terça-feira, 18 de março de 2008

A arte de embaralhar causas e efeitos

Nunca antes, numa crise internacional, a moeda brasileira ficou mais forte e o Brasil foi visto como um “porto seguro” para as aplicações financeiras. Essa podia ser uma das bravatas do nosso presidente: o real valendo mais que o dólar, forte como nunca, reflexo de uma economia de mercado em acelerado progresso e de um governo iluminado. Mas vamos deixar de lado o fato de que não é bem assim, como deve suspeitar o leitor, e refletir sobre uma questão filosófica mais transcendente, relativa à natureza das relações de causa e efeito no mundo da economia e da política.

Não creio que exista problema mais difícil na ciência econômica. Um helicóptero que despeja cédulas de R$ 100 em cima de uma grande capital “causará” um aumento no custo de vida na cidade? Ou vice-versa?

Antes de examinar esse e outros problemas da espécie, convém lembrar o preceito básico da lógica elementar, segundo o qual a causa vem antes do efeito. O observador atento deverá, portanto, sempre procurar acacianamente o que vem primeiro: o governo iluminado ou o progresso econômico. É claro que, na vida real, as coisas são mais complexas; nem sempre há clareza se o governo iluminado veio antes, ou muito antes, do progresso econômico. Na verdade, existem outras coisas que causam o progresso econômico e que o pesquisador pode não estar percebendo.

Pode ser que seja uma economia internacional em franca expansão, em face do surgimento da China, a causar o progresso econômico no Brasil. Nesse caso, seriam duas as causas do progresso brasileiro: o governo iluminado e a China. É possível que essas duas causas tenham pesos diferentes, ou mesmo que a China esteja causando a expansão da economia globalizada e o progresso no Brasil – e que o governo iluminado não tenha muita relevância nem para uma coisa nem para outra. É possível mesmo que o governo não seja iluminado e que o progresso no Brasil seja causado por fatores alheios a nós, e pertinentes à China e ao crescimento da economia internacional.

Mas o governo, que pode não ser nada iluminado, tem bons marqueteiros e entende perfeitamente as dúvidas que afligem os cientistas sociais e os eleitores quando se trata de identificar relações de causa e efeito. E, num rasgo de iluminação, lança o PAC, que consiste mais em deixar claro que quer o crescimento, do que propriamente em mecanismos que sabidamente causam o crescimento.

Como as pessoas sabem que as causas costumam vir antes dos efeitos, elas escutam que o governo deflagrou iniciativas para o crescimento, agrupadas pela enigmática sigla PAC. E, em seguida, são informadas que efetivamente está se observando algum crescimento. É de concluir que o PAC, ou o governo iluminado, produziu o crescimento? Ou foi a China?

Aqui entra uma mágica. Ninguém vai querer acreditar que o crescimento foi causado pela China por uma razão simples: a China está fora do controle do eleitor. É mais confortável supor que o PAC causou o crescimento, pois essa crença proporciona ao eleitor uma esperança. Ou uma ilusão, faz pouca diferença. Na verdade, é disso que trata essa ciência conhecida como “marketing”, o estudo de um público para fazê-lo enxergar uma coisa que, às vezes, não existe exatamente da forma como se vende.

Fidel Castro, por exemplo, é um milagre de “marketing”: um ditador que se aposenta com pensão completa, com algumas homenagens e sem que nenhum juiz espanhol venha lhe apoquentar, como foi o caso do general Pinochet. Fidel parece ter migrado para o mundo da ficção, onde vigora uma espécie de “suspensão da descrença”. Acreditamos no que não existe, não enxergamos as mazelas e os defeitos do líder, e o herói revolucionário se torna um mito que nenhuma acusação é capaz de atingir. O que são alguns cadáveres, ou algumas transações financeiras exóticas, no quarto ao lado?

Gustavo Franco é economista e professor da PUC-Rio. Foi presidente do Banco Central do Brasil.

www.gfranco.com.br.
gfranco@edglobo.com.br

Época, Ed. 510 - 25/02/2008

Um comentário:

Anônimo disse...

QUE LOUCURA, OSWALDO!! Caí no seu blog de para-quedas!!!
Seu blog é muito legal, Oswaldinho! Muito cultural!! :D

adorei essa surpresinha da madrugada, vou voltar aqui pra ler mais coisas...


beijos

Nat

(e o caldo verde, hein...?)

 
Locations of visitors to this page