Heitor Villa-Lobos nasceu no dia 5 de março de 1887, no Rio de Janeiro. Era filho de Noêmia e Raul Villa-Lobos. O pai, músico amador e funcionário da Biblioteca Nacional, organizava na casa da família animados encontros musicais, onde celebridades da época tocavam até altas horas da noite. E foi Raul que iniciou o filho em teorial musical e, principalmente, no violoncelo, adaptou uma viola para que Heitor, com seis anos, pudesse praticar, já que violoncelos são grandes para crianças.
A família mudava constantemente, e partiu do Rio de Janeiro para cidades do interior do estado e Minas Gerais. Lá, o pequeno conheceu uma música diferente que influenciaria mais tarde sua obra: a música do sertão, com suas modas de violas, e a música folclórica.
Mas Heitor (ou "Tuhú", como os familiares o chamavam) haveria de tornar-se órfão de pai em 1899, quando já voltara ao Rio de Janeiro, aos doze anos. Interrompeu seus estudos formais de música e começou a tocar violoncelo em cafés e teatros, além de se aproximar dos choros, música instrumental típica da cidade. Reflexo disso, começou a estudar violão.
Em 1905, resolveu viajar e conhecer o Brasil. Passou pelo Espírito Santo, Pernambuco e Bahia, onde recolhia temas folclóricos e tomava contato com a cultura popular. Nos anos seguintes, mais viagens: para o sul, para o centro-oeste e, especula-se, para a Amazônia, que teria o impressionado vivamente. Oficializou a vida de andarilho em 1910, quando foi contratado por uma companhia intinerante de operetas, como violoncelista. A companhia se dissolveu em Recife, mas Villa-Lobos aproveitou para conhecer Fortaleza, Belém e até a ilha de Barbados, nas Antilhas.
Enquanto fazia sua imersão na cultura popular, Villa-Lobos não deixou de estudar: não largava o Cours de Composition Musicale do compositor francês Vincent d'Indy, que acabou por tornar-se a maior influência sobre o compositor no início de carreira, juntamente com Wagner e Puccini.
Sua estréia pública como compositor ocorreu em 1915, no Rio de Janeiro, em uma série de concertos de sua obra. Começou a tornar-se conhecido, e também criticado pela imprensa. Foi apresentado ao compositor francês Darius Milhaud e ao célebre pianista Arthur Rubinstein, que passou a executar a Prole do Bebê em suas excursões pelo mundo.
Villa-Lobos foi se tornando uma figura pública. Em 1922, convidado por Graça Aranha, participou da Semana de Arte Moderna, em São Paulo, e apresentou algumas de suas obras. Foi, como os demais modernistas, vaiado pelo público, tão conservador quanto os críticos que o atacavam nos jornais.
Em 1923, talvez o maior acontecimento de sua vida. Apoiado por um grupo de amigos, Villa-Lobos obteve da Câmara dos Deputados financiamento para viajar para Paris, tanto para se apresentar como para tomar contato com as vanguardas européias. Villa ficou um ano na capital francesa, onde deu concertos e conheceu compositores como Ravel e Varèse, que se tornaram seus amigos. Também conseguiu, por intermédio do amigo Arthur Rubinstein, um editor, Max Eschig.
Quando retornou ao Rio de Janeiro, em 24, Manuel Bandeira, que colaborou algumas vezes com o compositor, escreveu um famoso artigo na revista Ariel que é bastante revelador:
Villa-Lobos acaba de chegar de Paris. Quem chega de Paris espera-se que chegue cheio de Paris. Entretanto, Villa-Lobos chegou cheio de Villa-Lobos. Todavia uma coisa o abalou perigosamente: a Sagração da Primavera de Stravinsky. Foi, confessou-me ele, a maior emoção musical da sua vida.
Ele voltaria à Paris em 1927, para ficar mais três anos. Foi uma passagem ainda mais gloriosa. Fez turnês pela Europa e conquistava admiradores. Planejava permanecer lá. Em 30, retornou para o Brasil, para realizar um concerto em São Paulo. Era um regresso temporário, mas acabou entregando um projeto de educação musical à Secretaria de Educação do Estado de São Paulo, que foi aprovado, e ficou em definitivo.
Villa ficou dois anos em São Paulo, organizando o ensino musical e, principalmente, promovendo o canto orfeônico (coral). Chegou a reger doze mil vozes em uma cerimônia na capital paulista. O êxito o levou a ser convidado pelo secretário de educação do Rio de Janeiro, para coordenar a criação da SEMA - Superintendência de Educação Musical e Artística, que seria responsável pela introdução do ensino musical e do canto coral nas escolas.
Obteve o apoio de Getúlio Vargas, que havia tomado o poder no Golpe de 1930, que o designou supervisou da educação musical em todo o Brasil. Nesse período, criou diversos cursos, elaborou o Guia Prático (um série de peças de caráter pedagógico), regia a primeira apresentação da Missa em Si Menor de Bach no Rio de Janeiro, compunha (as suítes Descobrimento do Brasil e algumas Bachianas Brasileiras, entre outras obras), enfim, não parava. E ainda tinha tempo de promover o canto orfeônico, inclusive com apresentações corais de proporções gigantescas: em 1940, regeu uma massa impressionante de quarenta mil estudantes, no estádio de São Januário, Rio.
Era uma celebridade, ao mesmo tempo oficial e popular. No exterior sua fama também crescia - em 43 foi agraciado com o título de doutor honoris causa pela Universidade de Nova York, e no ano seguinte partiu para uma grande turnê pelos Estados Unidos, onde seria aclamado como o "Maior Compositor das Américas".
Em 1948 o ritmo frenético foi interrompido por uma cirurgia - a retirada de um tumor maligno, feita nos Estados Unidos. Mas não parou por muito mais tempo. Voltou para Paris, onde passou a reger freqüentemente a Orquestra da Radiodifusão Francesa, com quem fez inúmeras gravações. Esses registros, feitos entre 1954 e 58, foram lançados em disco pela EMI e tornaram-se fundamentais para o entendimento da obra de Villa-Lobos.
No final dos anos 50, Villa vivia entre o Rio de Janeiro e Paris. Em setembro de 1959, estava no Rio, quando o câncer agravou-se. Após uma breve recuperação, no dia 17 de novembro de 1959 Heitor Villa-Lobos viria a falecer em seu apartamento. Tinha 72 anos.
Sua Obra
Villa-Lobos, na história da música brasileira, é uma espécie de Bach, Beethoven e Stravinsky em um homem só. Como Bach, que não foi o primeiro, mas foi o "pai da música", Villa-Lobos também não foi o primeiro compositor brasileiro que colocou a cultura popular e o folclore na música de concerto, mas atingiu um nível de qualidade que o tornou o pai da música brasileira.
Como Beethoven, praticou todas as formas clássicas e tornou-se um grande e venerável monumento musical, que ninguém ousa profanar. E, como Stravinsky, alinhou-se com as vanguardas de sua época e ousou, compondo músicas absolutamente modernas que fizeram a crítica conservadora chiar.
E criava como se fosse três: Villa-Lobos nos deixou mais de 1000 obras, ainda não completamente catalogadas! Compunha sem parar, aliás, não parava em nenhum aspecto, já que dava concertos, organizava instituições, planejava o ensino musical brasileiro, tudo ao mesmo tempo...
Daí as duas principais críticas que são feitas à sua obra: a irregularidade e a prolixidade. De fato, há altos e baixos na produção villa-lobiana, o que é absolutamente natural pelo tamanho de sua obra e pela rapidez com que ela foi feita. Nem tudo poderia ser obra-prima.
Quanto à prolixidade, ela, de certa forma, faz parte do estilo do compositor, dono de uma música rica e abundante que parecia jorrar de maneira ininterrupta de sua imaginação. Era um Amazonas musical. Tom Jobim, que o conheceu pessoalmente, gostava de contar uma história que é bastante característica. Certa ocasião, ele foi à casa de Villa-Lobos e o encontrou, como sempre, compondo. Mas era um dia especialmente ruidoso, com grande agitação na casa e na rua, e a janela estava aberta. Tom lhe perguntou como conseguia compor com aquele barulho. A resposta:
O ouvido de fora não tem nada a ver com o ouvido de dentro. Além disso, minha música é algo vivo: se passar o bonde na rua, eu boto ele na minha sinfonia também.
Outra fonte de críticas a Villa-Lobos foi sua adesão ao Estado Novo de Vargas, ao se tornar o músico oficial da didatura e o principal organizador da educação musical brasileira. Compunha músicas para cerimônias públicas, geralmente de exaltação à pátria, e regia grandes, enormes, corais, em demonstrações grandilouqüentes de canto orfeônico. Teria o músico de vanguarda tornado-se um músico de gabinete?
Essa mudança de rumos refletiu-se em seu estilo como compositor. Estudiosos dividem a obra em três períodos: o primeiro é o modernista, que corresponde aos primeiros anos em Paris e à Semana de Arte Moderna; o segundo é o oficial, das cerimônias públicas e das obras nacionalistas; o terceiro é o neoclássico, das Bachianas Brasileiras. Não há fronteira clara entre os dois últimos períodos, que ocorrem quase que simultaneamente.
Vanguarda
Como já foi citado, as primeiras influências de Villa-Lobos como compositor foram Wagner, Puccini e, principalmente, Vincent d'Indy. Mas sua originalidade logo o aproximariam das vanguardas européias, notadamente Stravinsky. Alguns aspectos fundamentais das obras desta fase: ênfase no ritmo (o que se reflete no destaque que dava aos instrumentos de percussão) e combinação ousada de timbres.
Os Choros, para diversas (e insólitas) combinações instrumentais talvez sejam as obras mais importantes do período. Ficaram muito conhecidos os de no. 2, no. 4, no. 5 (Alma Brasileira), os Choros Bis e no. 7 (Sétimo), o último, para flauta, oboé, clarinete, saxofone, fagote, violino, violoncelo e tam-tam.
Instrumentação original também econtramos no Noneto, escrito em 1923: flauta, oboé, clarinete, fagote, celesta, harpa, piano, bateria e coro misto.
Mesmo quando escrevia para piano, pensava em uma orquestra. O exemplo célebre é o Rudepoema, finalizado em 1926 e dedicado a Arthur Rubinstein. É um verdadeira Sagração da Primavera para piano solo. A ousadia era tão grande que o pianista polonês não incluiu a peça em seu repertório, além de ficar um tanto assustado quando soube que ela era um retrato de sua alma.
Outras obras importantes são a primeira suíte Prole do Bebê - esta sim conquistou Rubinstein - e o Momoprecoce, para piano e orquestra.
Nacionalismo
Na verdade, Villa-Lobos nunca deixou de usar o folclore, a cultura e os temas brasileiros em suas obras. O termo nacionalismo aqui usado refere-se a um tipo de nacionalismo de exaltação, patriota e ufanista, um tanto ingênuo, que serviu aos propósitos do Estado Novo de Getúlio Vargas.
Não devemos crucificar o compositor por ter se ligado à ditadura. Mas as obras dessa época são, talvez, as menos representativas de sua produção. Um exemplo típico é o coro Invocação em Defesa da Pátria, composto para o embarque dos pracinhas que iriam para a Segunda Guerra Mundial, sobre poema de Manuel Bandeira.
Muito mais interessantes são as suítes Descobrimento do Brasil, compostas em 1937. A última delas apresenta a Primeira Missa no Brasil, onde são sobrepostas melodias e danças indígenas ao canto gregoriano católico.
Neoclassicismo
Acompanhando alguns compositores importantes da época, como Stravinsky, e talvez cansado do esforço de se manter sempre à vanguarda, Villa-Lobos começou a escrever música mais relaxada, onde se revela forte a influência de Bach: é sua fase neoclássica, ou neobarroca, como chamada por alguns.
O conjunto mais conhecido do período, e de toda a obra de Villa-Lobos, é o das Bachianas Brasileiras. São nove, ao todo, e foram compostas entre 1930 e 45. As mais conhecidas são justamente a que figuram no clássico disco que o autor gravou para a EMI: a primeira, para orquestra de violoncelos, a segunda, para orquestra sinfônica, a quinta, para soprano e oito violoncelos, e a nona, para orquestra de cordas.
O famoso Trenzinho do Caipira é o quarto movimento da segunda Bachiana; a Cantilena, igualmente célebre, é o primeiro movimento da quinta Bachiana.
Para violão, os Prelúdios, compostos em 1940, não devem nada aos de Bach. O Concerto para Violão e Orquestra, escrito em 1951 para atender um pedido do violonista Andrés Segóvia, tornou-se bastante conhecido.
Vários dos mais importantes quartetos de cordas (no total, 17) também foram compostos nesta fase, principalmente os últimos dez. Algumas das doze sinfonias também foram escritas no período: a sexta (Sobre a linha das montanhas do Brasil), a décima (Sumé Pater Patrium) e a décima-segunda são as mais expressivas.
Outras obras de características marcadamente neoclássicas são os cinco concertos para piano e orquestra. O quinto é o mais conhecido.
“Não escrevo dissonante para ser moderno. De maneira nenhuma. O que escrevo é conseqüência cósmica dos estudos que fiz, da síntese a que cheguei para espelhar uma natureza como a do Brasil. Quando procurei formar a minha cultura, guiado pelo meu próprio instinto e tirocínio, verifiquei que só poderia chegar a uma conclusão de saber consciente, pesquisando, estudando obras que, à primeira vista, nada tinham de musicais. Assim, o meu primeiro livro foi o mapa do Brasil, o Brasil que eu palmilhei, cidade por cidade, estado por estado, floresta por floresta, perscrutando a alma de uma terra. Depois, o caráter dos homens dessa terra. Depois, as maravilhas naturais dessa terra. Prossegui, confrontando esses meus estudos com obras estrangeiras, e procurei um ponto de apoio para firmar o personalismo e a inalterabilidade das minhas idéias”.
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