domingo, 21 de junho de 2009

No Irã, não há eleições, mas sim fascismo

Para dar um pouco de cor local da atmosfera política no Irã, na semana passada, cito um jovem camarada iraniano que me abastece com atualizações periódicas: “Eu fui ao último comício importante de Ahmadinejad e tive uma amostra do que eu imagino que o fascismo era. Um monte de garotos com espinha na cara que não conseguem arranjar uma namorada ganhou armas. Disseram-lhes que são especiais”.

É difícil melhorar isso, tanto como uma evocação da repressão sexual rançosa que está no cerne obsceno da “República Islâmica” quanto como uma descrição das forças de reserva que o paraestado iraniano pode usar se sentir-se minimamente ameaçado. Há uma razão teórica pela qual os eventos do mês passado no Irã (eu resolutamente me recuso a me referir a eles como eleições) foram um insulto toscamente encenado a todos os que tomaram parte nele e a quem o observou. Há uma razão prática. A razão teórica, embora menos dramática e excitante, é mais interessante e importante.

O Irã e seus cidadãos são considerados pela teocracia xiita como propriedade particular dos mulás ungidos. Essa ideia totalitária baseou-se originalmente numa peça de charlatanismo político promulgada pelo falecido aiatolá Ruhollah Khomeini, o velayat-e faqui. Nos termos desse édito, a população inteira é declarada uma tutela infantil do Estado de túnica negra. Assim, todo exercício de voto está, por definição, terminado antes de começar, porque o todo-poderoso Conselho Islâmico Guardião determina muito antes quem pode e quem não pode “concorrer”. Todos os jornais se referiram aos procedimentos subsequentes como uma eleição, com comícios, votação, contagem e todo o resto, o que é motivo de riso incontrolável entre os aiatolás. (“Eles caíram? Mas é fácil demais!”)

Em tese, a primeira escolha dos aiatolás pode não “vencer” realmente, e pode haver até divisões dentro do Conselho Guardião sobre quem é o mais bem nomeado. Mesmo sendo algo secundário, isso pode causar rancor. Afinal, sistemas corruptos estão sujeitos a fraude. Isso, como a hipocrisia, é o elogio que o vício faz à virtude. Com uma brutalidade inacreditável, então, os guardiães agiram para cortar redes de mensagens de texto e celulares que poderiam dar a impressão de jogo limpo e anunciaram que só uma forma de voto tinha a sanção divina.

Deixando de lado a evidência de fraude, há outra razão para duvidar que um fundamentalista analfabeto como Mahmoud Ahmadinejad pudesse aumentar até mesmo uma maioria num plebiscito patrocinado pelo Estado. Em todo o mundo islâmico, a tendência tem sido no sentido contrário. No Marrocos, em 2007, o badaladíssimo Partido da Justiça e Desenvolvimento acabou com 14% dos votos. Na Malásia e na Indonésia, as previsões de uma fatia maior para os partidos pró-Sharia foram igualmente desmentidas. No Iraque, as eleições locais puniram os partidos clericais que tornaram miserável a vida em cidades como Basra. No Kuwait, as forças radicais islâmicas foram mal, e quatro mulheres foram eleitas para o Parlamento de 50 membros. O Hezbollah, patrocinado pelo Irã, foi convincentemente derrotado no Líbano depois de uma eleição aberta e vigorosa. E, por tudo o que eu ouvi, se os palestinos fossem votar de novo, seria improvável que o Hamas surgisse como vencedor. Mesmo assim, uma claque religiosa senil foi capaz de aumentar sua “maioria” num Estado apodrecido onde ela controla a mídia e goza do monopólio da violência.

A menção das eleições libanesas me impele a comunicar o que vi num comício recente do Hezbollah no sul de Beirute, no Líbano. Num salão grande cujo destaque era a presença de uma delegação iraniana, o mais repugnante cartaz do partido pró-Irã exibido era um cogumelo atômico! Sob esse símbolo eloquente havia uma legenda que avisava os “Sionistas” sobre o que os aguarda. Às vezes esquecemos que o Irã ainda nega qualquer intenção de adquirir armas nucleares. Mesmo assim, Ahmadinejad saudou o lançamento de um míssil iraniano como uma contrapartida do sucesso do Irã com centrífugas nucleares, e o Hezbollah foi autorizado a concluir que os reatores iranianos podem ter aplicações não pacíficas. A manipulação pela qual os mulás controlam o Irã não pode mais ser considerada “assunto interno” deles. Fascismo em casa mais cedo ou mais tarde significa fascismo fora. Enfrente-o agora ou lute contra ele mais tarde. Enquanto isso, chame-o pelo nome correto.

Christopher Hitchens,  escritor, colunista da revista Vanity Fair, autor e colaborador regular do New York Times e The New York Review of Books. Escreve quinzenalmente em ÉPOCA

Revista Época, nº 579, 06/2009

http://revistaepoca.globo.com

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