Para dar um pouco de cor local da atmosfera política no Irã, na semana passada, cito um jovem camarada iraniano que me abastece com atualizações periódicas: “Eu fui ao último comício importante de Ahmadinejad e tive uma amostra do que eu imagino que o fascismo era. Um monte de garotos com espinha na cara que não conseguem arranjar uma namorada ganhou armas. Disseram-lhes que são especiais”.
É difícil melhorar isso, tanto como uma evocação da repressão sexual rançosa que está no cerne obsceno da “República Islâmica” quanto como uma descrição das forças de reserva que o paraestado iraniano pode usar se sentir-se minimamente ameaçado. Há uma razão teórica pela qual os eventos do mês passado no Irã (eu resolutamente me recuso a me referir a eles como eleições) foram um insulto toscamente encenado a todos os que tomaram parte nele e a quem o observou. Há uma razão prática. A razão teórica, embora menos dramática e excitante, é mais interessante e importante.
O Irã e seus cidadãos são considerados pela teocracia xiita como propriedade particular dos mulás ungidos. Essa ideia totalitária baseou-se originalmente numa peça de charlatanismo político promulgada pelo falecido aiatolá Ruhollah Khomeini, o velayat-e faqui. Nos termos desse édito, a população inteira é declarada uma tutela infantil do Estado de túnica negra. Assim, todo exercício de voto está, por definição, terminado antes de começar, porque o todo-poderoso Conselho Islâmico Guardião determina muito antes quem pode e quem não pode “concorrer”. Todos os jornais se referiram aos procedimentos subsequentes como uma eleição, com comícios, votação, contagem e todo o resto, o que é motivo de riso incontrolável entre os aiatolás. (“Eles caíram? Mas é fácil demais!”)
Em tese, a primeira escolha dos aiatolás pode não “vencer” realmente, e pode haver até divisões dentro do Conselho Guardião sobre quem é o mais bem nomeado. Mesmo sendo algo secundário, isso pode causar rancor. Afinal, sistemas corruptos estão sujeitos a fraude. Isso, como a hipocrisia, é o elogio que o vício faz à virtude. Com uma brutalidade inacreditável, então, os guardiães agiram para cortar redes de mensagens de texto e celulares que poderiam dar a impressão de jogo limpo e anunciaram que só uma forma de voto tinha a sanção divina.
Deixando de lado a evidência de fraude, há outra razão para duvidar que um fundamentalista analfabeto como Mahmoud Ahmadinejad pudesse aumentar até mesmo uma maioria num plebiscito patrocinado pelo Estado. Em todo o mundo islâmico, a tendência tem sido no sentido contrário. No Marrocos, em 2007, o badaladíssimo Partido da Justiça e Desenvolvimento acabou com 14% dos votos. Na Malásia e na Indonésia, as previsões de uma fatia maior para os partidos pró-Sharia foram igualmente desmentidas. No Iraque, as eleições locais puniram os partidos clericais que tornaram miserável a vida em cidades como Basra. No Kuwait, as forças radicais islâmicas foram mal, e quatro mulheres foram eleitas para o Parlamento de 50 membros. O Hezbollah, patrocinado pelo Irã, foi convincentemente derrotado no Líbano depois de uma eleição aberta e vigorosa. E, por tudo o que eu ouvi, se os palestinos fossem votar de novo, seria improvável que o Hamas surgisse como vencedor. Mesmo assim, uma claque religiosa senil foi capaz de aumentar sua “maioria” num Estado apodrecido onde ela controla a mídia e goza do monopólio da violência.
A menção das eleições libanesas me impele a comunicar o que vi num comício recente do Hezbollah no sul de Beirute, no Líbano. Num salão grande cujo destaque era a presença de uma delegação iraniana, o mais repugnante cartaz do partido pró-Irã exibido era um cogumelo atômico! Sob esse símbolo eloquente havia uma legenda que avisava os “Sionistas” sobre o que os aguarda. Às vezes esquecemos que o Irã ainda nega qualquer intenção de adquirir armas nucleares. Mesmo assim, Ahmadinejad saudou o lançamento de um míssil iraniano como uma contrapartida do sucesso do Irã com centrífugas nucleares, e o Hezbollah foi autorizado a concluir que os reatores iranianos podem ter aplicações não pacíficas. A manipulação pela qual os mulás controlam o Irã não pode mais ser considerada “assunto interno” deles. Fascismo em casa mais cedo ou mais tarde significa fascismo fora. Enfrente-o agora ou lute contra ele mais tarde. Enquanto isso, chame-o pelo nome correto.
Christopher Hitchens, escritor, colunista da revista Vanity Fair, autor e colaborador regular do New York Times e The New York Review of Books. Escreve quinzenalmente em ÉPOCA
Revista Época, nº 579, 06/2009
http://revistaepoca.globo.com
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