sexta-feira, 31 de agosto de 2007

Segredos da técnica de pintura de Da Vinci

O artista renascentista Leonardo da Vinci evitava a palheta e misturava as cores diretamente na tela, disseram pesquisadores italianos após reconstruírem seu trabalho passo a passo, "como se o estivessem observando enquanto pintava".
Usando um equipamento científico para analisar a obra "Madonna dei Fusi", os pesquisadores da Universidade de Florença disseram que foi possível vislumbrar praticamente cada pincelada feita pelo artista na famosa tela a óleo.
Eles concluíram que, ao contrário de seus contemporâneos, Da Vinci não misturava as tintas na palheta, pois preferia aplicá-las em camadas diretamente sobre a tela, criando uma rica textura de cores sobrepostas.
"Que Leonardo usava a técnica da 'velatura' já se sabia, ele próprio escreveu isso num tratado, mas pela primeira vez conseguimos reconstruir sua obra passo a passo, como se o observássemos enquanto pintava", disse a pesquisadora Cecilia Frosinini.
"Conseguimos entender que tipo de materiais de pintura ele usou, quantas camadas de cores aplicou e em que espessura e sequência."
A pintura analisada pertence a uma coleção de Nova York, a chamada "Ex-Reford", uma das várias versões da mesma imagem atribuídas ao artista, segundo os pesquisadores.
Os especialistas usaram um equipamento chamado "acelerador nuclear", que lança partículas em alta velocidade, para decifrar a técnica de Da Vinci.
Autor de obras-primas como a "Mona Lisa" e a "A Última Ceia", Da Vinci é considerado um dos maiores pintores da história - e é também um dos mais imitados e copiados de todos os tempos.

Agência Reuters

Telescópio detecta formação de água em novo sistema planetário


Concepção artística do sistema planetário onde o telescópio espacial Spitzer localizou a formação de água -Divulgação/NASA

- Pela primeira vez, cientistas conseguiram observar como a água - elemento fundamental para a vida - começa a se formar nos planetas. A Nasa (agência espacial americana) informou nesta quinta-feira que o telescópio espacial Spitzer detectou num sistema planetário em formação uma quantidade de vapor d'água suficiente para encher cinco vezes os oceanos da Terra.
- Pela primeira vez estamos vendo como a água surge numa região onde provavelmente se formam planetas - disse Dan Watson, astrônomo da Universidade de Rochester e autor de um estudo sobre o sistema, identificado como NGC 1333-IRAS 4B e localizado a cerca de mil anos-luz da Terra.

Segundo astrônomos, o vapor vem de uma nuvem central do sistema e cai sobre um disco de poeira estelar, que seria o material da formação inicial dos planetas.

- Na Terra, a água chegou na forma de asteróides e cometas de gelo. A água também existe como gelo nas densas nuvens que formam as estrelas - disse Watson. - Agora vimos que a água, que cai na forma de gelo de um sistema estelar jovem, evapora para depois se congelar novamente e se transformar em asteróides e cometas.

Em julho deste ano, o Spitzer encontrou na atmosfera de um planeta gigante coberto por vapor a melhor prova de que existe água fora do sistema solar. Em artigo publicado na revista britânica Nature, os pesquisadores afirmam que o planeta identificado como HD 189733b dificilmente poderia abrigar organismos vivos, mas dizem que a descoberta estimula a busca por vida fora da Terra.
O Globo Online com agências internacionais

terça-feira, 28 de agosto de 2007

Privilégios, mimos e mordomias estatais

Em Haia, Holanda, pedalando entre uma reunião e outra, passamos, meu amigo holandês e eu, por um ciclista que falava ao celular. Meu amigo me informou então que se tratava do ministro da Justiça em pessoa, e comentou em seguida: “Isso é muito perigoso... Andar de bicicleta e falar ao celular. Ele deveria parar ou pelo menos reduzir a velocidade”. E, para minha estupefação, arrematou: “Qualquer criança aprende na escola que falar ao celular enquanto pedala é ainda mais perigoso que dirigindo um carro”.

Tentando me refazer do choque cultural, fiquei refletindo sobre o estranho senso comum daquele pequeno país que, apesar de ter um décimo da população do Brasil, tem um PIB encostado no nosso e uma lista de 17 agraciados com o Prêmio Nobel. Com meu senso comum de brasileiro, ponderei a meu amigo holandês que o verdadeiro perigo era uma autoridade de tal estatura se expor em público, daquela forma, em tempos de terror mundial. E, como argumento final, acrescentei vitorioso: “Eu mesmo posso acertá-lo daqui com uma pedrada”.
“Certamente você pode. Entretanto, é importante em nosso senso de democracia que nossos representantes eleitos sejam vistos como parte do cotidiano das pessoas comuns. Isso tem um sentido de manter nossos representantes conectados com seus concidadãos, e vice-versa.” Calei minha boca e fiquei refletindo sobre a democracia brasileira.

Em nosso país, ocorre uma perversão estrutural de nossa representação democrática que considero muito mais extensa e danosa que a corrupção: o sistemático descolamento de nossos representantes do cotidiano da sociedade. Falta um José Serra fazendo feira, ou um Aécio Neves no supermercado, como fazem seus colegas parlamentares israelenses, que se misturam aos cidadãos, mesmo vivendo em estado de guerra. Ou Cesar Maia andando de metrô, como faz seu colega bilionário e atual prefeito de Nova York, Michael Bloomberg. Já imaginou uma Marta Suplicy tomando ônibus como qualquer parlamentar britânico? Um Nelson Jobim registrando queixa de assalto numa delegacia comum? Sem chance. E se eles forem clientes de serviços públicos, como escolas e hospitais? Nem pensar.
Uma vez tendo ascendido ao olimpo chapa-branca, todos se transformam nos “doutores”, servidos por carros oficiais, motoristas, secretárias, seguranças e copeiros pagos pelo contribuinte. Um território blindado, cheio de mimos, mordomias e foros privilegiados, que os mantém isolados de nossas angústias e ansiedades de clientes do Estado.

O mais grave é que, mesmo nossos representantes egressos de setores populares, como o presidente Lula ou a ministra Marina Silva, não esboçam nenhuma tentativa de produzir uma ruptura do padrão dominante. Nossa ex-ministra, senadora e governadora do Rio de Janeiro Benedita da Silva fez campanha usando o slogan “Mulher, negra, pobre e favelada”. No entanto, todos eles, uma vez eleitos, se desmaterializam do espaço cotidiano dos simples mortais.

Semelhante desconexão da classe política do contexto cotidiano de seus concidadãos só encontra similar em países africanos e em alguns de nossos vizinhos latino-americanos. Essa síndrome de descolamento anticidadão afeta homens e mulheres que ocupam mais de 100 mil postos públicos pelo país, ou gravitam em torno deles. Isso está na raiz de nossos problemas como sociedade. Não é algo que se resolva com a melhora da distribuição de renda. Tampouco com aceleração de crescimento econômico. Mas não sou dos que acreditam que essa é nossa natureza. Que estamos condenados a ser assim. Um bom começo pode ser um movimento cívico pelo fim do foro privilegiado.
Ricardo Neves
Consultor de empresas
Revista Época, nº 484. (27-08-2007)

Uma tragédia que o futebol brasileiro conheceu de perto há três anos se repetiu nesta terça-feira na Espanha. O lateral-esquerdo do Sevilla Antonio Puerta, de 22 anos, morreu no hospital Virgen del Rocío em decorrência dos problemas cardíacos sofridos durante o jogo de sábado à noite, contra o Getafe, pela primeira rodada do Campeonato Espanhol. Um caso parecido com o do zagueiro Serginho, do São Caetano, que faleceu em outubro de 2004 pouco depois de sentir-se mal em campo, numa partida contra o São Paulo, pelo Brasileirão.

A diferença entre a morte de Puerta e a de Serginho é que, enquanto o jogador brasileiro resistiu pouco tempo após sofrer o mal súbito no gramado, o espanhol chegou a ser reanimado pelos médicos no campo. Mas seu estado se saúde piorou gradativamente durante sua internação no hospital de Sevilha.

- A evolução clínica do paciente é desfavorável pela progressão dos sinais de dano cerebral postanóxico, e pela disfunção multiorgânica causada pela parada cardíaca prolongada que motivo sua internação - dizia um trecho do comunicado médico divulgado na manhã desta terça (horário local), o último antes do falecimento do jogador.

Puerta sofreu uma parada cardíaca durante o jogo contra o Getafe, no Estádio Sanches Pizjuán, do Sevilla, e foi reanimado graças ao auxílio de um desfibrilador portátil - aparelho que só passou a ser item obrigatório nos estádios brasileiros após o caso Serginho. O jogador deixou o campo caminhando e foi levado imediamente ao hospital, mas no caminho sofreu outras cinco paradas cardiorrespiratórias.
Uma das jovens revelações do futebol espanhol, Puerta atuava na primeira divisão desde 2004, e defendeu a seleção espanhola sub-21 em diversas oportunidades. O lateral chegou a ser chamado para a seleção principal numa partida contra a Suécia, em outubro de 2006. Pelo Sevilla, viveu seu grande momento em abril do ano passado ao marcar o gol da vitória sobre o Schalke 04, na prorrogação, classificando o clube andaluz pela primeira vez à final da Copa da Uefa. O Sevilla conquistou o título - a primeira taça levantada pelo time em seis décadas - e iniciou uma nova fase em sua história: depois vieram outras quatro conquistas: uma Supercopa da Europa, uma Copa da Espanha, uma Supercopa da Espanha e outra Copa da Uefa . Por isso, a torcida passou a chamar aquele lance contra o Schalke 04 de 'o gol que mudou nossas vidas'.

Antonio Puerta será velado no estádio do Sevilla, e o sepultamento está marcado para quinta-feira. Dois jogos do clube foram adiados por causa da tragédia. Nesta terça, o Sevilla deveria enfrentar o AEK, da Grécia, pela fase preliminar da Liga dos Campeões da Europa, mas a partida será disputada na próxima segunda-feira. O jogo contra o Osasuna, pelo Campeonato Espanhol, que estava previsto para este dia, ainda não tem nova data marcada.
Agência EFE

Antonio Puerta

El Sevilla, España y el mundo del fútbol están de luto.
Hoy se nos ha ido un grande, Antonio Puerta.

Descanse en Paz.

Sonhos e pesadelos


ÉPOCA publica com exclusividade o primeiro capítulo do livro Sobre o Islã, que investiga as raízes do terrorismo e as afinidades entre muçulmanos, judeus e cristãos.
No dia 9 de novembro de 2001, Osama bin Laden e outros de seu grupo visitaram um religioso muçulmano recém-chegado a Kandahar, então o centro de poder do regime Talibã. O Afeganistão já vinha sendo bombardeado pelos americanos desde 7 de outubro, 26 dias depois dos atentados de 11 de setembro. Os próprios terroristas registraram o encontro numa fita de vídeo, que os americanos encontraram em Cabul logo depois de entrarem na cidade em 13 de novembro. A fita mostra todos numa sala sem móveis, sentados em cima de tapetes. O religioso e Bin Laden são tratados pela palavra árabe shaykh (xeque, em português), título atribuído a todos que têm alguma autoridade, seja política, seja espiritual. O xeque que estava sendo visitado explica que saíra clandestinamente da Arábia Saudita e que estava muito feliz por se encontrar num lugar limpo e confortável: “Eu achei que ficaríamos em cavernas nas montanhas”.

Ele então começa a elogiar Bin Laden pelos atentados às Torres Gêmeas e ao Pentágono. O clima é de confraternização, há alegria, risadas, com praticamente todos os diálogos entremeados de palavras de louvor a Deus. Dirigem muitos elogios aos “mártires” do 11 de setembro, pedem a Deus que eles sejam abençoados e que tenham a merecida recompensa no Paraíso. O xeque está especialmente feliz por uma outra razão: “Graças a Deus, eu soube que esse lugar aqui é também seguro”.
É assim mesmo: eles se rejubilam pelo martírio alheio, mas gostam de saber que o deles está distante. Conversa vai, conversa vem, e tem início uma espécie de torneio para saber quem conta a história mais sobrenatural em relação aos atentados de 11 de setembro. Parece uma disputa entre colegiais. Ou entre pescadores. Mas, na verdade, é uma conversa entre assassinos.
O primeiro a falar em premonição é o xeque saudita que recebe a visita de Bin Laden:

– Eu me lembro de uma visão do xeque Salih al-Shuaybi. Ele disse: “Haverá um grande estrondo e as pessoas irão às centenas ao Afeganistão”. De acordo com ele, os únicos que ficarão para trás são os mentalmente incapazes ou os hipócritas. Ele teve essa visão um ano atrás.

Bin Laden, de início, não se impressiona muito com o relato, até mesmo o ignora. Fala de outras coisas, pergunta qual a repercussão dos atentados na Arábia Saudita, nas mesquitas, nas ruas. E faz questão de dizer que tudo foi estudado com cuidado:

– Nós calculamos antes o número de vítimas com base na posição da torre. Nós calculamos que os andares atingidos seriam três ou quatro. Eu era o mais otimista de todos. Graças à minha experiência nesse campo, eu imaginei que o fogo produzido pela gasolina do avião iria derreter o aço da estrutura do prédio, e desabariam apenas a área contra a qual o avião se chocou e os andares acima. Isso foi tudo o que esperávamos.
Como todos sabemos, as duas torres desabaram integralmente: terrorista competente, mau engenheiro. Mas Bin Laden não se preocupa com o erro de cálculo. Pouco antes de relatar como tudo tinha sido estudado, ele já tinha comemorado o efeito de propaganda proporcionado pelo atentado. E exagera:

– As palavras foram entendidas por árabes e não-árabes, até mesmo pelos chineses. Superam tudo o que a mídia dizia. Alguns disseram que na Holanda, em um dos centros [islâmicos], o número de pessoas que aceitou o Islã nos dias que se seguiram às operações foi maior do que o número de pessoas que aceitou o Islã nos últimos 11 anos somados.
Logo, logo, porém, Bin Laden não resiste, entra na disputa pelo sobrenatural e começa a contar vantagem:

– Abu al-Hasan al-Masri me disse um ano atrás: “Eu vi num sonho. Nós estávamos jogando futebol contra os americanos. Quando nosso time entrou em campo, nós éramos todos pilotos!”. Ele me disse: “Então eu me perguntei se aquilo era um jogo de futebol ou um jogo de pilotos!”. Abu al-Hasan não sabia de nada sobre a operação até ouvir as notícias no rádio. Ele havia me contado que o jogo foi adiante e que nós derrotamos os americanos. O sonho foi um bom augúrio para nós.

O torneio agora começava para valer. Um homem, atrás da câmera, não se contém e entra na competição: “Abd al-Rahman al-Ghmanri me disse que teve uma visão, antes da operação: um avião se chocava contra um prédio muito alto. Ele não sabia nada sobre a operação”.
Outro terrorista, sentado ao lado de Bin Laden, sente-se desafiado e rebate com um sonho ainda mais revelador:

– Eu estava sentado com o xeque Bin Laden numa sala. Então, fui para outra sala, onde havia um aparelho de TV que estava transmitindo um grande evento. A cena mostrava uma família egípcia sentada na sala de estar. Eles explodiam de felicidade. Sabe quando tem uma partida de futebol e o seu time ganha? Pois é, era aquela mesma expressão de felicidade. Havia legendas na tela onde se lia: “Como vingança pelas crianças de Al-Aqsa, Osama bin Laden executa uma operação contra a América”. Então [no sonho] eu fui ao encontro do xeque Bin Laden, que estava numa sala com cinqüenta ou sessenta pessoas. Eu tentava dizer a ele o que eu tinha visto, mas ele me fazia um gesto com suas mãos, como quem diz: “Eu sei, eu sei”.
Al-Aqsa é a mesquita que fica em Jerusalém, a terceira mais venerada do Islã, e, ao mencioná-la, o terrorista quis se referir às crianças mortas na Intifada. Bin Laden, com um leve sorriso de orgulho, dá apoio ao seu amigo e fornece uma explicação sobre o sonho: “Muhammad Atta, de família egípcia, foi o responsável pelo grupo”.

O xeque que estava sendo visitado, diante de tantos relatos, deixa a timidez de lado e tenta ganhar o campeonato:

– Um avião batendo num prédio foi uma visão que muitas pessoas tiveram. Um homem muito religioso deixou tudo [na Arábia Saudita] e veio para cá. Antes, ele me disse: “Eu tive uma visão. Eu estava num avião enorme, comprido e largo. Estava carregando o avião nos meus ombros e eu andei da estrada ao deserto por meio quilômetro. Estava arrastando o avião”. Eu ouvi aquilo e rezei para que Deus o ajudasse. Outra pessoa me contou no ano passado o que tinha visto, mas eu não a entendi. Ela me falou: “Eu vi pessoas que partiam para o jihad e elas se davam conta de que estavam em Nova York, em Washington e Nova York”. Eu perguntei: “O que é isso?”. Ela me disse que o avião se chocava contra um prédio. Isso foi no ano passado! Eu não liguei muito para isso. Mas, quando os eventos aconteceram, ela veio para mim e disse: “Você viu? Isso é estranho!”. Eu tenho outro homem, meu Deus, ele me contou, e jurou por Deus que sua mulher tinha visto o incidente uma semana antes. Ela viu o avião batendo contra um prédio. Isso é inacreditável, meu Deus!

Talvez com a preocupação de afastar do xeque qualquer idéia de que as visões tenham sido motivadas por quebra de sigilo, Bin Laden rapidamente acrescenta:

– Os irmãos que conduziram as operações, tudo o que eles sabiam é que fariam uma operação de martírio. Nós pedimos que cada um deles fosse para a América, mas eles não sabiam de nada sobre a operação, nem sequer uma letra. Eles foram treinados e nós não contamos a eles sobre a operação até que estivessem lá, momentos antes de eles embarcarem nos aviões.

Outra voz na sala começa a revelar outro sonho, tido no mesmo período:

– Eu vi dois aviões vindo e eles causavam uma grande explosão. Tão grande que fiquei com medo de ver a cena. Quer dizer, eu sentia que havia alguma coisa. Então eu disse [no sonho] para o xeque Bin Laden: “Vamos embora”. Mas ele me disse: “Seja paciente”.

Nesse momento, o terrorista se emociona e faz um juramento, como que para provar que falava a verdade: “Em nome de Deus, o Clemente, o Misericordioso! O xeque me disse [no sonho]: ‘Seja paciente. Seja paciente, talvez outras coisas venham a acontecer’”.

Alguém quer saber se o sonho tinha sido antes de o primeiro avião se chocar, e é informado de que tinha sido antes de todos os acontecimentos. O terrorista prossegue: “Então, veio a operação...”.

Bin Laden o interrompe para que ele próprio dê o fecho à história: no dia da operação, estava com um grupo grande, do qual fazia parte o rapaz do sonho, quando, pelo rádio, veio a notícia do primeiro avião: “Eles festejaram muito o primeiro avião. Pensaram que aquilo seria tudo. Eu então disse a eles: ‘Sejam pacientes!’”.

Ao ouvir o desfecho, o xeque que está sendo visitado não resiste e diz: “Por Deus, isso é surpreendente. Por Deus, xeque!”. Bin Laden sorri orgulhoso, coça a cabeça, e continua ouvindo elogios derramados ao sucesso de sua empreitada. Ao todo, a fita tem pouco mais de vinte minutos.
Não, eles não são loucos. Eles têm um projeto político mundial bem definido e vêm seguindo meticulosamente seu plano há mais de uma década. Para mim, um brasileiro de origem árabe, ver a religião de meu pai e de meu avô materno (que morou em nossa casa a vida inteira) ser usada para matar multidões sempre foi um choque enorme. No vídeo, os terroristas estão relaxados e falam em Deus o tempo inteiro. Na minha infância, minha família nunca foi das mais religiosas, mas nunca vi meu pai ou meu avô se sentarem à mesa sem antes dirigirem em árabe, baixinho, algumas palavras a Deus (embora jamais tenham esperado de nós, crianças, que tivéssemos a mesma atitude). Eram as mesmas palavras que ouço, agora, no vídeo. É perturbador.

Como podem envolver Deus nisso? Que processo leva essas pessoas a criar, a partir de uma religião que se quer pacífica, um dos movimentos políticos mais violentos que o mundo já viu, uma das maiores ameaças ao nosso estilo de vida, às liberdades essenciais do ser humano? Quem são essas pessoas? O que elas pensam? O que de fato querem?

Para tentar responder a essas perguntas, percebi que, antes, seria necessário explicar ao leitor o que é o Islã para que, depois, ele pudesse entender de que forma o terror deturpa a sua mensagem. Quando comecei a escrever o livro, dei-me conta de que eu devia evitar o caminho de mostrar mais o que o Islã tem de exótico. Apostei em dar ênfase ao que é familiar, ao que é comum, ao que é semelhante. Conversando com amigos judeus, sempre noto como é grande o desconhecimento sobre o Islã: a maior parte nem sequer tem idéia de que Moisés é um profeta respeitadíssimo, um dos precursores mais importantes de Maomé. Conversando com amigos cristãos, o mesmo acontece em relação a Jesus, uma das figuras mais citadas no Alcorão, o livro sagrado dos muçulmanos. É como se o Islã habitasse um mundo totalmente alheio a nós, apesar de estar absolutamente inserido na tradição judaico-cristã e ser fruto dela. Por que três tradições que têm uma origem comum, e são tão próximas, se vêem tão distantes?

Eu acredito que minha história familiar me possibilita um olhar especial sobre as três religiões monoteístas. Meu pai, Ahmad, nasceu na Síria e é muçulmano, assim como Hamed, meu avô materno. Meu pai veio para o Brasil em 1950, fugindo da pobreza, e meu avô desembarcou aqui logo depois da Primeira Guerra Mundial, pelo mesmo motivo. Na Bahia, meu avô se casou com uma brasileira cristã, Maria José, e dessa união nasceram minha mãe, Zeny, e meu tio Luiz, educados no Cristianismo. Meu pai e minha mãe tiveram quatro filhos, Mamede, Leila, eu e minha irmã gêmea, Samira. Eu me casei com Patrícia, judia, de família praticante.

Quando criança, era comum ver minha bisavó, Maria, em nossa casa, conversando com minha mãe e minha avó e, para impaciência delas, falando muito em Nossa Senhora do Perpétuo Socorro. Ou no Menino Jesus de Praga, de quem era devota. Da mesma forma, meu avô e meu pai, como bons árabes, jamais falavam de planos futuros ou sucessos ou fracassos do presente sem se referirem, quase aos sussurros, a Deus, ora agradecendo, ora pedindo proteção. A partir do início da década de 1970, já bem idoso, meu avô passou a ouvir numa vitrola portátil o Alcorão, de manhã, de tarde e de noite. Minha avó, um pouco impaciente, não gostava muito, porque achava que a “ladainha”, como ela se referia à recitação melódica do Alcorão, poderia perturbar o resto da casa. Mas não permitia que ninguém tirasse do seu quarto um quadro com a imagem de Jesus. Meu avô tinha sempre à mão uma masbaha, um terço de 33 contas que é mais distração do que religião: na primeira rodada, a cada conta, deve-se repetir “Deus seja louvado”; na segunda rodada, “Graças a Deus”; na terceira, “Deus é grande”; e, ao fim das três rodadas, deve-se dizer, uma única vez: “Não há nenhum deus, senão Deus, e Maomé é o Seu profeta”. Pode-se repetir o processo infinitas vezes, para passar o tempo. Minha mãe, brasileira e cristã, nunca ia à missa, mas gostava de ter uma imagem de Cosme e Damião com uma lâmpada sempre acesa, talvez em gratidão pelos filhos gêmeos. E, quando voltava com meu pai de viagens freqüentes à Síria, trazia panos verdes que obtinha nos túmulos de imãs xiitas. Também guardava uma admiração grande por xeque Marmud, um religioso morto há alguns anos. Eu e meus irmãos estudamos em escolas católicas.
Quando casei, entrei em contato mais direto com a cultura judaica. Minha mulher, de ascendência polonesa, austríaca e húngara, é de uma família de judeus muito liberais, abertos, mas praticantes: procuram observar as principais datas, os pais dela, José e Dorothy, vão à sinagoga com certa freqüência e mantêm um grupo que estuda textos da religião semanalmente. Fui muito bem acolhido, e participo de todos os eventos, sempre que posso.

Esse caldeirão cultural do qual sou fruto me ajudou a ver onde as religiões se tocam e onde elas se afastam. O livro, porém, em nenhuma hipótese é de um devoto (de nenhuma das três religiões). Na primeira parte, para que essa perspectiva fique clara, eu abro o texto dizendo: “Era uma vez Deus”. Nas páginas seguintes, conto a saga de Deus tal como ela é narrada nos livros sagrados das três religiões: a Torá dos judeus (o Pentateuco do Antigo Testamento), os Evangelhos dos cristãos e o Alcorão dos muçulmanos, sem me importar com a “verdade histórica” de nenhum dos três. Na segunda parte, explico como nasceram as duas grandes divisões do Islã, sunitas e xiitas, e como o mapa do Oriente Médio tomou a forma que tem hoje. Na terceira parte, trato as questões que mais nos afligem no Ocidente: a violência no Islã, a misoginia, o apedrejamento de mulheres adúlteras e o uso do véu. Na quarta parte, discuto o conceito de fundamentalismo, atestando que seu uso é totalmente inadequado para definir os terroristas. Ainda nesta seção, analiso a origem do terror islâmico moderno, indicando onde e como seus principais teóricos adulteram a mensagem alcorânica. Na quinta parte, dedico-me a fazer uma retrospectiva da Guerra do Iraque, tentando entender o que a originou e discutindo o seu retumbante fracasso, até aqui.
Eu diria que essa foi a parte mais difícil. Em muitos momentos, fiquei tentado a abandoná-la. Eu me perguntava: será que vale a pena discutir a questão sem preconceitos quando quase todos já têm uma opinião cristalizada sobre o assunto? Não é um exercício inútil tentar enxergar nuances de cor onde, para a maioria, existem apenas o branco e o preto? Nadar contra a maré resultará em algo diferente da total incompreensão? No fim das contas, achei que não seria honesto comigo nem com os leitores escapar desse assunto. Afinal, não peço concordância, mas quero apenas externar um ponto de vista que não é certamente majoritário.

Estarei satisfeito se ao final do livro eu tiver conseguido alcançar dois objetivos. O primeiro, ressaltar que as três religiões monoteístas têm mais pontos em comum do que antes o leitor imaginava. O segundo, dar ao leitor ainda mais certeza de que nenhuma delas é base para o horror do terrorismo.

E uma última palavra: que os sonhos continuem sendo apenas a representação da realização dos nossos desejos.
Ali Kamel
Jornalista, é autor de Sobre o Islã – A Afinidade entre Muçulmanos, Judeus e Cristãos e as Origens do Terrorismo, lançado na semana passada
Revista Época, nº 484, 27 de agosto de 2007

quinta-feira, 23 de agosto de 2007

Cientista cria ilusão de ‘sair do corpo’

Henrik Ehrsson e um voluntário durante a pesquisa (Foto: Science)
Experiência é normalmente relatada por pessoas em perigo de vida. Pesquisador acredita que feito terá implicações na medicina e na indústria.

Com apenas uma câmera de vídeo e óculos especiais, um neurocientista sueco conseguiu reproduzir artificialmente a sensação de “se ver fora do corpo” -- experimentada por pessoas em situações de perigo extremo, como acidentes de carro ou ataques cardíacos -- em pessoas totalmente saudáveis.

A sensação de estar acordado e se ver de fora de seu próprio corpo é um dos mistérios mais polêmicos da humanidade. Essa experiência normalmente acontece no meio de cenas perigosas e ameaçadoras e por isso muitos acreditam que isso indique a existência de uma outra vida após a morte. Para os neurocientistas, mesmo após inúmeros estudos, suas bases continuam incertas.

“A existência das experiências fora do corpo levantou perguntas fundamentais sobre a relação entre a consciência humana e o corpo”, afirmou o pesquisador que realizou o feito, Henrik Ehrsson, do Instituto Karolinska, em Estocolmo, na Suécia.

Ehrsson colocou uma câmera filmando as costas de seus pacientes e depois os fez vestir óculos que mostravam as imagens da câmera. Ou seja, a pessoa enxergava as próprias costas, como se fosse alguém sentado atrás de si. Depois, o cientista tocava o peito do voluntário ao mesmo tempo em que fingia tocar uma região abaixo da câmera (veja foto), como se fosse o peito da pessoa de trás. A união da sensação tátil à imagem fez os participantes terem a impressão de que estavam fora de seu corpo. A experiência, de acordo eles, foi “bizarra”.

A sensação é tão real que o pesquisador decidiu levar o teste mais a fundo. Em vez de apenas tocar, Ehrsson fingiu que atingiria a pessoa virtual com um martelo. Os participantes imediatamente reagiram como se a ameaça fosse contra o corpo real.

“Essa ilusão é importante porque ela revela o princípio básico que produz a sensação de se estar fora de seu corpo físico. Isso representa um avanço signficativo, porque sentir o próprio corpo como o centro da consciência é um aspecto fundamental da auto-consciência”, explica o cientista. Para o neurocientista Peter Brugger, chefe da Neuropsicologia do Hospital Universitário de Zurique, na Suíça, os resultados são compatíveis com seus trabalhos na área. Brugger é um dos maiores especialistas do mundo no assunto e já identificou uma área do cérebro relacionada com esse tipo de sensação.

“Por mais de um século, as experiências fora do corpo são relatadas pela parapsicologia com detalhes entendiantes de tão repetitivos. Para mim não é uma surpresa que, apesar da preocupação antiga dos parapsicológos com o fenômeno, a tentativa de sucesso de reproduzi-lo em laboratório venha da psicologia e neurociência ‘normais’. Mais uma vez isso mostra que a parapsicologia é uma empreitada melhor definida como uma ‘busca pela alma’ do que como uma ciência empírica”.

No entanto, Brugger alerta que não foi a “experiência” de sair do corpo em si que Ehersson reproduziu, mas apenas uma ilusão. “Nenhum dos voluntários seriamente se considerou fora do próprio corpo. Todos eles falam ‘como se eu estivesse’, o que é bem diferente de quem passa por isso no cotidiano”, explica. “Novas pesquisas precisam ser feitas para investigar isso”.

Videogame extremo
Ehrsson afirma que seu feito não terá aplicações apenas na medicina, mas também na indústria. “Se pudermos projetar pessoas em um personagem virtual, para que elas sintam e respondam como se fossem mesmo uma versão virtual de si mesmas, imagine as implicações. A experiência de jogar videogames pode alcançar um outro nível, mas as coisas podem ir muito além. Por exemplo, um cirurgião poderá realizar cirurgias à distância, controlando um ‘eu’ virtual”.

G1

quarta-feira, 22 de agosto de 2007

Explora el firmamento con Google Earth

Google Earth cria telescópio virtual que exibe astros e galáxias

O diretor do Google Earth em Zurique, Samuel Widmann, apresenta o Sky, telescópio virtual que exibe astros e galáxias criado pelo Google Earth (Reuters)

- O popular serviço de mapeamento virtual Google Earth lançará um novo recurso chamado "Sky", um "telescópio virtual" que a maior empresa de buscas na internet lançou para transformar milhões de internautas em astrônomos amadores.

O Google, que criou o Google Earth para oferecer uma visão semelhante à que um satélite ou um astronauta teria da Terra, disse que o serviço seria um parque de diversões para quem quer aprender sobre o espaço.

- Nunca antes um guia de todo o firmamento esteve disponível de maneira tão ampla - disse a doutora Carol Christian, do Space Telescope Science Institute, que chefiou a equipe do Sky. - O Sky do Google Earth fomentará e promoverá uma nova compreensão do Universo ao levá-lo aos computadores de todas as pessoas - afirmou.

Assim como o Google Earth, que tem a capacidade de zoom até o nível de rua em alguns locais, o "Sky" permitirá que os usuários flutuem em torno e se aproximem por zoom de mais de 100 milhões de estrelas individuais e 200 milhões de galáxias. Os usuários verão o céu tal qual visto da Terra.

Uma seção de astronomia amadora permitirá que os usuários cliquem sobre estrelas, galáxias e nebulosas visíveis a olho nu e com binóculos e pequenos telescópios.

O serviço criou camadas diferentes que mostrarão a vida de uma estrela, constelações, imagens de alta resolução fornecidas pelo telescópio espacial Hubble e um guia de galáxias para os usuários. As imagens também foram montadas com material reunido entre diversas fontes externas, incluindo o Digital Sky Survey Consortium, o United Kingdom Astronomy Technology Centre e o Anglo-Australian Observatory. Elas serão atualizadas, com o tempo.

- Estamos entusiasmados por oferecer aos usuários imagens astronômicas ricas e conteúdo mais denso que permita às pessoas o aprendizado sobre o que estão vendo - afirmou Lior Ron, gerente de produto do Google, em comunicado. - Ao trabalhar com alguns dos mais conhecidos especialistas do setor, fomos capazes de transformar o Google Earth em um telescópio virtual - acrescentou.

O serviço Sky estará disponível em todos os domínios do Google Earth, em 13 idiomas, nesta quarta-feira. Os usuários terão de baixar a mais recente versão do Google Earth, em http://www.earth.google.com/

Agência Reuters

segunda-feira, 6 de agosto de 2007

Nasa flagra colisão monstruosa de galáxias

O aglomerado de galáxias, chamado apenas de "CL0958+4702" está a quase 5 bilhões de anos-luz da Terra. No detalhe é possível ver os quatro pontos de luz que são as quatro galáxias em colisão (Foto: Nasa)
O observatório espacial "Spitzer" da Nasa captou uma das maiores colisões cósmicas da história da astronomia. Segundo a agência espacial americana, o choque entre quatro galáxias espalhou bilhões de estrelas no cosmos.

De acordo com a Nasa, as quatro galáxias foram reduzidas a uma só, com uma massa dez vezes superior a da Via Láctea, onde está o sistema solar da Terra. Para o especialista Kenneth Rines, do Centro de Astrofísica Harvard-Smithsonian, as informações fornecidas pelo Spitzer são "a melhor evidência de que as galáxias do universo se formaram recentemente através de grandes fusões".
- A maioria das galáxias se funde em um choque, como si fossem automóveis compactos. Mas o que temos aqui é o choque de quatro caminhões carregados com areia que se dissemina por todas as partes - disse Rines.

A fusão das quatro galáxias foi descoberta acidentalmente pelo telescópio espacial, que explorava um conjunto situado a quase 5 milhões de anos luz da Terra. Os dados do Spitzer mostram que nessa fusão há muito pouco gás, ao contrário do que se vê em outras, disse Rines.
Agência EFE

Alexander Fleming - A Descoberta da Penicilina


Alexander Fleming nasceu no dia 6 de agosto de 1881, em Lochfield, na Escócia. Ele era filho de um fazendeiro, Hugh Fleming, e tinha sete irmãos. Fleming era um aluno brilhante e percebeu que seu país de origem oferecia oportunidades limitadas de carreira. Sendo assim, aos 13 anos, ele se mudou para Londres, onde freqüentou uma escola politécnica e trabalhou como office boy durante vários anos, antes de decidir se tornar um médico. Fleming então se matriculou na Escola de Medicina de St. Mary, que posteriormente tornou-se parte da Universidade de Londres. Seu desempenho na faculdade foi excelente, tendo recebido inúmeras honras em seus estudos de fisiologia e medicina.

Após graduar-se, Fleming tornou-se professor de bacteriologia na Universidade de Londres e assumiu um posto de pesquisa na Escola Médica do Hospital de St. Mary. Ele passava a maior parte de seu tempo no laboratório e conseguiu prosseguir com seus estudos durante a Primeira Guerra Mundial como membro do Corpo Médico do Exército Real. Perturbado com o alto índice de soldados mortos por ferimentos infeccionados, Fleming começou a questionar a efetividade do tratamento de tecidos doentes ou danificados com os anti-sépticos que estavam sendo usados. Numa série de testes brilhantes, demonstrou que os anti-sépticos mais prejudicavam do que ajudavam, já que matavam células do sistema imunológico, facilitando ainda mais o aumento da infecção.
Com o fim da guerra, Fleming voltou a St. Mary e continuou estudando bacteriologia. Seus principais objetivos eram identificar algumas substâncias que pudessem combater as bactérias sem danificar tecidos saudáveis ou enfraquecer os mecanismos de auto-defesa do corpo. Em 1921, ele obteve um progresso importante: descobriu que as lágrimas humanas e o muco nasal, assim como as claras de ovos, continham uma substância química semelhante que dissolvia algumas bactérias. Ele chamou este novo antibiótico de lisozima e publicou diversos artigos sobre sua efetividade. Contudo, a maioria dos cientistas não deu muita atenção para estas descobertas.

Fleming prosseguiu com suas pesquisas mesmo com a falta de entusiasmo atribuída à sua descoberta. Certo dia, em 1928, ele estava em seu laboratório checando algumas culturas de bactérias estafilococos. Uma cultura em particular chamou sua atenção: ela permaneceu descoberta acidentalmente por diversos dias, e havia sido contaminada por um esporo de fungo que penetrou através da única janela do laboratório. Fleming estava a ponto de lavar o prato quando percebeu algo muito incomum: na região ao redor do fungo, os estafilococos haviam desaparecido por completo. Nas outras partes do recipiente, porém, continuavam crescendo.

Fleming ficou intrigado – talvez tivesse chegado a uma maravilhosa descoberta. Ele imediatamente começou a produzir mais fungos para que pudesse confirmar sua descoberta acidental. Durante os oito meses seguintes, ele concluiu que o fungo continha uma substância poderosa, à qual deu o nome de “penicilina”, devido ao fungo Penicillium Chrysogenum notatum do qual as bactérias se originaram. A substância eliminava não apenas estafilococos, mas também inúmeras outras bactérias mortais. Após conduzir alguns testes, ele descobriu que a penicilina não era tóxica. No entanto, o fungo era extremamente difícil de ser cultivado em laboratório. Sendo assim, apenas pequenas quantidades da substância poderiam ser produzidas. Fleming precisava de grandes quantidades para conseguir tratar alguém que estivesse realmente doente e ainda demonstrar que era eficaz como antibiótico.
O final da década de 1930 fez irromper a Segunda Guerra Mundial. Cientistas perceberam que as vítimas e doenças resultantes exigiam quantidades ainda maiores da substância para o combate de infecções por ferimentos. Na Universidade de Oxford, no Reino Unido, um patologista australiano chamado Howard W. Florey pesquisou em antigos registros médicos por pistas sobre uma possível descoberta. Em 1938, ele leu um artigo de Fleming sobre a penicilina e foi visitar o escocês, que o entregou uma amostra que havia conservado em seu laboratório.

Florey começou a trabalhar com Ernest Chain, um químico que havia fugido da Alemanha nazista e juntos verificaram as observações de Fleming. Eles conseguiram produzir apenas uma pequena quantidade do fungo, não o suficiente para o tratamento de seres humanos. Ainda assim, testaram a substância em alguns ratos brancos que haviam sido infectados com os estafilococos e seus resultados foram positivos. Florey e Chain então concentraram todo seus esforços na produção de penicilina em quantidade suficiente para o tratamento de pessoas. Por volta de 1941, eles conseguiram documentar quase 200 casos no qual o uso da penicilina havia destruído infecções que poderiam ter sido fatais.

O próximo passo foi a produção da substância em grandes quantidades. Florey e Chain não conseguiram arrecadar fundos da Universidade de Oxford para pesquisas adicionais e então recorreram aos Estados Unidos, onde obtiveram apoio técnico e financeiro. No Laboratório Regional de Pesquisas do Norte, no estado de Illinois, cientistas britânicos e americanos descobriram um novo método de crescimento do fungo que produzia 200 vezes mais penicilina por litro que o antigo. Em meados da década de 1940, as fábricas inglesas e norte-americanas estavam produzindo bilhões de unidades de penicilina. Apesar da produção inicial ter sido reservada exclusivamente para militares, a penicilina tornou-se disponível para a população civil em 1944.
Fleming e Florey foram muito homenageados pela descoberta da penicilina. Em 1945, eles, juntamente com Chain, compartilharam o Prêmio Nobel de Medicina. Nenhum deles beneficiou-se financeiramente com a venda da substância. Na verdade, Alexander Fleming chegou a doar qualquer dinheiro que recebia para patrocinar futuros estudos médicos. Por ter sido o primeiro a descobrir a penicilina tornou-se uma celebridade internacional; porém, foi sempre muito modesto e admitia que outros cientistas haviam tido papel essencial na descoberta.

Apesar de sua crescente fama, Fleming continuou a conduzir o maior número de estudos possível em seu laboratório. Seus esforços científicos eram no intuito de descobrir a capacidade de combater bactérias por outros métodos. Até o fim de sua vida, ele conduziu suas próprias pesquisas.

Alexander Fleming morreu de ataque cardíaco em 11 de março de 1955, na cidade de Londres.

A descoberta de Alexander Fleming foi umas das mais importantes em toda a história humana. A penicilina não cura todas as infecções; na verdade, algumas pessoas podem ter até mesmo reações fatais. Contudo, a substância já curou milhões de infecções bacterianas incluindo a pneumonia, a sífilis, a difteria, o envenenamento sangüíneo e a gangrena, ou mesmo meningite, bronquite e infecções nos ossos. Um eminente médico britânico chamado Lorde Horder declarou, após a morte de Fleming, que a descoberta da penicilina “conferia um benefício incalculável para a humanidade”. A penicilina é o antibiótico mais usado no mundo.

sábado, 4 de agosto de 2007

É preciso dividir o islã para vencer

Conservadores e progressistas americanos estão unidos em um ponto: a ameaça do jihad global está crescendo. O Partido Republicano usa essa crença para lembrar os americanos de que vivemos em um mundo perigoso que precisa de líderes firmes. Para os democratas, o governo Bush falhou e precisa-se de uma nova equipe. A imprensa se junta ao refrão porque más notícias vendem. No meio do barulho, é difícil saber o que realmente está acontecendo. Nas duas décadas anteriores ao 11 de setembro o radicalismo islâmico floresceu enquanto a maioria dos governos o tratava como um incômodo menor. O 11 de setembro e as subseqüentes explosões em Bali, Casablanca, Riad, Madri e Londres forçaram os países a repensar sua atitude. A maioria dos governos se tornou muito mais ativa na perseguição a terroristas. O resultado é um inimigo mais fraco, embora mais descentralizado e amorfo.

Considerem-se os últimos meses. Em junho, na Indonésia, foram capturados o chefe e o líder militar do Jemaah Islamiah, grupo responsável pelas bombas em Bali em 2002. Em janeiro, soldados filipinos mataram Abu Sulaiman, líder do Abu Sayyaf. No Egito e na Arábia Saudita, bases originais da Al Qaeda, os terroristas ainda em liberdade estão incapacitados de ataques importantes. Os esforços dos ministros das finanças – especialmente do Departamento do Tesouro americano – tornaram a vida dos terroristas muito mais difícil. Organizações globais não prosperam sem movimentar dinheiro. Com os fundos localizados e congelados, os terroristas têm de se virar com operações pequenas e improvisadas.

No Iraque, a Al Qaeda se transformou num grupo sunita que passa a maior parte do tempo matando xiitas. Abu Mussab Al Zarqawi, líder da Al Qaeda no Iraque, numa carta de 2004 para Bin Laden, afirmava que “o perigo dos xiitas é maior que o dos americanos. A solução é atacar até que eles se submetam aos sunitas”. Se houve um debate entre ele e Bin Laden, Zarqawi venceu. A organização que esperava unir o islã contra o Ocidente foi arrastada a uma guerra suja interna.
Sunitas e xiitas formam apenas uma das divisões do mundo islâmico. Há persas e árabes, sul da Ásia e Oriente Médio e, mais importante, moderados e radicais. O choque entre Hamas e Fatah nos territórios palestinos é o sinal mais visível dessa última. Assim como a divisão do mundo comunista o deixou menos ameaçador, as variedades do islã enfraquecem-no. Os líderes ocidentais deveriam enfatizá-las.

O radicalismo islâmico é impopular. A maioria dos muçulmanos não quer uma teocracia. As pessoas no mundo muçulmano viajam para ver o luxo em Dubai, não as madrassas de Teerã. Metade dos países muçulmanos do mundo – cerca de 600 milhões de habitantes – tem eleições. Nos últimos cinco anos os partidos ligados ao radicalismo islâmico raramente ganharam mais que 7% ou 8% dos votos. As exceções são lugares sob guerra civil ou ocupação, como territórios palestinos e Líbano.

O perigo real é que as condições que alimentam a radicalização e a alienação de jovens muçulmanos não estão em declínio. Uma combinação tóxica de demografia, alienação e extremismo continua a seduzir um pequeno número de muçulmanos.

O Ocidente tem dificuldade em tratar das causas do jihad. Elas derivam do ritmo das mudanças no mundo moderno. A única solução é que os muçulmanos vejam a si mesmos como membros do mundo moderno, e não suas vítimas. Abrir e modernizar o mundo islâmico é uma tarefa longa, difícil e complexa. Uma das chaves é ser visto como parceiro e amigo, não como valentão ou inimigo. Essa é uma batalha que ainda não estamos vencendo.


FAREED ZAKARIA
Colunista e editor-chefe da edição internacional da revista Newsweek e escreve quinzenalmente em ÉPOCA
 
Locations of visitors to this page