A sensação mais generalizada hoje em dia é a da desorientação. Algo parecido deve acontecer toda vez que a humanidade é abalada por revoluções históricas. Como aquela que, há 2.500 anos, originou a democracia ateniense. Ou a de há oito séculos, com o uso da pólvora para armas e a criação da imprensa. Outro momento desses ocorreu há 200 anos, quando surgiram as primeiras indústrias. Na história da humanidade, existe apenas uma dúzia dessas mudanças que determinam “as grandes ondas da História”, como as chama o historiador francês Fernand Braudel.
Nossa desorientação atual vem do fato de que mal acabou a grande onda da sociedade industrial e já estamos entrando na seguinte. É a nova sociedade pós-industrial, à qual tentamos nos habituar. Esse novo abalo, que mandou para o espaço tantas de nossas presunçosas certezas, já se apresentava no início do século XX. Vamos refletir sobre algumas datas. As primeiras certezas derrubadas foram as científicas. Em 1900, Sigmund Freud publicou a Interpretação dos Sonhos, e com a psicanálise desmantelou a psicologia tradicional. Cinco anos depois, Albert Einstein anunciou a Teoria da Relatividade, que conduziu a física clássica a uma crise. Logo depois, Pablo Picasso, James Joyce e Igor Stravinsky derrubaram os paradigmas estéticos.
Quando, depois da Segunda Guerra Mundial, a sociedade pós-industrial se impôs, todas as contradições já deflagradas no início do século XX explodiram de uma vez. Provocaram aquela desorientação generalizada com a qual caminhamos hoje aos tropeços. E que se traduz em medo. Medo da guerra, da superpopulação, da poluição, da criminalidade, do colapso da bolsa, da solidão, do tédio, da morte e do além. E o medo, por sua vez, se traduz em comportamento agressivo.
Nossa desorientação deriva sobretudo da falência das ideologias e da ausência de liderança.
Na esfera política, a desorientação deriva sobretudo da falência das ideologias e da ausência de liderança. Atualmente, os Estados Unidos de Bush e a França de Sarkozy não são menos desorientados que o Brasil de Lula. O que se percebe vagamente é a falta de um modelo digno de crédito e de uma orientação digna de ser seguida. Na era clássica, o homem ocidental era orientado pela mitologia e pela sabedoria. Na Idade Média, era orientado pela religião. No Renascimento, pela estética. Nos séculos XIX e XX, era orientado pela ideologia. Em um mundo drasticamente dividido entre ricos e pobres, cidadãos e bárbaros, crentes e infiéis, era cômodo encontrar em Karl Marx ou em Max Weber, nas encíclicas do papa ou nos slogans dos ditadores a sinalização mental com base na qual se pudesse proceder rapidamente.
Hoje em dia, os líderes têm todos estatura intelectual média e pouco carisma. Por outro lado, a fronteira entre as classes sociais é cada vez mais confusa. No encalço de um consenso, até os programas partidários se tornaram intercambiáveis. O candidato que hoje aparece na TV deve dar mais atenção ao nó de sua gravata que ao conteúdo de seu discurso eleitoral. Enquanto declina o poder dos partidos políticos, cresce o das multinacionais e das instituições financeiras. Em sua luta perene com a economia, a política é derrotada a golpes duros todos os dias. E, enquanto a economia suplanta a política, as finanças, por sua vez, suplantam a economia. A velocidade efêmera e global do jogo da bolsa passa rasteiras na lenta solidez local da produção manufatureira. O mercado engole e contagia tudo: depois de ter mercantilizado a terra agrícola e o solo urbano, mercantilizou os imóveis, os objetos materiais, as relações humanas e, enfim, a cultura.
Domenico De Masi
Sociólogo da Universidade La Sapienza, em Roma
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