segunda-feira, 26 de maio de 2008

A despedida de um ídolo que marcou o tênis brasileiro e mundial


O brasileiro Gustavo Kuerten deu adeus ao tênis profissional ao perder para o francês Paul-Henri Mathieu por 6/3, 6/4 e 6/2 na primeira rodada do torneio de Roland Garros, mas o resultado foi o que menos contou neste domingo, em que o tênis mundial perdeu uma de suas estrelas. - Para mim, foi incrível o que fiz aqui. Obrigado a todos - disse Guga, num francês bastante improvisado, após o jogo, diante das câmeras de televisão.

A ascenção do ídolo

Aos 31 anos, o catarinense deu adeus às quadras justamente no palco de sua ascensão meteórica, onde, em 1997, passou de virtual desconhecido, mesmo para os brasileiros, a campeão de um dos mais prestigiados torneios do Grand Slam, ao derrotar o espanhol Sergi Bruguera na decisão por 6/3, 6/4 e 6/2. Naquele ano, o brasileiro aparecia apenas como 66 do mundo, ainda jogando muitos torneios da série Challenger. Talvez isto tenha ajudado a surpreender adversários como o austríaco Thomas Muster e o russo Yevgeny. Kafelnikov, ambos ex-campeões de Roland Garros e que ficaram pelo caminho diante daquele "garoto". Guga chamou a atenção dos franceses (e de todo o mundo do tênis) tanto pelo uniforme colorido, pela simpatia e pelo jeito de surfista, como também pelo potente saque, os fortes golpes de fundo de quadra e a facilidade de jogar em pisos de terra batida. Em seus melhores anos, o brasileiro era praticamente imbatível no saibro.

Colecionador de títulos

Do torneio francês, o tenista passou a colecionar títulos nos quatro cantos do mundo. Em 2000, já como quinto do mundo, conquistou Roland Garros pela segunda vez. Passando novamente por Kafelnikov, desta vez a final foi diante do sueco Magnus Norman, então número três da ATP e seu rival naquela temporada. Em uma partida tensa, de quase quatro horas, o brasileiro venceu por 6/2, 6/3, 2/6 e 7/6(8/6), com direito a bola duvidosa marcada no 5 a 4 do quarto set para Guga - que quase colocou tudo a perder, pois ele teve dificuldade para se concentrar e fechar a partida num tie-break em que acabou com diversos match points. Apesar da frustração de não ter levado a medalha olímpica - caiu diante de Kafelnikov nas quartas em Sydney -, Guga esteve presente na campanha que levou o Brasil à semifinal da Copa Davis daquele ano, perdendo para a Austrália fora de casa.

A competição por equipes sempre foi uma das favoritas do catarinense, o que ajudou a difundir o prazer de torcer pelo tênis em todo o país. Fosse em simples ou duplas, na maioria das vezes ao lado do já aposentado Jaime Oncins, Guga fez com que a equipe brasileira ganhasse um respeito no Grupo Mundial da Davis, bem longe da situação atual.

Vitórias marcantes sobre lendas do tênis

O maior feito de Gustavo Kuerten em 2000 foi tornar-se o primeiro sul-americano a encerrar o ano como número um da ATP, onde se manteve por 44 semanas. E a competição que consagrou Guga como número um do circuito foi a Masters Cup de 2000, em Lisboa, Portugal. Ele ainda foi eleito o jogador do ano pela ATP e pela ITF, além da imprensa mundial.

Em apenas uma semana de competição na capital portuguesa, ele confirmou a todos que estava entre os melhores do tênis ao bater, num curto espaço de tempo, nomes como os americanos Pete Sampras e Andre Agassi e o russo Kafelnikov, isso jogando numa quadra rápida, que nunca foi sua superfície favorita. No ano seguinte, viria o terceiro título em Paris, agora na condição de cabeça-de-chave número um. E ele defendeu a conquista com maestria, superando o espanhol Alex Corretja na final por 6/7(3/7), 7/5, 6/2 e 6/0.

Além do torneio parisiense, Guga também escreveu seu nome nas galerias de vencedores dos três Masters Series em terra, em Monte Carlo, Roma e Hamburgo, completando o chamado "Grand Slam do saibro". Ao longo de toda a carreira, foram 20 títulos de simples e oito de duplas. Porém, depois das conquistas viriam as lesões. Sofrendo de dores no quadril direito, Guga foi operado pela primeira vez em 2002 e teve recuperação demorada, mas nunca voltou a ser o mesmo. A conquista do torneio de Auckland, no início de 2003, e o Brasil Open do ano seguinte, sua última na ATP, seriam alguns dos últimos bons momentos do jogador, que a partir daí teve como adversário as constantes contusões.

Turnê de despedida em solos brasileiros e internacionais

No início de 2008, Guga anunciou que deixaria o tênis, reconhecendo não ter mais chances de competir de igual para igual no circuito profissional. Para se despedir do circuito profissional, ele jogou cinco torneios, sempre recebendo convite - sua posição no Ranking de Entradas já era insuficiente -, e teve a oportunidade de atuar em alguns locais que foram especiais para sua carreira. Em fevereiro, Kuerten jogou o Brasil Open, na Costa do Sauípe, e foi eliminado na primeira rodada, perdendo para o argentino Carlos Berlocq por 7/5 e 6/1. Nas duplas, ele e o juvenil André Baran perderam para os italianos Filippo Volandri e Fabio Fognini por um duplo 6/3. - Não é que eu não queira realmente deixar de jogar. Peço desculpas, mas é que realmente não consigo mais - lamentou Guga após perder na estréia de simples na Costa do Sauípe. No mês de março, ele saiu na estréia do Masters Series de Miami ao perder para o francês Sebastien Grosjean por 6/1 e 7/5. Mas foi nesta competição que ele conseguiu sua primeira vitória no circuito profissional em 13 meses. Ao lado do equatoriano Nicolas Lapentti, ele derrotou os espanhóis Feliciano López e Fernando Verdasco por 7/6(7/4) e 6/2. Porém, a dupla acabou derrotada pelo sueco Simon Aspelin e o austríaco Julian Knowle, cabeças-de-chave número cinco, por 6-0 e 6-3, nas oitavas.

Em seguida veio o Challenger de Florianópolis, sua cidade natal, onde conquistou sua última vitória em simples, diante do colombiano Carlos Salamanca, por duplo 6/4. Mas ele não resistiu ao gaúcho Franco Ferreiro na partida seguinte, caindo por 7/5 e 7/6(7/2). Ausente dos torneios de Roma e Hamburgo por não ter conseguido convite, Kuerten disputou o Masters de Monte Carlo. Mais uma derrota, para o croata Ivan Ljubicic, por 6-1 e 6-2, acompanhada de uma lesão no músculo adutor da perna esquerda que o tiraria da disputa em Barcelona, onde conseguiu convite. Machucado, ele resolveu chegar mais cedo e treinar pela última vez nas quadras de Roland Garros, vivendo um pouco mais o clima que tanto o consagrou e do qual se despediu hoje.

Nascido em Florianópolis, capital de Santa Catarina, em 10 de setembro de 1976, Kuerten começou cedo no esporte. Seu pai, Aldo - tenista amador e colaborador em campeonatos como juiz de cadeira - teve grande influência no gosto do filho pelos esportes, e fez com que Gustavo começasse a praticar a modalidade ainda aos seis anos.

A superação de um ídolo

Em 24 de maio de 1985, veio a grande tragédia da família: seu Aldo sofreu um ataque cardíaco enquanto apitava uma partida de juniores em Curitiba e morreu aos 41 anos. Guga ainda tirou forças de outro grande exemplo na família: o irmão mais novo, Guilherme, que devido a problemas no parto, nasceu com paralisia cerebral e microcefalia, danos cerebrais irreversíveis, sendo portador de graves deficiências físicas e mentais. Após anos de luta, Guilherme morreu no fim do ano passado, vítima de uma parada cardiorrespiratória. O exemplo do irmão o inspirou em projetos beneficentes. Em 1998, foi o presidente das ações de caridade da ATP. Durante o período, criou um programa junto à Associação de Pais e Amigos do Excepcional (Apae), para o qual doou US$ 200 em cada jogo que disputou no circuito, de simples e duplas. Em 2001, a dedicação à causa valeu ao tenista o prêmio de juventude e civilização da Unesco. Dois anos depois, recebeu o "Arthur Ashe Humanitarian Award", da ATP, por suas ações realizadas fora da quadra.

A importância de Larri Passos

Aos 14 anos, Gustavo Kuerten conheceu o técnico Larri Passos, responsável pelo reconhecimento do talento do catarinense, que convenceu o adolescente Guga e a família deste de que o jovem reunia todas as condições de se tornar um grande esportista. O treinador acompanharia Guga por 15 anos, estando ao seu lado nas principais conquistas. Após algum tempo separado, ele retornou para os últimos momentos da carreira do tenista. - Sou o sujeito mais feliz do mundo por estar aqui. Vocês são minha paixão e minha vida. Obrigado - afirmou, ainda em quadra.Gustavo Kuerten ainda sonhava com a disputa dos Jogos Olímpicos de Pequim, mas tem poucas chances de competir. De todo modo, a Philippe Chatrier - principal quadra de Roland Garros - foi o palco perfeito para o adeus definitivo do catarinense, considerado o maior tenista masculino brasileiro de todos os tempos.


Títulos de simples:

1997 - Roland Garros (FRA)1998 - Stuttgart outdoor (ALE) e Mallorca (ESP)
1999 - Masters Series de Monte Carlo (MCO), Masters Series de Roma (ITA)
2000 - Santiago (CHI), Masters Series de Hamburgo (ALE), Roland Garros (FRA), Indianapolis (EUA) e Masters Cup (Lisboa - POR)
2001 - Buenos Aires (ARG), Acapulco (MEX), Masters Series de Monte Carlo (MCO), Roland Garros (FRA), Stuttgart (ALE) e Masters Series de Cincinnati (EUA)
2002 - Brasil Open (BRA)
2003 - Auckland (NZL) e São Petersburgo (RUS)
2004 - Brasil Open (BRA)

Títulos em duplas:

1996 - Santiago, com Fernando Meligeni (BRA)
1997 - Estoril (POR), Bolonha (ITA) e Stuttgart outdoor (ALE),todos com Fernando Meligeni (BRA)
1998 - Gstaad (SUI), com Fernando Meligeni (BRA)
1999 - Adelaide (AUS), com Nicolas Lapentti (EQU)
2000 - Santiago (CHI), com Antonio Prieto (BRA)
2001 - Acapulco (MEX), com Donald Johnson (EUA)


Das agências de notícias em Paris

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