sábado, 26 de janeiro de 2008

A ditadura perfeita


Cuba encena a farsa eleitoral para dar ares de legitimidade aos arranjos do tirano que agoniza, mas não larga o poder.
Muitas ditaduras modernas recorrem a eleições periódicas para dar ares de legitimidade à tirania. O problema é que ditador que se preze não admite que se torne público que uma parcela da sociedade, por menor que seja, se opõe a sua permanência no poder. Isso explica por que essas farsas eleitorais apresentam resultados quase unânimes de aprovação. O presidente sírio Bashar Assad venceu suas disputas por cravados 97% dos votos. O iraquiano Saddam Hussein conseguiu incríveis 100% em 2002, um ano antes de ser deposto. No domingo dia 20, foi a vez de Fidel Castro escolher o seu número. Segundo as fontes oficiais, mais de 95% dos cubanos deram, nas urnas, seu apoio à ditadura mais longeva da atualidade.

Para os cubanos que não fugiram da ilha por opção ou por falta dela, o pleito foi mais uma farsa entre tantas outras que não podem criticar. O que aconteceu em Cuba não foi uma eleição, mas um ritual vazio que se repete desde 1993, quando pela primeira vez ocorreram eleições para a Assembléia Nacional do Poder Popular. Para ser candidato a deputado é preciso ter sido aprovado pelo Partido Comunista, o único permitido. São 614 candidatos para 614 cadeiras. O sistema é similar ao utilizado na União Soviética, em que cada distrito nomeava um deputado e a cédula continha apenas um nome. Ao eleitor resta a opção de votar no candidato oficial ou se abster. Como ele vota no quarteirão em que mora, de forma que possa ser vigiado de perto por agentes do Comitê de Defesa da Revolução que o conhecem pessoalmente, o voto de protesto é um quase suicídio. Embora o voto seja facultativo, o regime não admite a abstenção. A presença do eleitorado é necessária para criar a ficção de apoio em massa ao ditador. No fim dos anos 90, o economista cubano Vladimiro Roca foi preso por pregar em praça pública que não era obrigatório votar. "Fiquei quatro anos na prisão por divulgar algo que está na Constituição", disse Roca a VEJA por telefone, de Havana.

A Assembléia Nacional não vai legislar. Seu trabalho é breve. Em uma reunião no dia 24 de fevereiro, os deputados fingirão eleger os 31 membros do Conselho de Estado. Esses, obviamente, já terão sido previamente escolhidos nos bastidores do PC. Cabe ao Conselho de Estado ratificar o nome do presidente de Cuba para os próximos cinco anos. Quem de fato define o ocupante do cargo é Fidel – e, desde que tomou o poder, o escolhido foi ele próprio. Doente e recluso desde 2006, o ditador admite que não consegue sequer discursar em público. Por isso, há a possibilidade de que indique o irmão Raúl Castro, presidente interino, ou Carlos Lage, atual vice, para substituí-lo. Segundo uma anedota cubana, são todos o mesmo cachorro, com coleiras diferentes. De qualquer forma, trata-se de mais faz-de-conta. Independentemente do nome do cargo, Fidel terá a última palavra enquanto viver. Depois, ninguém sabe com certeza. Entre os cubanos cresce a esperança de um futuro com eleições democráticas.


Como o PC controla os eleitores em sua eleição de mentirinha

A eleição da Assembléia Nacional de Cuba é um jogo de cartas marcadas. O eleitor não tem liberdade de escolha, mas se deixar de participar da farsa pode acabar na cadeia.

Os partidos
Só há um, o Comunista.

Os candidatos
São 614 para 614 vagas. Todos os candidatos são aprovados pelo governo e pelo partido. As únicas opções são votar no candidato indicado pelo governo ou abster-se.

A cédula
Talvez seja apenas uma lenda espalhada pelo regime, mas a maioria dos cubanos acredita que a cédula é numerada para permitir a identificação do autor de um voto de protesto.

O local de votação
Para que seu voto possa ser fiscalizado por um espião que o conhece pessoalmente, o eleitor vota no quarteirão em que mora.

Penalidades
Quem demora para ir votar é procurado em casa pelos agentes do regime. A abstenção é punida com a demissão do emprego.

Os eleitos
A Assembléia Nacional reúne-se uma ou duas vezes no ano, por dois dias. Os deputados sempre aprovam por unanimidade, com a mão erguida, as propostas do governo.

Duda Teixeira - VEJA
Edição 2045

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