sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

Depois da queda

A popularidade de Barack Obama despencou em apenas um ano. De sua campanha inovadora e triunfante, de sua eleição que tantas esperanças suscitou nos EUA e pelo mundo afora, de suas sondagens quase unânimes no início - de tudo isso restam agora pesquisas minguantes e decepções. Por quê?

O presidente Obama adquiriu gradualmente uma imagem negativa perante a classe média americana. Em primeiro lugar, porque despejou centenas de bilhões de dólares para salvar os grandes bancos - hoje vistos como os maiores vilões da América e os responsáveis pela grande crise de 2008/2009 - e não puniu os dirigentes culpados pela farra financeira. No momento em que os EUA ainda vivem um alto desemprego e sua população não recuperou as grandes perdas patrimoniais que sofreu, essa percepção é veneno político. Por outro lado, a impressão que se generaliza é de um governo insensível ou incapaz de mitigar o sofrimento da população que perdeu empregos, padrão de vida e esperança de superar esta fase difícil. Por isso Obama contra-atacou no discurso sobre o estado da União, quarta-feira, dizendo: "A criação de empregos será a prioridade número um deste governo." Nessa ocasião fez mesmo a incrível afirmação, para um ocupante da Casa Branca, de que "algumas derrotas foram merecidas".

Outro ponto negativo é o espetáculo desastroso do Afeganistão que diariamente chega às televisões dos americanos, com os talebans surgindo como fantasmas e atacando com audácia crescente, enquanto Obama leva meses para decidir se aumenta ou não o efetivo militar americano nesse país. Embora o governo tenha a convicção de que há progressos no terreno, para o público americano o que vem à tona é o pesadelo recorrente do Vietnã e do Iraque: uma guerra sem possível vitória.

Vai-se consolidando entre os analistas a impressão de que Obama é um grande comunicador que hesita, porém, no momento da ação e procura sempre o lado mais indolor da decisão. Aflora hoje a falta de experiência executiva do presidente, que nunca havia exercido cargo administrativo em toda a sua carreira política. Começar logo pela presidência dos EUA, por mais bem equipado intelectualmente que ele seja, está-se revelando muito difícil para Obama. Creio, pessoalmente, que ele será capaz de reencontrar o rumo, mas no momento isso não é garantido. Para um homem que teve uma carreira meteórica e espetacular deve ser muito difícil lidar com revezes da magnitude em que estão ocorrendo.

A eleição de um republicano para a cadeira do falecido senador Ted Kennedy foi a sirene de alarme que soou estridentemente em Washington. A família Kennedy - verdadeira realeza do Partido Democrata - ocupava essa cadeira havia mais de 50 anos e, portanto, a vaga era considerada a mais segura possível. A derrota da candidata democrata foi um cruzado de direita no queixo de Obama e a imagem que as TVs mostraram do mea-culpa atenuado do presidente era a de um político que sabia da extensão do dano que sofrera. Embora os democratas ainda tenham uma margem ampla no Senado - e Obama não perde a ocasião de recordá-lo -, não podem mais evitar, pelos procedimentos legislativos em vigor, que os republicanos obstruam a votação de um projeto de lei. Neste momento estão em jogo, entre outras, algumas questões cruciais: a reforma do Health Care (o sistema de saúde pública), uma regulação mais dura dos bancos, o projeto de lei sobre mudanças climáticas e sobre energia. São projetos dificílimos de aprovar na Câmara, pelos interesses que contrariam, e agora se tornam quase inviáveis sem considerável diluição, dada a resistência dos republicanos, que é também a de muitos democratas. Se o governo Obama for incapaz de prevalecer nesses temas, a que atribui absoluta prioridade, terá sofrido um prejuízo político incalculável.

Aproximam-se as eleições intermediárias de novembro, com renovação total da Câmara e parcial do Senado. Se a maré republicana, que começa a caracterizar-se, for confirmada, o governo Obama perderá a iniciativa no Congresso na metade de seu primeiro mandato e, portanto, ficará muito debilitado, após um começo glorioso. Que caminhos restam para esse presidente?

O primeiro é o do populismo. Consistiria em procurar aplacar a ira crescente da sociedade com um ataque aos banqueiros e aos que são percebidos como responsáveis pelos males do país. Já começou um movimento nesse sentido, como notou de modo eloquente e crítico o colunista Tom Friedman, do jornal The New York Times, com a demonização dos banqueiros, "porque os americanos não seguem políticos raivosos". Depois de suscitar tanta expectativa, será difícil para Obama vestir a pele do vingador. De todo modo, tal curso não resolveria os problemas pendentes, a longo prazo.

O segundo é o da negociação política mais enfocada. Até aqui o governo dispersou suas forças consideráveis no Congresso num número amplo de iniciativas, como salvar a indústria automobilística e os bancos, aprovar leis sobre um grande número de temas. Mas aos olhos do público não restaurou os empregos perdidos, nem reviveu a indústria imobiliária, nem lançou nenhuma iniciativa inspiradora na área da educação, ou da ciência, ou do meio ambiente. Obama ainda tem maioria ampla tanto na Câmara quanto no Senado, mas vai ser obrigado a fazer escolhas difíceis. Isso significa que a legislação já aprovada na Câmara sobre mudanças climáticas e a reforma do sistema de saúde pública podem ser desfiguradas, mas não estão necessariamente condenadas. Aprová-las no Senado vai requerer enorme esforço do presidente e, sobretudo, sua capacidade de reverter a queda de sua popularidade e de sua força política.

A agenda internacional vai passar para segundo plano, dada a premência das questões domésticas. Não se espere, assim, atuação efetiva dos EUA no Oriente Médio ou em qualquer outro cenário mundial. Antes disso Obama vai ter de buscar modos de sair do labirinto em que se encontra. É pena, mas é assim.

Luiz Felipe Lampreia, foi ministro das Relações Exteriores (1995-2001)

O Globo (29-01-2010)

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