em ferro. Isto estimula o desenvolvimento de ecossistemas marinhos que podem ajudar a remover dióxido de carbono da atmosfera.

Este desenvolvimento inclui o aumento de fitoplâncton, que atrai outras criaturas marinhas.
Os cientistas encontraram populações de aves, krill (um pequeno crustáceo, semelhante ao camarão), algas e peixes sobre e em volta dos icebergs.

Algas e krill, particularmente, ajudam a retirar o dióxido de carbono da atmosfera.
O chefe do estudo, Ken Smith, do Aquário do Instituto de Pesquisa da Baía de Monterey, na Califórnia, diz que o estudo é ainda preliminar, mas ele não duvida do impacto dos icebergs na concentração de CO2.

"Os pesquisadores estudaram dois grandes icebergs usando um veículo submarino por controle remoto. Eles puderam detectar um aumento na concentração de vida marinha e aves até 3 quilômetros em volta destas ilhas de gelo flutuantes", afirmou.

Nos últimos dez anos, o número de icebergs nas águas em volta da Antártida aumentou, na medida em que os blocos gigantescos de gelo se rompem da calota, por causa da elevação das temperaturas, diz o repórter da BBC, Matt McGrath.

Agora, o primeiro estudo detalhado do impacto ambiental destes icebergs diz que eles estão tendo um papel positivo na contenção do aquecimento global, apesar de estarem derretendo por causa do fenômeno.


BBC Brasil

sábado, 7 de julho de 2007

O Cristo Redentor é uma das novas Sete Maravilhas do Mundo


O Cristo Redentor acaba de ganhar seu posto entre as novas Sete Maravilhas do Mundo, anunciadas em Lisboa durante cerimônia oficial no estádio da Luz.
O símbolo do Rio de Janeiro, que acolhe a chegada de turistas do mundo todo à Cidade Maravilhosa, assume seu lugar na nova lista de Maravilhas do Mundo ao lado de seis outras obras: a Grande Muralha da China; a cidade helenística de Petra, na Jordânia; a cidade inca de Machu Picchu, no Peru; a pirâmide de Chichen Itzá, no México; o Coliseu, antiga arena de combates em Roma; e o túmulo do Taj Mahal, na Índia.
A lista representa os votos de mais de 100 milhões de pessoas. Inicialmente, qualquer local podia ser indicado como um das novas sete maravilhas.
No fim de 2005, a lista que contava com 200 monumentos foi reduzida aos 77 mais votados.
A partir daí, um grupo de arquitetos, sob a coordenação do ex-diretor geral da Unesco Federico Mayor Zaragoza, escolheu os 19 finalistas, com base nos critérios de beleza, complexidade, valor histórico, relevância cultural e significado arquitetônico.
Os votos definitivos passaram a ser computados a partir de janeiro deste ano. Na última contagem, divulgada há três semanas, o Cristo Redentor estava entre os dez mais votados – mas o número de votos de cada monumento não foi divulgado.
Os dois países que mais se envolveram na campanha foram o Brasil e a Índia. No Brasil, a campanha foi bancada pelo grupo Bradesco e incluiu mensagens de várias personalidades da política, do futebol e dos espetáculos, incluindo o presidente.

A cerimônia em Lisboa contou com a participação do ex-astronauta Neil Armstrong, primeiro homem a pisar na Lua, o ex-secretário-geral da ONU, Kofi Annan, a atriz e cantora Jennifer López e o primeiro-ministro português José Socrates, presidente em exercício da União Européia (UE). A apresentação do evento foi feita pelo ator britânico Ben Kingsley e pela atriz americana Hillary Swank. A superprodução deve ser retransmitida em mais de 170 países, com uma audiência estimada em 1,6 bilhão de espectadores. A primeira parte foi dedicada à proclamação das sete maravilhas de Portugal, que não tem nenhum lugar na competição mundial. A cerimônia não tem apoio unânime e a Unesco, órgão da ONU que se dedica ao patrimônio cultural mundial, decidiu não participar do evento.

Cheio de história
Embora o monumento tenha sido inaugurado em 12 de outubro de 1931, a construção do Cristo recua conceitualmente pelo menos até a metade do século 19, quando a Igreja Católica já planejava a construção de algo da mesma magnitude no Rio. Finalmente, em 1922, quando o Brasil comemorou cem anos como nação independente, foi lançada a pedra fundamental da estátua. As obras começaram para valer, porém, em 1926. O projeto foi do engenheiro Heitor da Silva Costa. Quem desenhou a estátua foi o artista plástico Carlos Oswald, e seu escultor foi o francês de origem polonesa Paul Landowski. A estátua, feita de pedra-sabão, é considerada patrimônio histórico desde 1937. No ano passado, o Cristo também foi declarado um santuário religioso.

Gustav Mahler - A busca pela harmonia do Universo

Singela homenagem ao grande compositor e maestro Gustav Mahler no seu 147º aniversário

"Donde viemos? Aonde é que nos leva o nosso caminho? Por que me é dado sentir que sou livre, enquanto que estou confinado, porém, dentro dos limites da minha personalidade, como numa prisão? Qual é o objetivo da labuta e do sofrimento? Será o sentido da vida revelado pela morte?" (Kennedy, Michael. Mahler, JZE, RJ, 1988:p.38)

Esta busca - e a certeza - de um mundo melhor, sempre esteve presente em Mahler, ainda que permeado por dúvidas e antagonismos típicos da era da incerteza que viva a Europa na virada do século. Um pouco de sua vida e sua obra - uma incessante e apaixonada busca pela Harmonia e por Deus - é contada aqui, através de um breve resumo biográfico.

A passagem do século XIX para o XX foi marcada por mudanças substanciais na cultura, ciências e artes da Europa. A era das vanguardas artísticas, que tornou as artes plásticas independentes da necessidade de representação fiel da natureza, abriu espaço para o cubismo com Picasso e o surrealismo com Dalí; o simbolismo na literatura tomou lugar da tradição romântica de descrições minuciosas e abriu espaço para metáforas poéticas, subjetivas; James Clerk Maxwell, Max Planck e Albert Einstein revolucionam a física com modelos de comportamento atômico que ultrapassavam a mecânica newtoniana, e o mundo conheceu a relatividade do espaço e do tempo; Sigmund Freud descobre a importância fundamental da psiquê em nossas vidas, o sutil limite entre o consciente e o inconsciente, inaugurando a psicologia como ciência; os irmãos Lumière inventam o cinema e George Eastman faz da fotografia uma arte popular; Gottlieb Daimler e Karl Benz inventam o automóvel.

Dentro de tão rico cenário, a música também gerou representantes destas profundas transformações de consciência, tendo como porta-voz o compositor austríaco Gustav Mahler (1860-1911), uma das personalidades mais marcantes e influentes do cenário musical europeu na virada do século.

Magro, baixo e atlético, Mahler foi durante sua vida um homem reservado e misterioso, de poucas palavras, mas de muita ação. Seus contemporâneos quase que não o conheciam como compositor, pois foi na atividade de maestro que adquiriu fama e fortuna; segundo dizem, um dos mais extraordinários regentes que a música já teve. Dono de uma enorme intuição estética e um profundo senso de conjunto, Mahler submetia os músicos da orquestra a longos e exaustivos ensaios, repetindo quantas vezes fossem necessárias as passagens que não satisfaziam seus altos padrões musicais, na intenção de extrair os melhores resultados na interpretação das obras. Seus esforços neste sentido - e que também lhe deram fama de ditador excêntrico e chato entre os músicos - renderam todas as glórias de sua vida.

Nasceu numa pequena aldeia na Bohêmia (hoje Áustria) chamada Kalischt, a 7 de julho de 1860, o segundo filho do casal Bernard Mahler e Marie Hermann. Seu irmão mais velho faleceu ainda criança e Gustav foi tido como primogênito. Cedo seu pai descobriu os dotes musicais de Gustav e incentivou-o assiduamente, trabalhando a duras penas para sustentar seus estudos, pois eram de família muito pobre e Bernard tinha sérios problemas com a bebida. Após a morte deste, Gustav sustentou toda a família de 6 irmãos e a mãe.

Após passar bons anos no conservatório estudando piano e composição, aos 20 anos de idade, Mahler decidiu tornar-se regente, começando num posto de maestro assistente em Hall, cidadezinha no norte da Áustria, em que regia pequenas comédias musicais e ainda varria o fosso da orquestra após cada apresentação. Mesmo com um repertório simples e aquém de sua capacidade, sua habilidade musical fez extrair magníficos resultados, que permitiu a ele pleitear postos melhores. Passou por Leipzig e Dresden, regendo óperas e concertos, sempre com a dedicação ao trabalho como ponto fundamental, o que suscitou a inveja de seus concorrentes.

Era um jovem assíduo, sério e dedicado, de enorme talento e profundamente comprometido com a música que tanto amava, e não foi difícil arrumar algumas brigas com administradores e regentes mais velhos que se sentiram ameaçados. Em 1888 foi indicado para a orquestra da Ópera de Budapest, uma casa tradicional mas que vivia seu pior momento financeiro, estando à beira da falência. Ao contrário do que seus detratores pensaram ao indicá-lo, ou seja, que ele afundaria com o teatro, Mahler em pouco tempo reorganizou a administração da casa, renovou o repertório e montou óperas inteiras de Wagner e Mozart com tamanho zelo, empenho e perfeição que se tornaram enorme sucesso, fazendo a casa dar lucro novamente. Sua fama começou a se espalhar pela Europa e já em 1891 estava emHamburgo, dirigindo a casa de ópera que antes pertencia ao lendário Hans von Bülow, que não poupou elogios a Mahler quando o ouviu reger pela primeira vez. Em 1892 passou por Londres a convite do Covent Garden para reger Wagner no Royal Opera House, e sua disciplina férrea incluiu estudos de inglês para conduzir a orquestra com mais segurança e desenvoltura. O sucesso foi imenso, o público gritava 'Mahler' e aplaudia incessantemente até ele aparecer no palco, repetindo a ação ao término de cada ato da ópera.

Mahler continuou sua carreira triunfal até o ponto culminante, o cargo musical mais cobiçado de toda a Europa: Maestro titular da Ópera Imperial de Viena. Mahler conquistou o posto em 1897, permanecendo nele por 10 anos e coroando sua carreira com o definitivo reconhecimento de seu meticuloso empenho em fazer a melhor música que podia. Pouco depois, em 1902, casou-se com Alma Schindler, descrita por vários biógrafos como 'a mulher mais bela de Viena'. Mas Mahler não estava satisfeito, apesar do sucesso profissional. Estava rico, bem casado, reconhecido internacionalmente, mas algo ainda o atormentava profundamente. Por que razão um músico tão completo, que havia triunfado na vida, alcançado o cargo mais importante que se podia almejar, insistia em passar todas as suas férias anuais - seu único tempo disponível - a escrever enormes sinfonias de expressividade ímpar, tão íntimas e ao mesmo tempo tão sólidas? Embora tivesse produzido muitas canções, algumas com acompanhamento ao piano e outras com orquestra, suas dez colossais sinfonias são a coluna dorsal de sua produção musical. Todas elas, apesar das enormes diferenças formais, formam um todo tão uno e coeso, que muito estudiosos se espantam com a capacidade de Mahler, sendo tão atarefado como regente, não deixar nunca outras obras interferirem em sua inspiração, preservando um estilo individual marcante e inconfundível. Obras de grande intensidade dramática, orquestração rica e linhas melódicas abundantes, que são a chave para o entendimento das idéias deste homem místico, solitário e melancólico. O próprio Mahler disse certa vez ao compositor Jean Sibelius: 'A Sinfonia é o mundo! A Sinfonia deve abranger tudo!' De fato, levando em conta a origem da palavra Sinfonia, que significa "soar em conjunto", podemos entender o quanto era caro a Mahler o sentido de transformar sons diversos em harmonia pura, organização musical das mais exigentes.


quinta-feira, 5 de julho de 2007

Tragédia do Sarriá completa 25 anos

Tinha 10 anos e morava em Madrid naquela época. Foi sem dúvida o meu "trauma" da infância. Ao menos guardo o gostinho de ter assistido ao vivo com meus pais em Sarriá, dias antes, à grande vitória do Brasil sobre a Argentina, por 3 a 1. E com um Maradona que acabou expulso. Inesquecível, rsrsrs... ;-)

Em 1982, Itália eliminava time dos sonhos.

Se você procurar pelo texto da Copa do Mundo de 1982 no site da Fifa, vai encontrar um título curioso, cuja primeira referência não é ao campeão: "Brasil brilha, mas Rossi ganha o ouro para a Itália". Fala-se primeiro da melhor seleção do campeonato, depois do personagem principal e, por último, da equipe que ficou com o troféu.

A derrota da melhor seleção para aquela que ficou com o troféu completa 25 anos nesta quinta-feira, 5 de julho. A partida, ainda hoje uma das mais vivas na memória esportiva brasileira, ficou conhecida como Tragédia do Sarriá, nome do estádio onde foi disputada.

O Sarriá não existe mais: foi demolido em 1997 para que o Espanyol, de Barcelona, vendesse o terreno e pudesse pagar suas dívidas. Mas a história permanece e é conhecida: precisando apenas de um empate para ir à semifinal, o Brasil perdeu por 3 a 2 para a Itália, com três gols de Paolo Rossi.

Os jogadores daquela seleção canarinho, que por muito tempo evitaram tocar no assunto, hoje parecem ter superado o episódio.

- Foi um privilégio participar de um grupo que representou tanto para o futebol mundial. Falo da Copa de 1982 com muito prazer, pois consegui muitas coisas na vida por causa dela. Ganhar ou perder é do jogo. Pode acontecer com todo mundo - comenta Júnior, lateral-esquerdo daquele time.

Carrasco na sala de Oscar

O ex-zagueiro Oscar também garante não ter problema em falar da Tragédia do Sarriá. E até guarda em casa uma recordação do carrasco do Brasil.

- Convivo muito bem com o que aconteceu. Até tenho uma foto do Paolo Rossi em minha sala. Aquele time deixou uma lembrança positiva. Fiquei algum tempo sem ver as imagens do jogo, mas agora vejo com alegria. Os times de 1970 e 1982 são os mais lembrados e isso me deixa feliz.

Como em todo fracasso mal digerido, a Tragédia do Sarriá suscitou teorias que explicavam a eliminação do Brasil. Uma delas era que os jogadores que atuavam no Rio de Janeiro não se davam bem com os de São Paulo, criando um racha no elenco.

- Essa coisa de ciúmes entre jogadores de São Paulo e Rio de Janeiro foi inventada. Meu amigo para sair era o Serginho Chulapa, por exemplo - conta Júnior.

A polêmica das placas publicitárias

A outra polêmica, inventada ou não, era de que alguns jogadores recebiam mil dólares para comemorar seus gols junto a uma placa publicitária. A acusação partiu de um dos integrantes daquela seleção, o zagueiro Edinho. Segundo ele, os favorecidos eram Serginho e Éder.

- Esse negócio de correr para as placas quando fazia gol nunca existiu. Estou procurando o dinheiro até agora. Aliás, estou precisando. Ninguém em uma Copa do Mundo vai marcar um gol e procurar placa - argumenta Éder.

Serginho também já deu entrevistas desmentindo a acusação. As teorias extracampo buscam explicar a frustração de um time que parecia perfeito. A Tragédia do Sarriá é usada até hoje como um exemplo do confronto entre o futebol arte e o futebol de resultado. Até chegar à segunda fase, o Brasil vencera seus três jogos, fazendo dez gols, enquanto a Itália empatara todos, marcando só dois.

Os primeiros gols de Paolo Rossi

Nos três jogos da primeira fase e na partida de estréia na segunda fase, contra a Argentina, Paolo Rossi não balançou a rede uma vez sequer. Foi contra o Brasil, marcando três gols, que o atacante com então 25 anos iniciou sua trajetória rumo à artilharia do Mundial.

Depois, fez os dois gols da vitória por 2 a 0 sobre a Polônia, na semifinal, e abriu o placar na decisão contra a Alemanha Ocidental, em que a Itália fez 3 a 1 no Santiago Bernabéu e sagrou-se campeã.

O curioso é que a escalação de Paolo Rossi fora muito criticada pela imprensa italiana durante a fase de preparação para a Copa e mesmo na Espanha.



Ficha da partida
ITÁLIA 3 x 2 BRASIL


Itália:
Zoff
Gentile
Cabrini
Collovati
(Bergomi)
Scirea
Tardelli
(Marini)
Antognoni
Oriali
Conti
Paolo Rossi
Graziani
Técnico: Enzo Bearzot

Brasil:
Waldir Peres
Leandro
Oscar
Luizinho
Júnior
Cerezo
Falcão
Zico
Serginho
(Paulo Isidoro)
Sócrates
Éder
Técnico: Telé Santana

Gols:
Paolo Rossi, aos 5 e aos 25
Sócrates, aos 12 minutos do primeiro tempo
Falcão, aos 23
e Paolo Rossi, aos 29 minutos do segundo tempo.

Cartões amarelos: Gentile e Oriali (Itália)
Árbitro: Abraham Klein (Israel)
Auxiliares: Thomson Chan Tam Sun(Hong Kong) e Bogdan Dotchev (Bulgária)
Data: 05/07/1982
Estádio: Sarriá, em Barcelona
Público total: 44.000

http://www.globoesporte.com/
 
Locations of visitors to this page