No dia 26 de julho de 1953, Fidel Castro Ruiz, à frente de uma centena de revolucionários, atacou o quartel do exército de Moncada, em Santiago de Cuba, dando início à legenda da revolução cubana. Já em 26 de julho de 2010, a cerimônia de comemoração desta data histórica foi tudo menos heroica. Não teve a presença de Fidel, nem sequer um discurso de seu sucessor, Raul, apenas uma mensagem cinzenta lida pelo vice-presidente. O feito romântico do ataque a Moncada, quase sessenta anos depois, desembocou na ruína que é Cuba hoje.
Raúl Castro não padece do imenso narcisismo de seu irmão Fidel e parece ter uma visão mais realista da situação dramática em que se encontra o país.
Desde que chegou ao poder, vem procurando de modo pragmático fazer pequenos ajustes que criem alguma descompressão.
Autorizou no início coisas incrivelmente proibidas — como o uso de computadores e celulares. Agora acaba de anunciar que será tolerada a propriedade privada de salões de beleza, padarias e cafés. Todas estas restrições podem soar absurdas para qualquer brasileiro, mas eram a prática do regime há várias décadas. Raúl Castro navega por águas tormentosas.
Deve ter o respaldo dos militares, que chefiou por décadas, mas talvez não tenha o dos membros do Partido Comunista e do enorme aparelho repressivo, que temem perder seu poder e seus privilégios. Por isso, provavelmente, Fidel reaparece para impedir mudanças significativas e limitar o espaço de manobra do irmão.
O regime cubano sempre foi bom na arte de criar válvulas de descompressão quando a tensão interna obrigava. A libertação dos prisioneiros políticos que a Igreja Católica conseguiu, coadjuvada pela diplomacia espanhola, foi mais uma iniciativa deste gênero com vistas, antes de mais nada, ao objetivo cubano de melhorar sua péssima imagem internacional e abrir uma cunha na rejeição da União Europeia. Agora, porém, a crise econômica cubana é de tal ordem — segundo todas as informações confiáveis — que é difícil de imaginar que apenas pequenas medidas paliativas bastem para evitar uma crise maior. Não creio, porém, que o domínio comunista esteja por ora ameaçado. Ao longo de muitos anos, foi construído um sistema ditatorial baseado na Policia de Seguridad, na denúncia dos comitês de bairros, em suma, na coação, no medo e na repressão mais brutal. Isto leva a uma situação que a maravilhosa Yoani Sanchez, blogueira independente de Havana (e proibida de sair de Cuba) descreveu assim em 19 de fevereiro de 2009: “Cada dia topo com alguém que se desiludiu e retirou seu apoio ao processo cubano. Alguns devolvem a carteira do Partido Comunista, emigram com suas filhas casadas para a Itália ou se concentram na ocupação plácida de cuidar dos netos e fazer a fila do pão.
Passam de delatar a conspirar, de vigiar a corromper-se... Toda esta conversão — lenta em alguns,vertiginosa em outros — percebo-a em volta de mim como se, ao sol da ilha, milhares de pessoas mudassem de pele. Mas esta metamorfose é só numa direção. Não encontrei ninguém — e olha que eu conheço muita gente — que tenha passado da descrença à lealdade, que começasse a confiar nos discursos depois de tê-los criticado por anos.” O fantasma vivo que é Fidel retorna temporariamente de seus embates com a doença e busca preservar o norte tradicional malgrado tudo. Cinquenta anos de fracasso não o convenceram a seguir o velho dito leopardiano de que é preciso que tudo mude para que tudo continue como é. Como os velhos reacionários franceses que sobreviveram à revolução de 1789, Fidel não esqueceu nem aprendeu nada, mantém-se comprometido com os métodos que levaram o reprimido povo cubano à exaustão, à fome, à desilusão total. Faço parte de uma geração que se empolgou com descida da Sierra Maestra e viu em Fidel e Che um sopro de ar fresco da corrupta política latino-americana. Depois, vieram o paredão em que tantos foram fuzilados, a opção pelo comunismo soviético de quem Cuba se tornou um mero instrumento na Guerra Fria e a resultante destruição de tantas ilusões. Como disse Martinho da Vila num dos mais belos sambas brasileiros: “Você não soube lutar pelo nosso amor... e ficou a dor neste nosso olhar.” O povo cubano, tão próximo de nós pela cultura afro-latina, pela miscigenação criativa, não merecia esta sorte triste.
O Globo
Foi embaixador em Paramaribo (Suriname), em Lisboa (Portugal), e em Genebra (OMC e outros organismos internacionais). Foi Secretário Geral do Itamaraty (1992-1993) e Ministro das Relações Exteriores no governo Fernando Henrique Cardoso entre 1995 e 2001.
Atualmente atua como professor associado de Relações Internacionais da ESPM-Rio.
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