sexta-feira, 1 de janeiro de 2010

Missa de sétimo dia do Mercosul

No dia 15 de dezembro, o Senado aprovou, por 35 votos contra 27, protocolo referendando o ingresso da Venezuela no Mercosul. Apesar do empenho do governo, tendo o presidente Lula assegurado ao presidente Hugo Chávez que a aprovação se daria no dia seguinte — só ocorreu uma semana depois — a vitória governista se deu por escassa margem de votos, numa demonstração de que expressivos setores do país sustentavam posição contrária.

Injustificável o ingresso da Venezuela no Mercosul. Nada contra o resistente povo venezuelano, que ao longo da História tem tido a infelicidade de ser governado por sucessivos ditadores — alguns sanguinários; todos, corruptos — e sim contra Chávez, que está procurando implantar naquele país uma dessas típicas tiranias sul-americanas. Submeteu o Parlamento e o Judiciário, ocupou a principal rede nacional de televisão e persegue a imprensa e quem venha a contrariá-lo. Não bastasse isso, apoiou a narcoguerrilha das Farc colombianas, desencadeou insensata corrida armamentista e ameaça deflagrar guerra com a Colômbia.

É esse tresloucado dirigente que se pretende pôr no Mercosul — falta ainda a ratificação paraguaia — atropelandose a Cláusula Democrática de Ushuaia.

Quando, anos atrás, houve tentativa de golpe no Paraguai, os então presidentes do Brasil, da Argentina e do Uruguai deram um ultimato: efetivado o golpe, o país seria expulso do Mercosul. Agora se quer fazer o contrário: abrir as portas do bloco para um candidato a ditador.

Brutal retrocesso. Chávez usará o Mercosul como palanque para suas diatribes quase estudantis contra Estados Unidos e Colômbia. Iludem-se setores da oposição venezuelana que imaginam poder o Mercosul contribuir para barrar as intenções do seu presidente.

Não se pode menosprezar o fato de que o autoritarismo começa a mostrar suas asas outra vez no subcontinente, com crescentes restrições, por exemplo, à liberdade de imprensa, ponto essencial aos regimes democráticos.

Os defensores de Chávez usaram argumentação pretensamente econômica, declarando interesse na manutenção do volume das transações comerciais entre os dois países, com saldo amplamente favorável ao Brasil. Empresários do Polo Industrial do meu estado tinham essa mesma posição, por estarem vendendo muito para a Venezuela.

Com todo respeito aos que defenderam sinceramente tal ponto de vista, não o considero procedente. Estava e estou convencido de que a rejeição do ingresso da Venezuela no Mercosul em nada afetaria o bom relacionamento comercial entre os dois países, haja vista que os Estados Unidos, alvo preferencial dos ataques de “bolivarianos”, são o principal parceiro comercial de Caracas. Havia, ademais, solução alternativa mais simples.

O Brasil, com o Mercosul, poderia iniciar relação de área de livre comércio com aquele país, evitando-se a admissão de uma quase ditadura no bloco, com todo o decorrente desgaste político daí advindo.

Acredito também que a entrada da Venezuela vai acelerar o fim de um bloco que já não vai nada bem. Agoniza devido à diminuta economia do Uruguai — que, por sinal, ainda é um belo parceiro para o Brasil —, à instabilidade política do Paraguai, ao protecionismo argentino e aos erros da política externa brasileira.

Nos últimos sete anos, o Brasil não lhe conferiu a devida prioridade, preferindo apadrinhar atos ditatoriais de um homem como Ahmadinejad, que pensa em bomba atômica e nega o Holocausto, a fortalecer o Mercosul por meio de acordos com outro bloco econômico. A economia venezuelana andou para trás sob o governo chavista.

Vários empresários deixaram o país e seu único recurso natural, o petróleo, estiola-se. Hoje, devido a condições técnicas da PDVSA, a Venezuela produz menos petróleo do que quando Chávez assumiu o poder. Então, sob o ponto de vista econômico, não haverá nenhuma contribuição adicional ao bloco.

Nem se alegue também que Chávez passará e a Venezuela, não. Ele “é morrível”, como disse um senador.

Sim, sua pretensão, porém, é ficar no poder ad eternum. Deve ficar ao menos pelo tempo suficiente para enterrar o Mercosul. Por isso, num dos meus discursos no Senado, adverti que a aprovação do ingresso da Venezuela significaria convite simbólico à missa de sétimo dia do Mercosul.

Réquiem para ele.

É injustificável o ingresso da Venezuela de Chávez no Mercosul

ARTHUR VIRGÍLIO, do Amazonas, é líder do PSDB no Senado.

O GLOBO

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