O holandês Walter Lewin, 72 anos, é reconhecido no mundo acadêmico como um dos mais influentes físicos nucleares da atualidade. Entre algumas de suas contribuições à ciência, Lewin participou do desenvolvimento de uma tecnologia de raio X que permitiu enviar ao espaço os primeiros balões para mapear a superfície terrestre, no fim da década de 60. Ele é também professor de um dos cursos mais procurados pelos estudantes do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), nos Estados Unidos. Para vê-lo em ação – Lewin atraca-se a pêndulos e inunda salas de aula para demonstrar princípios da física – não é mais preciso ir tão longe nem desembolsar um centavo de dólar sequer. Suas aulas, devidamente filmadas, estão disponíveis na internet (veja os endereços virtuais). Às dúvidas sobre a matéria, ele responde por e-mail. O caso de Lewin ajuda a ilustrar um fenômeno bem maior. Hoje circulam na internet cursos de nível superior dados por outros 5.000 professores de 200 das melhores universidades do mundo, todos na íntegra e de graça. O número chama atenção: três anos atrás, não havia nenhum. Nessa nova modalidade de educação a distância, ninguém ganha diploma no final, mas qualquer um passa a ter livre acesso ao supra-sumo da produção acadêmica, daí sua relevância. Diz o professor Lewin, o campeão em visitas virtuais – 1 milhão, só no ano passado: "Como físico, nunca fui tão popular".
Nas últimas quatro décadas, especialistas do mundo todo se lançaram num infindável debate sobre as melhores formas de tornar o computador uma ferramenta útil ao aprendizado – e, nesse meio tempo, ele chegou às salas de aula e passou também a se prestar à educação formal a distância. Com a atual circulação na internet dos cursos oferecidos por universidades de tão alto padrão acadêmico, dá-se um passo adiante por duas razões. Primeiro, tais cursos contribuem para elevar o nível da própria rede, cuja qualidade das informações foi recentemente aferida por meio de uma pesquisa coordenada pelo professor Steve Carson, do MIT. Com base em uma amostra dos 5.000 sites mais acessados nos Estados Unidos, o estudo concluiu que apenas 10% deles divulgam dados com alguma espécie de embasamento científico. Do ponto de vista acadêmico, portanto, 90% das informações em circulação não interessam.
Outro aspecto positivo dos cursos em questão está justamente na sua informalidade. Eles constituem uma preciosa fonte de conhecimento para gente sem tempo, dinheiro ou mesmo ambição para engatar um curso tradicional. Em alguns casos, ajudam inclusive a lapidar o currículo. Para o analista de sistemas Marcos Paulo Serafim, 29 anos, assistir na internet às aulas do professor Richard Muller, da Universidade da Califórnia, em Berkeley, foi decisivo. Ele queria fazer uma especialização em matemática aplicada, mas lhe faltavam os rudimentos da física, um pré-requisito para a matrícula. Com uma rotina de trabalho puxada, concluiu o curso de Berkeley à noite, de sua casa, em Orlândia, no interior de São Paulo. E conseguiu, assim, ingressar na tal especialização. "Em toda a minha vida de estudante, nunca tive aulas tão boas", diz Serafim. O físico Richard Muller, por sua vez, aparece na lista dos dez professores mais populares na rede. Com seu curso, ele atraiu alunos de 79 países – e uma editora. Em abril, um livro baseado em suas aulas será lançado no mercado americano. Ele resume: "A internet está se prestando a um papel fundamental, o de despertar novo interesse para os assuntos da sala de aula".
Uma pesquisa da universidade americana de Yale, outra a aderir às aulas gratuitas na internet, traçou um detalhado perfil de quem chega ao final desses cursos. Há, basicamente, dois grupos. O primeiro, mais previsível, é composto de pessoas em busca de aprimoramento na educação formal. O outro grupo chama atenção por reunir gente sem nenhuma conexão direta com o tema das aulas. São sociólogos em cursos de química e matemáticos nos de arquitetura. O número surpreende: eles representam 75% dos novos estudantes na rede – e acompanham as aulas com o único propósito de "expandir os horizontes intelectuais". Essas pessoas, não há dúvida, têm suas expectativas plenamente atendidas com o acesso irrestrito a algumas das melhores aulas dadas hoje em universidades. Tais cursos, no entanto, não substituem os convencionais. Neles, os estudantes não participam de aulas práticas, tampouco têm contato direto com os professores – dois dos pressupostos básicos para uma boa educação formal. Para remediar isso, alguns dos professores se prontificam a responder a questões por e-mail, incluem no site a indicação de livros e exercícios e ainda promovem encontros on-line, como faz o professor de filosofia Hubert Dreyfus, também de Berkeley. "Para mim é uma surpresa o fato de tanta gente de formação tão distinta querer saber tudo sobre Platão e Aristóteles. Há muito tempo não me divertia tanto como professor."
Em comum, a primeira safra desses cursos on-line gratuitos não conta com nenhuma espécie de adaptação para a internet – as aulas aparecem na rede tal qual são apresentadas aos estudantes na universidade. Foram simplesmente filmadas. Professores como Dreyfus, de Berkeley, e Lewin, do MIT, contam que ensaiam um pouco em casa, e é só. As universidades costumam colocar na rede os cursos básicos de cada área. O objetivo é atrair mais gente. Para elas, oferecer aulas gratuitas na internet é também uma maneira de divulgar seus nomes, dentro e fora dos respectivos países. Funciona. No MIT, por exemplo, 20% dos novos estudantes dizem ter optado pela universidade depois de assistir a algumas das aulas virtuais gratuitas – e tê-las aprovado. Diante dessas e de outras evidências de sucesso da fórmula, o MIT já anunciou a duplicação do número de cursos on-line em vídeo em 2008. É uma tendência geral entre as demais universidades – e, certamente, uma ótima notícia para quem ambiciona aprender com os melhores do mundo.
Os cursos na rede
Cada universidade tem um site próprio, por meio do qual é possível assistir a milhares de aulas das mais diferentes áreas do conhecimento. Eis os endereços de cinco dos mais acessados:
Universidade Yale
http://open.yale.edu/courses
Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT)
http://ocw.mit.edu
Universidade da Califórnia, em Berkeley
http://webcast.berkeley.edu
Universidade Stanford
http://stanfordocw.org
Instituto de Tecnologia de Paris
http://graduateschool.paristech.org
Uma aula exemplar
Astro 160 na Universidade Yale com o professor Charles Bailyn
"Se os buracos negros não emitem luz, como podemos saber que eles estão mesmo lá?" Assim começa a aula do professor Bailyn que pode ser vista no endereço http://open.yale.edu/courses/astronomy/frontiers-and-controversies-in-astrophysics/sessions/lecture08.html.
É longa, mas vale a pena para quem entende bem inglês mesmo que tenha apenas conhecimento básico de astrofísica. O ritmo da aula é veloz, o único meio auxiliar é um retroprojetor, mas a lógica é tão cristalina que é possível acompanhar os ensinamentos. Bailyn explica que os buracos negros são invisíveis, mas entregam sua existência e posição pela interferência gravitacional que exercem sobre os outros corpos celestes a sua volta. Ele rabisca fórmulas já conhecidas e vai trocando as transparências até chegar ao ponto fulcral da aula, que, no caso, é a chamada "velocidade de escape", derivada da lei da gravidade de sir Isaac Newton. A aridez do tema é apenas aparente.
Bailyn explica que, para escaparem da gravidade, os foguetes, partindo da superfície, precisam acelerar até atingir certa velocidade, que varia, principalmente, em relação à massa dos planetas. Na Terra essa velocidade é de cerca de 11,2 quilômetros por segundo, em Marte, 5 quilômetros por segundo. Então, uma surpresa... A fórmula vale para qualquer objeto massivo, até para... o corpo humano. Ele faz então o que chama de "cálculo anti-Dia dos Namorados", ou seja, a velocidade necessária para escapar da atração gravitacional de um ser humano com 100 quilos de peso (100, para facilitar – o cálculo, claro, não o namoro). Essa velocidade é de 1 metro por hora. Observa ele: como as garotas e os garotos se movem bem mais rapidamente do que isso, está explicado por que os "seres humanos não ficam sempre grudados". Simples, lúdico, fácil de entender.
A aula caminha sempre entrecortada por comentários engraçados e pertinentes. Quando se dão conta, os alunos já aprenderam que os buracos negros não emitem luz porque são corpos de massa tão grande que neles a velocidade de escape é maior ou igual à velocidade da luz. Antes do final, uma informação histórica vital para entender o ciclo de nascimento, vida e morte das estrelas. Bailyn se refere aos cálculos do astrofísico indiano Subrahmanyan Chandrasekhar, que explicou por que os objetos 1,4 vez maiores do que nosso Sol, ao cabo de bilhões de anos, esgotam sua energia e desmoronam para dentro em um colapso final que os transforma em buracos negros. Os cálculos de Chandrasekhar contrariavam a teoria prevalente e, como não puderam ser refutados, provocaram um pesadelo. Seu mestre, um famoso e reputado astrônomo chamado Arthur Eddington, reagiu com desdém ao feito do pupilo indiano. "Não existe a menor possibilidade de isso estar certo. Deve existir alguma lei da natureza que impeça uma estrela de se comportar de maneira tão estúpida." Subrahmanyan Chandrasekhar estava certo e ganhou o Prêmio Nobel cinqüenta anos mais tarde. A aula de Bailyn termina e deixa os alunos com aquele gosto de quero mais.
Marcos Todeschini
VEJA - Edição 2048 - Fevereiro de 2008
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