- Morreu no fim da noite desta segunda-feira o saxofonista e clarinetista Paulo Moura, de 77 anos. O músico estava internado na Clínica São Vicente, no Rio, desde o dia 4 de julho com linfoma (câncer do sistema linfático). Compositor e arranjador de choro, samba e jazz, Paulo Moura é um dos maiores nomes da música instrumental brasileira, tendo tocado com Ary Barroso, Dalva de Oliveira, Elis Regina, Milton Nascimento e Sérgio Mendes. Segundo a assessoria da São Vicente, o velório do músico será na quarta-feira, a partir das 11h, no Teatro Carlos Gomes, no Centro do Rio. O corpo será cremado em uma cerimônia privada.
Para Paulo Moura, não existiam fronteiras. Com seus clarinete e saxofone, o músico - nascido em 17 de fevereiro de 1933, São José do Rio Preto, no interior de São Paulo, e radicado no Rio desde o fim da adolescência - passeou com talento por muitos gêneros e formações. Tocou tanto em orquestras sinfônicas quanto de gafieira ou grupos de regional, rodando o Brasil e o mundo com sua arte.
De uma família de músicos, ainda em sua cidade natal, incentivado pelo pai, Pedro Moura, carpinteiro de profissão e clarinetista nas festas e nos fins de semana, Moura começou a estudar piano aos 9 anos, passando quatro anos depois para o clarinete. Ele tinha 17 anos quando a família se mudou para o Rio, radicando-se na Tijuca. Paulo Moura ingressou na Escola Nacional de Música estudando teoria, harmonia, contraponto, fuga e composição, enquanto, por pedido do pai, também aprendeu o ofício de alfaiate. A música falou mais alto e, em meio aos estudos - incluindo mestres como Guerra Peixe, Moacir Santos, Paulo Silva e Maestro Cipó -, começou a atuar em bailes e gafieiras. Junto a amigos da Tijuca como João Donato, Bebeto Castilho, Pedro Paulo, Everardo Magalhães Castro também formou um grupo de jazz influenciado pelo som da West Coast dos Estados Unidos.
Ainda nos anos 1950, começou a viajar o mundo, participando do grupo de Ary Barroso e de Zacarias e sua Orquestra. Nos estúdios, estreou num disco da cantora Dalva de Oliveira. E, em 1957, fez seu primeiro trabalho solo, "Paulo Moura e sua Orquestra para Bailes". Ainda este ano, fez uma gravação de "Moto perpétuo", de Paganini, que virou um clássico instantâneo. Dois anos depois, gravou "Paulo Moura interpreta Radamés", com alguns temas escritos por Radamés Gnatalli especialmente para esse disco.
Sempre trafegando entre a música clássica, o jazz e a música popular, o clarinetista e saxofonista também foi um assíduo frequentador do Beco das Garrafas, o reduto em Copacabana que concentrava os principais bares e clubes noturnos da bossa nova e do samba-jazz, no início dos anos 1960. Como instrumentista e arranjador, trabalhou com artistas como Elis Regina, Milton Nascimento e Sérgio Mendes (com este, no grupo Bossa Rio, participou em 1964 do clássico álbum "Você ainda não ouviu nada", um marco do instrumental brasileiro). A partir de fim dos anos 1960, liderou seus próprios grupos, gravando discos como "Fibra", "Mistura e manda", "Confusão urbana, suburbana e rural", que também fizeram escola no instrumental brasileiro, fundindo elementos do jazz com o choro e o samba.
Incansável, apaixonado pela música, nos anos 1980 dirigiu por dois anos o Museu de Imagem e do Som (MIS), no Rio.
As duas últimas décadas foram de muito trabalho, excursionando pelo mundo e gravando discos como, entre outros, "Dois irmãos" (em 1992, ao lado do violonista Raphael Rabello), "Instrumental no CCBB" (em 1993, com o saxofonista e flautista Nivaldo Ornelas), "Brasil musical" (em 1996, com o pianista Wagner Tiso), "Pixinguinha: Paulo Moura & Os Batutas" (de 1998), "Mood ingênuo" (em 1999, com o pianista americano Cliff Korman), "Paulo Moura visita Gershwin & Jobim" (em 2000), "El negro del blanco" (em 2004, com o violonista Yamandú Costa), "Dois panos para Manga" (em 2006, belo reencontro musical com um amigo de juventude, o pianista João Donato) e "AfroBossaNova" (em 2009, em dupla com o guitarrista e bandolinista Armandinho Macedo).
Em junho de 2006, durante as entrevistas de lançamento do disco com Donato, Paulo Moura sintetizou numa frase um dos segredos para o estilo de ambos:
- Nós começamos a tocar profissionalmente em gafieiras. E essa ligação com a dança nunca acaba mais. Art Blakey dizia que, quando a música é boa, as pessoas acompanham com os pés.
Em outra entrevista ao GLOBO, em 1999, para o músico Mario Adnet, Paulo Moura explicou como via a relação entre o jazz e o choro:
- Uma coisa que, hoje, não tenho mais nenhum pudor em apresentar é a aproximação do choro com o jazz, que na verdade existe desde os anos 40 e tem em K-Ximbinho seu maior expoente. As orquestras do Zacharias e do Fonfon, que foram dos nossos maiores bandleaders e que pouca gente ouviu falar, também faziam essa mistura. Tenho certeza de que tudo isso ainda virá à tona novamente para que se revele aos estudiosos da música brasileira a existência de uma tradição e uma continuidade, apesar da interferência de mercado, nesse choro orquestral que tem muito a ver com os recursos de improvisação emprestados do jazz. Esse gênero foi muito executado no tempo dos cassinos e dos dancings que possuíam as melhores orquestras da época. Tudo isso entrou em decadência com a mudança de capital para Brasília. Grande parte dos políticos da área federal que moravam no Rio era freqüentadora assídua desses lugares, principalmente dos dancings, que além das taxi-girls tinham os melhores músicos.
Paulo Moura era casado com a psicalinista Halina Grynberg, também sua empresária e produtora musical.
Antônio Carlos Miguel, com informações de Vivian Oswald
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