A carreira científica é cheia de obstáculos. Falta de financiamento, sabotagem de idéias que destoam do conjunto, visão tacanha do futuro. É assim em qualquer país do mundo, até nas melhores economias. Mas alguns profissionais conseguem passar por cima de tudo isso e fazer diferença. Por que superam as maiores adversidades enquanto outros desistem no primeiro obstáculo?
A história do cientista italiano Mario R. Capecchi, de 70 anos, um dos ganhadores do Prêmio Nobel de Medicina e Fisiologia anunciado na semana passada, é um desses intrigantes exemplos de superação. Aos 3 anos, ele morava nos Alpes italianos e viu a mãe, Lucy Ramberg, ser levada por agentes da Gestapo. Lucy fazia parte de um grupo de artistas que se opunham aos nazistas e fascistas na Segunda Guerra Mundial.
Ela sabia que poderia ser presa a qualquer momento. Vendeu os poucos bens e entregou o valor arrecadado e o filho a uma família conhecida. O dinheiro não durou 12 meses. Aos 4 anos, Capecchi era um menino de rua. Vagou de cidade em cidade. Distraía vendedores enquanto outros meninos roubavam comida. Passou a infância lidando com os mais concretos dos problemas humanos: como arranjar comida, escapar do frio, acordar vivo. “Saber como sobreviver dia após dia ocupa muito a mente”, disse Capecchi em 1997 em entrevista ao jornal Salt Lake Tribune.
Ele quase morreu de desnutrição num hospital perto de Bologna. Foi lá que Lucy, libertada do campo de concentração de Dachau pelas tropas americanas em 1945, reencontrou o filho. Eles emigraram para os Estados Unidos. No dia seguinte, o garoto já estava na escola – pela primeira vez na vida. Influenciado pelo tio físico, Edward Ramberg, Capecchi nunca mais parou de estudar. Formou-se em Física e Química e concluiu o doutorado em Biofísica na Universidade Harvard em 1967.
Capecchi ganhou o Nobel com outros dois pesquisadores, o americano Oliver Smithies e o britânico Martin J. Evans. O trabalho deles tornou possível o “nocaute de genes”. A técnica permite inativar com precisão trechos de DNA e, assim, monitorar a função de cada gene no organismo de cobaias. Graças a ela, os cientistas podem simular doenças humanas e entender o papel de cada gene no aparecimento delas.
O método foi fundamental para o desenvolvimento das recentes pesquisas médicas. Muita gente não acreditava que ele seria possível. “Queríamos alterar genes em camundongos. A tecnologia e as células para fazer isso não estavam disponíveis. Só a visão existia”, diz ele. O caso de Capecchi é uma enorme lição de vida. Mas o que ensina à ciência? “Minha experiência mostra que é impossível prever aonde as pessoas podem chegar. É preciso manter abertas as possibilidades para o crescimento de cada um”, afirma.
Cristiane Segatto
Época, Ed. 491 - 11/10/2007
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