Autores: Plinio Apuleyo Mendoza; Carlos Alberto Montaner; Alvaro Vargas Llosa
Editora: Odisseia
O novo líder dos idiotas
Chávez será visto pelo nosso jovem idiota como o sucessor de Castro, numa versão mais ousada e folclórica. É natural, pois no presidente venezuelano Hugo Chávez Frías, todos os ingredientes que tomam parte da formação do nosso personagem se juntam: os vestígios arqueológicos do marxismo extraídos de cartilhas e folhetos, o nacionalismo de hino e bandeira, o antiimperialismo belicoso e o populismo clássico que, em nome agora de uma suposta revolução bolivariana, oferecem milagres, estabelecendo o clássico divórcio ente a palavra e os fatos, entre discurso e realidade. O novo idiota, tal como o velho - não esqueçamos - é um comprador de milagres. O sonho, já o dissemos, é para ele uma fuga para frustrações e desejos reprimidos. A ideologia lhe permite achar falsas explicações e falsas saídas para a realidade. Já se disse que a história da América hispânica é a de cinco séculos de constantes mentiras. Quando algumas caem por terra de maneira visível, outras logo vêm substituí-las.
Dessas últimas, Chávez é responsável por umas quantas que hoje percorrem o continente de norte a sul, para júbilo de idiotas de todas as idades. A mais extravagante delas sustenta que, embora seja verdade que o chamado socialismo real acabou na Europa quando o Muro de Berlim foi demolido, agora existe, do outro lado do Atlântico, um novo, mais promissor: o socialismo do século XXI. Ninguém, nem mesmo Chávez, conseguiu explicar no que consiste, mas para os nossos amigos ele soa bem como elemento gerador de sonhos e esperanças. Dois princípios novos intervêm na sua construção. Um de caráter étnico: a reivindicação indigenista hoje representada, melhor do que ninguém, por Evo Morales na Bolívia, com prolongamentos no Peru e no Equador. O outro, de ordem institucional, procura redesenhar o papel dos militares.
A reivindicação indigenista é uma máscara com que as organizações de extrema esquerda, reunidas em 1990 no primeiro Foro de São Paulo, por iniciativa de Castro, resolveram cobrir na América Latina a alternativa marxista-leninista, com a finalidade de torná-la mais viável e com maior poder de penetração um ano após a queda do Muro de Berlim.
Apoiada por Chávez, foi uma estratégia mais bem sucedida do que todas as empregadas pelo castrismo em outras épocas ou a de que ainda se vale a guerrilha na Colômbia. Primeiro porque, efetivamente, consegue unir em torno de um caudilho a população indígena, autóctone, de um país, majoritária na Bolívia e ainda bastante significativa no Peru e no Equador. Segundo porque, agrupando num único partido os setores mais pobres e atendendo reivindicações não só econômicas mas também culturais (língua, costumes, ritos) de índios e de cholos, consegue-se que os incorrigíveis amigos do nosso personagem na Europa não enxerguem o lobo sob a pele do cordeiro e só percebam a irrupção no poder de uma maioria eternamente despossuída e pela primeira vez dona do seu destino. A realidade é outra: divide-se o país, cria-se um racismo no sentido oposto e impõe-se um regime que reproduz os desvarios ruinosos de Castro com nacionalizações, expropriações e quebra da iniciativa privada.
A segunda variável nos tradicionais pressupostos ideológicos do perfeito idiota, tal como revelado no nosso Manual, deve-se igualmente a Chávez, e tem a ver com o papel do Exército. Nos anos 1960, os militares latino-americanos eram vistos pelos devotos da revolução cubana como "gorilas" aliados dos latifundiários e das oligarquias, de tal modo que a luta armada era encarada pelos teólogos da Libertação e outros ideólogos muito simpáticos ao nosso personagem como uma forma necessária de insurgência e libertação dos povos. Hoje uma opção diferente está na cabeça de todos eles. Seja por suas raízes sociais, seja por catequização ideológica ou por privilégios e prebendas, os militares podem se transformar, como na Líbia, em Cuba e daqui a pouco na própria Venezuela, em sócios privilegiados das mudanças propostas. Sonhos? Talvez. De qualquer modo, a experiência está em curso, e o próprio Chávez chegou a propor, para inquietação e risos ao sul do continente, a criação de um único exército sul-americano. Ele deve achar que se trata da consecução de um sonho de Bolívar.
Certamente a apropriação do nome de Bolívar para uma suposta causa revolucionária, baseada em reivindicações étnicas e no confronto de classes, é a mais recente mentira que desperta o fervor do perfeito idiota latino-americano. Ele não sabe, ou não quer, recordar que, se houve algo a que se opôs o Libertador Simon Bolívar, como se explicará no capítulo dedicado a Chávez, foi aquilo a que deu o nome de "guerra de cores" (raças) e a luta de classes promovida pelo espanhol José Boves, que esteve a ponto de romper a unidade da Venezuela.
O fator Chávez
Nisso surgiu Hugo Chávez. Em fins de 1998 o tenente-coronel foi eleito presidente dos venezuelanos e não demorou para estreitar as melhores relações comerciais com Castro. Em seguida começou uma espécie de colaboração entre os dois países baseada num intercâmbio de bens por serviços, idealizada para beneficiar economicamente Cuba e politicamente um governante venezuelano necessitado de galvanizar sua clientela política dentro da velha tradição populista latino-americana. Castro fornecia médicos e pessoal da área de sanitarismo para trabalhar nas favelas das cidades, e em troca recebia petróleo, comida e materiais de construção.
As relações entre Castro e Chávez, entretanto, eram mais profundas do que pareciam na superfície. O venezuelano viera a Cuba por convite expresso de Fidel Castro em dezembro de 1994, depois de ser anistiado pelo presidente Rafael Caldera em seguida a sua tentativa sangrenta de golpe de estado em 1992, para discursar na Universidade de Havana. Naquele momento Chávez era um confuso ex-militar, sob a influência ideológica de Norberto Ceresole, um argentino fascista saído das hostes peronistas, partidário do governo líbio, no qual um caudilho militar árabe se valia do exército como correia de transmissão para sua autoridade sem limites. Ceresole, morto em 2003 aos sessenta anos, foi quem convenceu o tenente-coronel golpista da sabedoria instintiva concentrada n'O livro verde, pomposamente chamada por Chávez de "a terceira teoria universal", uma mescla de sofismas, socialismo, militarismo e islã.
Mas em abril de 2002 ocorreu algo que modificou qualitativamente os vínculos entre Castro e Chávez: o estranho golpe militar que manteve o presidente venezuelano prisioneiro durante 48 horas. Nesse breve período, durante o qual Castro se movimentou freneticamente nos bastidores para devolver o poder a seu amigo e benfeitor, Chávez entendeu que precisava de algo mais do que apenas médicos por parte de Havana para continuar como inquilino em Miraflores: precisava de toda a engenharia repressiva, do aparato de inteligência e das técnicas propagandísticas que lhe permitissem conservar-se no poder sem medo de que seus inimigos o tirassem da residência governamental. Precisava, em suma, da técnica para se manter no governo que Castro, por seu turno, aprendera com os soviéticos desde os anos 1960-1970, quando milhares de assessores procedentes da URSS e de outros países do Leste reformaram totalmente a burocracia cubana até torná-la absolutamente imbatível pelos inimigos. O leninismo, afinal, era isso: um punho implacável firmemente fechado, um férreo procedimento de governo.
Após reaver milagrosamente o poder - seus inimigos, totalmente desnorteados, lhe restituíram de graça a presidência -, Chávez, que compartilhava com Castro uma personalidade messiânica e narcisista, começou a se reunir com freqüência com o cubano, para reforçarem mutuamente as convicções mais delirantes, dando início a um processo de simbiose entre os dois governos que se fundamentava numa premissa básica: a "revolução", tanto a venezuelana quanto a cubana, não poderia se salvar num mundo hostil dominado pelos Estados Unidos e pelas idéias "neoliberais". Como a Rússia em 1917, que precisou fazer frente ao mesmo dilema - os perigos do "socialismo" num único país -, eles chegaram à conclusão de que era necessário criar uma rede internacional de estados coletivistas e anti-imperialistas capaz de enfrentar os "agressivos regimes ocidentais" liderados por Washington.
Esse ponto de partida levou Castro e Chávez a formularem uma nova concepção do destino de ambas as nações. O marxismo-leninismo, que sofrera um golpe duríssimo com a traição dos soviéticos e o desaparecimento do comunismo em quase toda a Europa, estava em fase de franca recuperação. Claro que já não caberiam mais à Rússia ou à decadente Europa a tarefa e a glória de erguer a bandeira da luta revolucionária. Cuba e Venezuela, com os punhos erguidos e entoando uma versão salseira da Internacional, estavam chamadas a substituir a Moscou pré-Gorbachev como farol da humanidade na luta contra o capitalismo e em favor dos pobres do mundo. E essa tarefa, naturalmente, começava pela América Latina, âmbito natural de expansão e de onde o aguerrido eixo Havana-Caracas avançaria rumo ao aniquilamento dos inimigos.
Desta vez, porém, a estratégia de luta seria bem diferente da imaginada em seu tempo por Marx e mais tarde aperfeiçoada por Lênin. Os humilhados e empobrecidos trabalhadores, movidos pela consciência de classe e pela certeza de serem os grandes motores da história, não mais paralisariam a economia com uma greve definitiva que poria fim ao Estado burguês. Tampouco se reeditaria a epopéia de Mao ou de Castro, em que uma guerrilha rural chega ao poder por meio de uma insurreição que avança sobre as cidades. O método que se haveria de empregar para conseguir esse mesmo objetivo seria o praticado por Chávez em fins de 1998: eleições democráticas, que resultariam numa nova Constituição, com o que o caudilho elevado a presidente iria desmantelando a estrutura republicana, com seu sistema de equilíbrios e contrapesos, até ter o controle de todas as instituições. Junto a ele, escoltando todo o processo, um exército de médicos e pessoal sanitarista de Cuba, pagos com os petrodólares venezuelanos, se dedicaria a prestar serviços gratuitos de saúde nos bairros mais pobres com a finalidade de tentar demonstrar o que era o "socialismo do século XXI": compaixão pelos desamparados.
Castro e Chávez, evidentemente, tinham tudo bem pensado: primeiro, a suposta necessidade de proteger a sobrevivência de seus governos dentro de um campo coletivista autoritário; segundo, uma visão messiânica de si próprios e de seus países, novo substituto da URSS, que os induzia a dedicar suas vidas e seus esforços à redenção da humanidade consoante os esquemas do socialismo; terceiro, uma metodologia, posta à prova na Venezuela, para levar avante a causa sagrada. Bem cedo, em fins de 2005, Castro e Chávez conseguiriam na Bolívia a sua primeira vitória, com a eleição de Evo Morales, embora, pouco depois, em junho de 2006, o triunfo de Alan García no Peru, derrotando Ollanta Humala, viesse estragar sua festa. Enquanto isso, a infatigável tribo dos idiotas, habilmente orquestrada pelos serviços cubanos e os conhecidos Institutos de Amizade com os Povos, aplaudia com entusiasmo delirante. Sobre a mesa de pôquer se revelava uma trinca de ases: Fidel, Hugo e Evo - os três gloriosos loucos-de-pedra da revolução definitiva.
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