terça-feira, 16 de outubro de 2007

Mônica Veloso nua: triunfo da Vênus do Atraso

O drama que começou há cinco meses no Senado acaba como uma ópera bufa.

Esgotou tudo nas bancas. Todo mundo quis ver a Mônica Veloso nua. Qual a razão deste espantoso sucesso? A principal talvez seja porque a única verdade nua e crua que apareceu até agora foi Mônica, em meio a uma caatinga embrenhada de mentiras. Mônica foi o único bem declarado de Calheiros, que apareceu de fato. Até então tínhamos visto bois magros, cheques falsos, açougues suspeitos, frases vagas, envelopes fantasmas, laranjas analfabetos, matadouros remotos; mas, agora não. Este bem ele teve, ali, patente, bonita.

Em revistas de sacanagem, com as mulheres nuas, buscamos nos excitar. Tiazinha (recorde até agora), Feiticeira, eram usadas para nossos vícios secretos. Na nudez de Mônica, não - mais além da excitação, do 'voyeurismo', fomos investigar uma nudez 'política', como se algum segredo não revelado nos inquéritos ainda pudesse aparecer nos meandros de sua carne.

Também queríamos entender algo sobre Renan, imaginar suas relações de amor. Renan está presente ali, ao lado dela. Como terá ele percorrido aquele corpo? Foi falso, foi verdadeiro? O que houve de sincero, de manipulação?

Notem que nas poses de Mônica há uma discrição não provocativa. Examinando suas fotos, vemos uma sensualidade contida, um sorriso ingênuo, como num coquetel onde ela, estranhamente... estivesse nua. Suas poses buscam uma elegância que faça contraste com o escândalo que a revelou. Ela não quer que nos excitemos; quer que a entendamos. Seu sorriso levemente encabulado pede compreensão para o proveito que, afinal de contas, ela tirou de seu drama. Um detalhe fascinante é o coraçãozinho tatuado em seu bumbum. Em geral, ali se desenham flechas 'punks', facas, grafites do diabo... No bumbum de Mônica, há um coração romântico, emanando guirlandas de rosas, quase um sagrado coração religioso.

Alguns românticos devem ter pensado: 'Sim, para além das maracutaias, há também a mágica milagrosa do amor...'

É inevitável comparar Mônica Veloso a Monica Lewinsky - esta sim que, no mais catastrófico 'blow job' da história, mudou o mundo. Clinton cometeu um pecado contra a verdade da pureza protestante. Não se apropriou de nada; ao contrário, não deixou Lewinsky entrar - ela ficou fora de seu corpo. O crime de Clinton, que quase o derrubou, foi a mentira. Renan caiu porque achava (e acha) que agiu dentro da Verdade (sim, de uma 'verdade' em que seus aliados acreditam), que agia com plenos e legítimos direitos patrimoniais.

Mônica Veloso fazia parte do patrimônio de Renan, considerado normal e ético, na melhor tradição das oligarquias nordestinas: fazendas, esposa oficial, prédios, simbiose com empreiteiras, milhões guardados e amante bonita.

Renan nos provocava uma fascinação quase invejosa. Há, no brasileiro médio, o sonho voraz de tudo ter, de ter nascido pobre como ele em Muricy e de, apesar de um estágio no PC do B, ter amealhado imensa fortuna. Quantos outros Renans nós invejamos, quando folheamos avidamente Caras e Quem, babando por iates, palácios, carrões, viagens, amantes, quantos?

A verdade é que invejávamos Renan. Renan foi um homem de sucesso. Seu erro foi ter se achado invulnerável. Renan errou porque além de tudo queria também ser considerado honesto. Renan teve erros parecidos com o de Collor, que aliás, ele inventou. Collor errou ao trair a 'alma do negócio', que é o segredo. Collor agiu à luz do dia, com seu fiel PC (que hoje seria apenas considerado um cleptomaníaco...). Renan também foi descuidado, confiante em sua impunidade total. Sem dúvida, era querer demais. Além de tudo que amealhou, não dava para desejar perdão, prestígio impoluto, impunidade... Foi demais. E não esqueçamos que ele não fez isso por onipotência ou desmesura ('hybris', como diziam os gregos), não. Ao se defender por 150 dias, acreditava realmente em seu direito de fazer tudo que fez, de trabalhar para empreiteiras, de favorecer grupos, de manipular regimentos, de ameaçar políticos. Não há consciência de erro em homens como ele. No mundo dos negócios políticos, no parlamento, muitos deputados e senadores talvez tenham até mais malandragens do que ele. Mas Renan errou ao querer nos fazer engolir tudo como sendo o exercício de legítimos direitos tradicionais, por ter acreditado numa jurisprudência nordestina de que fazem parte até em grau mais grave alguns acusadores de Alagoas e outros Estados próximos. Renan lutou como um herói ideológico para si mesmo e para homens como o Almeida Lima, o Jucá, até o próprio João Lira.

Os pelotões patrimonialistas, os exércitos oligárquicos encaram o Atraso como um desejo, um projeto, uma bandeira. Se a democracia se impuser, se a transparência prevalecer, que será das famílias oligárquicas? Como vão vicejar as fazendas imaginárias, as certidões falsificadas, os rituais das defraudações, as escrituras e contratos superfaturados? Que será da indústria da seca, não só da seca do solo, mas a seca mental, onde a estupidez e a miséria são cultivadas para o serviço da burguesia política?

Mônica Veloso nua é o nascimento de uma Vênus do Atraso, a apoteose triunfal que surge ao final de um processo que vai ficar na História do País como um avanço, um progresso: - apesar da ópera-bufa, já sabemos como funciona a sordidez de nosso processo político oficial, como é difícil modernizar o País.

Arnaldo Jabor - O Globo, 16/10/2007

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