sábado, 29 de março de 2008

Encontrada a suposta '1ª gravação de voz da história'

O historiador David Giovannoni exibe o fonoautograma de Edouard-Leon Scott, feito no século XIX (Foto: Isabelle Trocheris/The New York Times)

Por mais de um século, desde que ele gravou as palavras "Mary tinha um cordeirinho" numa folha de alumínio, Thomas Edison tem sido considerado o pai do som gravado. Mas pesquisadores afirmam que descobriram uma gravação da voz humana, feita por um francês pouco conhecido, que precede em quase duas décadas a invenção do fonógrafo por Edison.

A gravação de 10 segundos de uma cantora entoando "Au Clair de la Lune" foi descoberta no início deste mês num arquivo em Paris por um grupo de historiadores de áudio americanos.

Ela foi feita, segundo os pesquisadores, em 9 de abril de 1860, num fonoautógrafo, uma máquina criada para registrar sons visualmente, não para tocá-los. Mas as gravações do fonoautógrafo, ou fonoautogramas, foram tornadas "tocáveis", convertidas de rabiscos no papel para som – por cientistas do laboratório Nacional Lawrence Berkeley, em Berkeley, Califórnia.
"Esta é uma descoberta histórica, a mais antiga gravação de som conhecida", afirmou Samuel Brylawski, o ex chefe da divisão de som gravado da biblioteca do Congresso norte-americano, que não está ligado ao grupo de pesquisa mas que está familiarizado com as descobertas. A escavação de áudio poderia dar uma nova primazia aos fonoautógramo, antes considerado mera curiosidade, e a seu inventor, Edouard-Leon Scott de Martinville, um impressor e mecânico amador que morreu convicto de que sua inovação havia sido impropriamente atribuída a Edison.

Voz no papel

O aparelho de Scott tinha uma estrutura em forma de barril ligada a uma agulha, que extraía as ondas de som das folhas de papel escurecidas com fumaça de uma lâmpada a óleo. As gravações não tinham o propósito de serem ouvidas, já que o conceito de playback de áudio ainda não existia. Em vez disso, Scott buscava criar um registro em papel da fala humana que pudesse ser decifrado mais tarde.

Mas os cientistas de Lawrence Berkeley utilizaram imagens ópticas e uma "agulha virtual" em scans de alta resolução do fonoautógramo, empregando tecnologia moderna para extrair padrões inscritos no papel preto há quase um século e meio. Os cientistas pertencem a um grupo de colaboração informal chamado Primeiros Sons que também inclui historiadores de áudio e engenheiros de som.

David Giovannoni, um historiador de áudio norte-americano que liderou os esforços de pesquisa irá apresentar as descobertas e tocar as gravações em público na sexta-feira (28) na conferência anual das Coleções da Associação do Som Gravado na Universidade de Stanford, em Palo Alto, Califórnia. O fonoautógramo de Scott de 1860 foi feito 17 anos antes de Edison ter recebido uma patente pelo fonógrafo e 28 anos antes de Edison associar um trecho de um oratório de Handel a um cilindro de cera, uma gravação que até agora era considerada pela maioria dos especialistas como a mais antiga que ainda podia ser tocada.

A apresentação de Giovannoni na sexta exibirá descobertas adicionais de fonoautogramas de Scott encontradas em Paris, incluindo gravações feitas em 1853 e 1854. Aqueles primeiros experimentos incluem tentativas de capturar o som da voz humana e uma guitarra, mas a máquina de Scott estava calibrada de forma imperfeita na época.

"Nós conseguimos fazer com que os primeiros fonoautogramas grasnassem e só", afirmou Giovannoni. Mas o fonoautógramo de abril de 1860 é mais do que isso. Numa cópia digital da gravação fornecida ao The New York Times, uma vocalista anônima, presumivelmente mulher, pode ser ouvida com ruídos e chiados ao fundo. A voz, abafada porém audível, canta "'Au clair de la lune, Pierrot repondit', uma sinuosa melodia de 11 notas – uma canção fantasmagórica que parece emergir do lodo sonoro.

Em busca do Santo Graal

A caçada pelo Santo Graal do áudio foi iniciada no outono por Giovannoni e três associados: Patrick Feaster, um especialista em história do fonógrafo que dá aula na Universidade de Indiana e Richard Martin e Meagan Hennessy, proprietários da Archeophone Records, um selo especializado nas primeiras gravações da história. Eles já haviam colaborado antes no disco da Archeophone "Actionable Offenses", uma coletânea de gravações obscenas do século XIX que recebeu duas indicações ao Grammy. Quando Giovannoni levantou a hipótese de compilar uma antologia dos sons mais antigos já gravados, Feater sugeriu a busca dos fonoautogramas de Scott. Historiadores há muito tempo sabem da existência do trabalho de Scott, mas pesquisadores americanos acreditam que eles são os primeiros a fazer uma busca concentrada pelos fonoautogramas de Scott e os primeiros a tentar ouvi-los.

Em dezembro, Giovannoni e um pesquisador assistente viajaram até um escritório de patentes em Paris, o Institut National de la Propriete Industrielle. Lá eles encontraram gravações de 1857 a 1859 que foram incluídas por Scott na requisição de patente de seu fonoautógrafo. Giovannoni afirmou que trabalhou com a equipe do arquivo de lá para conseguir scans dessas gravações alta resolução digital e com qualidade de preservação.

Uma trilha de pistas, incluindo uma referência enigmática sobre gravações de Scott em depósitos de fonoautógramo na "Academia" levou os pesquisadores a outra instituição em Paris, a Academia Francesa de Ciências, onde muitas outras gravações de Scott foram guardadas. Giovanni afirmou que seu momento de "eureca" ocorreu quando ele viu um fonoautógramo de 1860, uma folha de pano meticulosamente preservada medindo 9 por 25 polegadas. "Ela estava intacta", afirmou Giovannoni. "As ondas sonoras estavam impecavelmente limpas e nítidas".

Seus scans foram enviados ao laboratório de Lawrence Berkeley, onde foram convertidos em sons pelos cientistas Carl Haber e Earl Cornell. Eles utilizaram uma tecnologia desenvolvida há muitos anos em colaboração com a biblioteca do Congresso, na qual "mapas" de alta resolução de gravações feitas com sulcos são tocadas num computador usando uma agulha digital. O fonoautógramo de 1860 de 1860 foi separado em 16 canais – um para cada onda de som – que Giovannoni, Feaster e Martin meticulosamente colaram de volta, fazendo ajustes para variações de velocidade das gravações produzidas à mão por Scott.

Pré-história do som

Os ouvintes agora devem ponderar se a esquisitice de ouvir uma gravação feita antes do conceito de reprodução de áudio ter sido sequer imaginado. "Há uma enorme lacuna epistemológica entre nós e Leon Scott, porque ele achou que a maneira de se chegar à essência do som é olhando para ele", afirmou Jonathan Sterne, professor da Universidade McGill, em Montreal, e autor de "O Passado Audível: origens Culturas da Reprodução de Som".


Scott é, de muitas maneiras, um herói pouco provável do som gravado. Nascido em Paris em 1817, ele era um homem de letras, não um cientista, que trabalhava com impressão e como bibliotecário. Ele publicou um livro sobre a história da taquigrafia e evidentemente via a gravação de som como uma extensão da estenografia. Nas memórias que ele mesmo publicou em 1877, ele foi contra Edison por este ter "se apropriado" de seus métodos e desconstruir o propósito da tecnologia de gravação. O objetivo, argumentou Scott, não era reprodução de som, mas "escrever a fala, que é o que a palavra fonógrafo significa".

Realmente, Edison chegou à sua conquista por conta própria. Não há provas de que ele tenha se beneficiado do conhecimento obtido pelo trabalho de Scott para criar o fonógrafo e ele permanece com a distinção de ter sido o primeiro a reproduzir som. "Edison não foi diminuído em nada pela descoberta", afirmou Giovannoni.

New York Times

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