sábado, 24 de maio de 2008

O cérebro zen


É o tipo de coisa que você tem experimentar por si mesmo, pois é difícil descrever a sensação: passar algumas horas no tablado do templo Ryonji (dragão em paz), em Kyoto, no Japão, contemplando o jardim de pedras. Já até imagino o comentário de alguns: pôxa, mas não tinha nada melhor pra fazer?

O jardim do templo Ryonji é patrimônio mundial declarado pela Unesco e desafia a imaginação de milhares de visitantes todo ano com sua composição abstrata de 15 rochas, espalhadas num retângulo vazio composto por pequenas pedras brancas. Nada de flores, sem fontes e sem árvores. O vazio chama mais a atenção do que o conteúdo.

O templo foi construído por volta de 1450 e parece ter sido reservado para a meditação budista. A construção aconteceu durante um período de revolução nas artes visuais no Japão, na era Muromachi (1333-1573). Ninguém conhece o artista responsável pelo jardim, nem qualquer explicação foi deixada a respeito da disposição das rochas. As pedras de diferentes tamanhos estão dividas em 5 grupos dispersos e, não importa o ângulo do observador, só é possível a visualização de 14 das 15 rochas. Diz a lenda que você só conseguirá observar todas ao mesmo tempo quando atingir o nirvana, a iluminação espiritual decorrente da meditação zen…

Acredita-se que as rochas podem ser simbólicas, representando, por exemplo, uma tigresa atravessando um rio com suas crias. O fato de uma rocha sempre ficar oculta representaria a proteção de um dos filhotes em caso de perigo, garantindo a sobrevivência dos descendentes. Essa seria a verdade oculta ou absoluta, também descrita pelo psicanalista Wilfred Bion como “O”. Segundo Bion, essa verdade “O” seria o caminho para a alucinação consciente ou iluminação. Volto para Bion e o papo-cabeça em breve.

Serenidade

Mas o que intriga os visitantes é a serenidade proporcionada pelo local. Parece que o jardim quer transmitir algo através da aparente distribuição aleatória das rochas no espaço. Em 2002, pesquisadores publicaram na renomada revista científica “Nature” uma possível explicação para o mistério do jardim de Ryonji. O segredo: uma mensagem subliminar escondida na disposição das rochas (Tonder, Lyons e Ejima, 2002).

Os pesquisadores examinaram a estrutura espacial do jardim usando uma metodologia chamada “transformação médio-axial”, muito usada em processamento de imagens e estudos biológicos da visão. O conceito é simples: imagine-se dentro de um carro em movimento num dia de chuva. As gotas nas janelas começam a se mover e vão se agrupando umas com as outras. Chamamos de médio-axiais os pontos de encontro desses caminhos imaginários formados pelo movimento das gotas. Encontrar contornos de objetos em nuvens é uma conseqüência desse processo. Sabe-se que os humanos, inconscientemente, possuem um sensibilidade visual à simetria axial quando expostos a estímulos de formas diversas.

Ao aplicar esse tipo de análise ao jardim, o grupo revelou a imagem de uma árvore oculta, com o tronco posicionado no tablado e os galhos se abrindo simetricamente em direção aos grupos de rochas. Ao impor uma disposição aleatória nas rochas a imagem é perdida, em apoio à idéia de que a disposição original não foi acidental. O artigo sugere que a sensação de bem estar causada pela contemplação do jardim foi projetada com base na física do olho e no inconsciente humano.

Padrões naturais?

Confesso que quando li o artigo não fiquei muito convencido. Pra mim, a beleza do jardim estava simplesmente na sua composição minimalista. Porém, existe uma série de estudos em neurociência demonstrando a capacidade humana de reconhecer padrões naturais em pinturas abstratas. Isso parece acontecer de forma inconsciente e independente de fatores culturais. A percepção de cenários naturais e associação a elementos de natureza orgânica (vegetal e animal) ou inorgânica (geológica ou meteorológica) requer uma capacidade de compreensão altamente intuitiva. Existiria então um código ou uma linguagem comum (o inconsciente coletivo) aos humanos, explorada por artistas abstratos?

Às vezes acho que esse pensamento ou memória comum da espécie humana é a mesma coisa que Bion chamou de verdade universal e outros chamaram de telepatia. Isso poderia explicar o fato de diversas idéias surgirem em diferentes cantos do mundo ao mesmo tempo, de forma independente.

De fato, alguns trabalhos de física teórica como a conexão quântica (também conhecida como conexão de Einstein) prevêem algo semelhante. O fenômeno ajudaria na sobrevivência da espécie, uma vez que garantiria que a humanidade não perdesse uma nova idéia, além de estar sincronizada pra receber um novo conceito. Para que isso tenha sido selecionado evolutivamente, teríamos de encontrar pistas conservadas no genoma.

O problema dessa idéia é que ela é difícil de testar, pois teríamos que encontrar os fatores responsáveis e entender como atuam no sistema nervoso. Difícil não é impossível, e no futuro teremos tecnologia para isso. Supondo que essa memória ou verdade universal realmente exista, será que conseguiríamos nos organizar como espécie para tirar proveito disso, ou seria esse nosso fim?

Alysson Muotri

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