terça-feira, 29 de dezembro de 2009

A guerra no Iraque não foi por petróleo

Se a intervenção no Iraque tivesse sido mesmo uma “guerra pelo petróleo”, então algumas das consequências mais positivas do conflito teriam sido vistas em Bagdá na semana passada. O ministro do Petróleo do país, Hussain al-Shahristani, presidiu um leilão em que os direitos de exploração para sete importantes campos de petróleo foram concedidos em uma disputa de ofertas entre vários consórcios internacionais. Três aspectos do resultado são dignos de nota.

O leilão foi para conceder contratos de serviço, e não acordos de divisão da produção que as principais empresas preferem. O preço foi fixado entre US$ 1,15 e US$ 1,90 por barril, em comparação aos US$ 4 propostos pelas companhias. E as corporações americanas, no geral, não foram as grandes vencedoras; consórcios ligados a Malásia, Rússia e até Angola se saíram melhor (a Exxon Mobil e a Occidental, em negociações prévias, tinham obtido contratos em outros campos de petróleo iraquianos).

Assim, a parte vulgar e histérica da interpretação da “guerra pelo petróleo” foi desmentida: o Iraque mantém sua autonomia, a parcela concedida a estrangeiros na exploração está longe de ser exorbitante e não há uma correlação real entre os interesses dos Estados Unidos e o resultado. Exceto pelo fato de que os americanos realmente têm interesse no sucesso desse setor.

Se a recuperação dos campos de petróleo do Iraque persistir, o país vai começar a readquirir o que foi perdido sob o regime de Saddam Hussein, que degradou a infraestrutura petrolífera e dissipou seus ganhos. A produção atual é de cerca de 2,5 milhões de barris por dia. Pelas atuais projeções, poderia subir para 7 milhões em um período relativamente curto. Otimista, Shahristani acredita que poderia subir para 12 milhões de barris diários até 2016. O potencial para essa recuperação existe. O país tem a terceira maior reserva confirmada do mundo, com 115 bilhões de barris, e esse número pode estar subestimado. O Iraque, então, poderia rivalizar com a produção da Arábia Saudita e do Irã bem rapidamente. É o que muitos a favor da mudança do regime sonham: um Iraque democrático e federalista situado entre duas teocracias parasitárias e capaz de desafiar o duopólio do petróleo.

Com isso em mente, duas outras coisas se tornam mais fáceis de compreender. A crueldade da chamada “insurgência”, que diariamente mata iraquianos nas áreas do país sem proteção americana, representa, em grande medida, um movimento mercenário financiado de fora do país. Os assassinos sunitas da Al Qaeda na Mesopotâmia vivem de fontes de financiamento na Arábia Saudita, ao passo que as gangues xiitas são parte de uma sombra da Guarda Revolucionária iraniana. São eles que derramam sangue por petróleo para impedir a recuperação de um país que poderia desafiar seus patronos. O regime sírio, pelos mesmos motivos, dá armas, dinheiro e refúgio para os rebeldes.

É muito mais importante ajudar o Iraque a derrotar esses criminosos do que fingir que o Paquistão é amigo em uma área dominada por pedras, desfiladeiros e campos de papoula. Há dois anos, o Iraque estaria condenado a uma guerra civil. Apesar de represálias estarrecedoras, isso ainda não se concretizou. Na última vez que estive em Bagdá, fiquei na casa de um membro do governo curdo. “Agora sou do comitê do orçamento”, disse-me ele, “e vejo como este país pode ser rico.”

As discussões sobre a mudança de regime no Iraque ainda se atolam em recriminações sobre as armas de destruição em massa e outras controvérsias. Mas a escolha essencial é, e sempre foi, esta: ou o país terá um futuro de tribalismo, em que suas crianças deixam a escola para montar guarda sobre barricadas feitas de pneus em chamas, ou a nacionalidade do Iraque pode ser reconstruída por uma ordem federal que permita uma grande descentralização e a solução das diferenças por meio de eleições e tribunais. É a melhor oferta aos iraquianos, temida pelas oligarquias decrépitas que vivem ali. Por isso vale a pena lutar.

CHRISTOPHER HITCHENS, escritor, colunista da revista Vanity Fair, autor e colaborador regular do New York Times e The New York Review of Books. Escreve quinzenalmente em ÉPOCA.

Época - Ed. 605 (19-12-2009)

http://revistaepoca.globo.com

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