O que o Serviço Secreto da Casa Branca, a diretoria do "Wall Street Journal" e embaixadores americanos na Europa têm em comum? Todos foram ciceroneados pelo complexo de Museus do Vaticano pelo guia Roy Doliner, um especialista em história romana e estudos judaicos. Estas áreas de saber casam-se no tour promovido pelo pesquisador. E a lua de mel fica por conta da Capela Sistina.
O quartel-general do catolicismo é repleto de profetas judeus e mensagens da Cabala. Goste-se ou não da tese de Doliner, o bafafá que provocou é uma boa oportunidade para revisitar um dos mais importantes símbolos da Igreja. Não que a missão seja das mais fáceis. Quem já entortou o pescoço para ver os afrescos de Michelangelo sabe que o passeio pode ser uma furada. Afinal, fica difícil admirar a pintura com o vaivém de turistas e a pressa dos guias.
Para dar o encanto merecido à visita, perguntamos a Doliner quando ir, o que levar e onde é melhor observar a obra renascentista. Antes de nos atermos a Michelangelo, vale a pena passar os olhos no currículo do entrevistado. Doliner é um dos pouquíssimos que pode se orgulhar por já ter ido à Sistina fora do horário de visitação. Várias vezes. E suas caminhadas pelo santuário renderam o livro "Os segredos da Capela Sistina" (Objetiva, R$ 59,90), escrito em parceria com o rabino Benjamin Blech e lançado aqui mês passado.
Lembre-se da primeira dica antes de comprar a passagem aérea: a baixa temporada, quando a capela está menos cheia, vai de outubro a meados de dezembro, e do meio de janeiro ao início de abril. São cinco meses com poucos grupos de excursão atravessando o Vaticano e mais atrações em conta, dentro e fora da cidade-estado.
Mesmo quem já está de malas prontas tem chances de fugir da multidão. O verão europeu pode não ser uma época propícia para explorar calmamente a Sistina, mas há horários em que é possível ter algum sossego. À tarde, a maioria dos grupos já passou, e a falta de ar-condicionado pode não ser tão incômoda.
Dentro do Vaticano, é grande a vontade de se juntar a um guia turístico - afinal, diante de tantas obras de arte, não custa ter alguém um pouco mais sabido por perto, não é mesmo? Doliner reprova o impulso: para o pesquisador, quem sucumbe aos passeios guiados costuma entrar em um belo programa de índio.
- Não acompanhe esses grupos, onde os guias só dedicam alguns minutos à Sistina - aconselha o pesquisador. - Também vale a pena ter cuidado com algumas agências que cobram preços absurdamente altos para explorar o Vaticano fora dos horários de abertura. A maioria promove um tour descuidado de uma hora e meia, que só passa por alguns salões, para depois visitar a capela. E você não tem garantia de que não vai dividi-la com duas mil pessoas que estavam em algum cruzeiro.
Decididamente, a Capela Sistina não foi feita para ser pisada por tanta gente ao mesmo tempo. Aliás, essa é a próxima dica de Doliner: ao entrar, vire também o pescoço para baixo. Poucas pessoas, diz ele, percebem o piso repleto de desenhos que lembram estrelas de Davi, símbolo do judaísmo. No século XV, quando ganhou o chão da capela, o grafismo não tinha a mesma representatividade de hoje, mas já era envolto em conhecimentos místicos - e, portanto, condenado pelos papas da época, afirma o autor. Nada, porém, que impedisse os artistas de escondê-lo em suas obras, segundo Doliner. Rafael colocou uma das estrelas em "A escola de Atenas", um de seus trabalhos mais famosos - hoje exposto numa das galerias que levam à Sistina.
O piso, ressalte-se, não é de Michelangelo. O florentino fez troça maior com seus mecenas já a partir do umbral da capela. Lá retratou o Papa Júlio II, que encomendou boa parte dos afrescos. E atrás dele, pintou dois pequenos anjos, um deles mostrando o dedo para a Vossa Santidade - que, diga-se de passagem, de bondoso tinha pouca coisa.
No teto, Doliner enxerga traços de rebeldia em todos os lados. Os inimigos de Michelangelo padecem no inferno do "Juízo final". Os personagens do Novo Testamento não dão as caras - em seu lugar estão profetas e sibilas judaicos.
- Há bancos disponíveis na lateral da capela, onde qualquer um pode sentar com binóculos e fazer sua própria caça aos tesouros - ressalta Doliner. - Leve uma cópia do livro com os segredos que você quer encontrar já marcados.
Resumindo as lições do escritor: a Sistina é melhor à tarde, na baixa temporada, longe de grandes grupos e com uma pesquisa prévia já pronta. Ande pelos cantos, leve binóculo, não se atenha ao teto. Fuja de quem tem pressa. Seguindo estas dicas, a visita à capela pode ser uma experiência etérea como aquela que teve o próprio Doliner, em suas explorações noturnas dos afrescos de Michelangelo:
- Estar na Sistina quando ela está fechada ao público o faz lembrar que aquilo é, de fato, um santuário. Não importa a sua religião, quando você entra e não precisa enfrentar o barulho ou a multidão, percebe a intenção de seus criadores de buscar uma conexão com o divino.
Renato Grandelle
http://oglobo.globo.com
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