quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

A conta de Chávez

Faz água o regime autoritário do coronel Hugo Chávez na Venezuela. O governo se esfarela com a saída dos ministros da Ciência e Tecnologia, Jesse Chacón; da Energia Elétrica, Angel Rodríguez; da Defesa (e também vice-presidente), Ramón Carrizález; do Meio Ambiente, Yubirí Ortega (mulher de Carrizález); e, ontem, do presidente do Banco Central, Eugenio Vázquez Orellana.

Depois de tentar um golpe frustrado em 1992, Chávez assumiu a Presidência em 1999, legitimamente, para um mandato de cinco anos, pondo fim a quatro décadas de domínio dos partidos tradicionais. Venceu com um discurso nacionalista de corte esquerdista em que defendia a redução da pobreza. Mas logo iniciaria a aplicação do "kit bolivariano", que tem como mola mestra a convocação de uma Assembleia Constituinte para "refundar o país". Ele o fez, venceu, passou a controlar o Legislativo, o Judiciário e fez aprovar a nova Constituição, ampliando os poderes do Executivo. Criou a República Bolivariana da Venezuela para chegar ao "socialismo do século XXI".

Sugestivo no que evoca uma suposta preocupação com as questões sociais, a expressão não tardaria a revelar a face autoritária, demagógica, centralizadora, estatizante, ineficiente, corrupta e cerceadora das liberdades. Entretanto, escorado na retórica e na ação assistencialista, com ajuda da bonança do petróleo, Chávez manteve alta popularidade, reelegendo-se em 2000 e 2006 (o mandato foi estendido para seis anos) e decretando - após derrota no referendo para mudar a Constituição - o direito de se candidatar indefinidamente.

Na política externa, Chávez abriu luta contra os EUA ao mesmo tempo em que estendeu sua influência a Cuba, Bolívia, Equador, Argentina, Paraguai, Nicarágua, criando um bloco a que chamou de Alba (para fazer frente à finada Alca, apoiada pelos EUA). Na prática, dividiu a América do Sul entre os que estão com ele (os citados) e os que estão contra (Chile, Colômbia, Peru, Uruguai). O Brasil se equilibra entre os dois blocos, buscando um papel de moderador do histriônico Chávez, que agora só depende da aprovação do Senado paraguaio (dominado pela oposição) para entrar no Mercosul - e paralisá-lo.

A bonança terminou e levou a conta para o caudilho. A economia encolheu 2,9% em 2009, e 2010 começou com uma forte desvalorização do bolívar, capaz de acelerar uma inflação (oficial) que já chega a 25% ao ano e pode saltar para entre 30% e 60%. Os venezuelanos pagam caro pela opção assistencialista do governo, que deixou de fazer os investimentos necessários em infraestrutura. Áreas do país estão sujeitas a racionamento de energia - ironia num país rico em petróleo -, também provocado por uma longa seca. Uma das características do líder bolivariano é reagir às adversidades com a radicalização dos erros. Assim, ele acaba de tirar do ar seis canais de TV a cabo, incluindo a RCTV, cassada como canal aberto em 2007 - mais um golpe contra a liberdade no país. Diante do desabastecimento, o governo estatiza de supermercados a armazéns, como se isto fosse repor os produtos nas prateleiras.

O descontentamento popular se amplia. Anteontem, dois estudantes foram mortos na repressão a uma manifestação, na cidade de Mérida, contra o fechamento dos canais de TV. Ontem, milhares de universitários voltaram às ruas na Venezuela. Espera-se que Chávez, seus opositores e os governos dos países interessados no processo venezuelano ajam com máxima moderação para que se obtenha uma solução negociada para a crise.

Editorial - O Globo (27-01-2010)

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