sábado, 29 de setembro de 2007

Joaquim Barbosa para presidente?

Um ex-faxineiro culto e negro substituiria, no Planalto, um ex-torneiro mecânico branco que não estudou
Esta não é uma campanha para eleger o ministro do Supremo Tribunal, Joaquim Barbosa, presidente do Brasil em 2010. O juiz que se tornou o símbolo do combate à corrupção e à impunidade teria primeiro de se filiar a um partido. Precisaria também desejar muito ser presidente da República. Teria de achar que serviria melhor ao país e à Justiça se renunciasse ao Supremo. Sabe-se apenas que Joaquim Barbosa foi eleitor de Lula, e que o PT não tem candidato à sucessão. Tudo isso não passa, claro, de especulação – uma heresia para os políticos profissionais encarapitados em suas mordomias e alianças em Brasília, à espera de uma brecha para subir ao pódio. Como assim? Um juiz para presidente? Seria uma piada, uma advertência ou a única saída? Colocar no Planalto, pelo voto, alguém com absoluta integridade, sem espírito corporativo nem vícios políticos e aparentemente sem chance de se deslumbrar com o poder. Um homem que, como nosso atual presidente, veio de baixo, mas domina vários idiomas, além do nosso, o português. O presidente do Supremo, mineiro discreto, informal e refinado, mistura gostos populares a clássicos e é um cidadão do mundo. Joaquim Barbosa dificilmente cometeria gafes em viagens presidenciais. O ministro joga muito bem como meia-atacante, mas é improvável que recorresse a comparações futebolísticas para explanar um raciocínio. Ninguém ouviria Joaquim Barbosa deblaterar contra a elite intelectual. Ele é parte dela. Fez doutorado na França e escreveu livro em francês, depois de estudar Direito nos Estados Unidos. Caso esse exercício de fantasia se tornasse verdade, um ex-faxineiro culto substituiria um ex-torneiro mecânico que não estudou. O Brasil fez história elegendo um operário para presidente. Com Joaquim Barbosa, teria seu primeiro presidente negro, que chegou aonde chegou sem o privilégio de nenhuma cota racial. O ministro costuma dizer: “Sempre tive um norte: preciso estudar”. Eis aí um recado bem claro de qual seria a prioridade de Joaquim Barbosa presidente.
Uma incógnita: como alguém que sempre trabalhou e estudou, que virava noites em busca de aprimoramento, conviveria com um Congresso que trabalha quatro dias por semana? Como um juiz tão rigoroso e cosmopolita enxergaria congressistas que se esmeram em ser provincianos e menosprezam o próprio mandato?

Ao absolver Renan Calheiros em tenebrosas transações, o Senado contribuiu para distanciar ainda mais a classe política da população. Mas há um lado positivo. Ao aumentar a desilusão do povo com seus governantes, o Senado, de maneira torta, reforçou a importância da eleição presidencial em 2010. Muitos eleitores expressam, em e-mails, o desejo de nunca mais votar em ninguém. Mas um número maior de eleitores vem dizendo, nas ruas, em festas, em jantares e em família, que só um homem tem hoje, no país, o estofo e a ética necessários para curar a ressaca cívica nacional: Joaquim Barbosa. Para 2010.
Ruth de Aquino - redatora-chefe de ÉPOCA
Época, 24/09/2007, nº488

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