quarta-feira, 17 de outubro de 2007

Como é difícil ser verde

Foto: Matthias Rietschel/AP - Homem-sanduíche faz propaganda do sabor da comida da rede M&S diante da Whole Foods, que só vende orgânicos. O prazer e a ação ecologicamente correta disputam o coração dos londrinos.

Hoje em dia, para fazer bonito na sociedade dos prósperos países europeus a condição básica é ser “verde”. Mais que ter um carrão do ano ou estar em sintonia com as passarelas de Paris e Milão, são as credenciais ecológicas que garantem cada vez mais que uma pessoa tenha destaque entre a família e os amigos. O problema é que isso exige sacrifícios. E nem todo mundo está disposto a fazê-los.

Para entender como os europeus enfrentam o dilema de conciliar sua vida materialmente confortável com as várias causas politicamente corretas que têm de prestigiar, a seguradora britânica Norwich Union encomendou um estudo. O resultado é revelador: nove entre dez britânicos admitem mentir a fim de passar a impressão de que levam uma vida ecologicamente correta. A maioria acredita que ignorar tais preceitos atualmente dá origem a um opróbrio semelhante ao dispensado a quem dirige bêbado. Ao mesmo tempo, quase igual proporção disse não estar disposta a mudar seu estilo de vida. “Nós queremos fazer o que é certo, mas com freqüência estamos muito ocupados ou achamos complicado demais”, disse a psicóloga Corinne Sweet, ao comentar a pesquisa. “Daí nos sentimos culpados com relação a amigos, parentes ou vizinhos que parecem muito mais capazes de ser verdes.”

O sentimento de culpa é coisa séria: o padre Anthony Sutch, do condado inglês de Suffolk, chegou a organizar uma sessão de confissão para as pessoas pedirem perdão por seus pecados ecológicos. Não é nada fácil fazer tudo o que os ecologistas querem, e muita gente desiste quando é o próprio bolso que entra na jogada.

Na Itália, industriais atribuíram os aumentos de preço dos alimentos ao fato de que produtores rurais em países como a China e a Índia preferem plantar grãos para a produção de biocombustíveis. Alternativas ecológicas ao petróleo podem soar como uma ótima idéia. Mas, quando os reajustes chegaram ao macarrão, grupos de defesa dos consumidores convocaram um dia de boicote à massa para protestar contra a situação. “Duvido que eles consigam ficar um dia sem comer macarrão”, desdenhou o presidente dos sindicatos dos fabricantes de massa, Mario Rummo.

Também não ajuda nada constatar que a ciência está aí só para aumentar a confusão. Quem achava que bastava deixar o carro em casa para emitir menos dióxido de carbono teve de reavaliar sua opinião depois de o ativista britânico Chris Goodall ter calculado que, se uma pessoa andar 5 quilômetros para ir até uma loja, vai causar a emissão de quatro vezes mais gases nocivos que se for de carro. Segundo o autor de How to Live a Low Carbon Life (Como Viver uma Vida com Baixa Emissão de Carbono), alguém vai ter de produzir carne com métodos poluentes para repor as calorias gastas pelo consumidor andarilho. Outro cientista, desta vez na Noruega, mostrou que nem os animais estão livres de ser ecologicamente incorretos. O biólogo Reidar Andersen calculou que um alce causa mais poluição por ano com sua flatulência que um carro que percorre 13.000 quilômetros de estradas. “Elimine um alce da face da Terra e você vai economizar o equivalente a dois vôos de longa distância em emissões de carbono”, disse ele, talvez de brincadeira.

Há ocasiões ainda em que os requisitos verdes se chocam com outras causas importantes para os europeus, dando origem a sérios conflitos morais. Por exemplo, os supermercados britânicos Tesco e Marks & Spencer começaram a usar selos indicando frutas e verduras que são transportadas de avião. Se o consumidor não quiser colaborar com a piora do aquecimento global causada pelas viagens, pode boicotar esses produtos e comprar artigos cultivados localmente (que normalmente são mais caros). Isso acaba prejudicando agricultores pobres da África e outras regiões, que dependem do transporte aéreo para ter acesso aos mercados europeus. Concorrentes logo argumentaram que a idéia tem mais furos que a camada de ozônio. “Devemos tentar reduzir as emissões de carbono, mas jamais à custa dos pobres do mundo”, criticou Paul Monagham, diretor de ética da rede Co-Op de supermercados.

Para muita gente, o dinheiro pode muito bem comprar uma consciência tranqüila. Para não se privar das cada vez mais acessíveis férias em paradisíacas praias de países distantes, o turista europeu pode comprar créditos em empresas como a Climate Care ou a Myclimate, que são especializadas no financiamento de projetos de reflorestamento ou de utilização de tecnologias limpas em países em desenvolvimento. Esses projetos visam a mitigar emissões em nações ricas, mas os compradores precisam não prestar atenção em críticos que dizem que eles ficam muito aquém de compensar os gases emitidos pelos vôos. Também precisam ignorar histórias como a de uma tribo de Uganda que denunciou ter sido expulsa de suas terras para dar lugar a uma iniciativa de reflorestamento financiada por um projeto de mitigação. Do jeito como as coisas estão caminhando, só vai restar aos europeus ficar em casa no verão cuidando do jardim. Talvez nem isso. Um recente relatório do governo britânico afirmou que jardins ornamentais estão acelerando a extinção de animais nativos, como o porco-espinho, das ilhas britânicas. Não adianta: o jeito vai ser continuar apelando para uma boa lorota.

Rodrigo Amaral
Época, Ed. 491 - 11/10/2007


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