quarta-feira, 3 de outubro de 2007

Os 50 anos da Era Espacial e a aldeia global

Réplica do satélite soviético Sputnik, na Cidade das Estrelas, em Moscou - EFE


Mesmo os que não eram nascidos naquele 4 de outubro de 1957, entre os quais eu me incluo, hão de se lembrar daquele dia. Não por memórias próprias, é claro. Tampouco por qualquer efeito paranormal. O dia 4 de outubro de 1957 faz parte da memória coletiva da Humanidade, escrita assim, com "h" maiúsculo, um epíteto abstrato que nos define e nos contém, unindo a todos os de nossa espécie e nos tornando algo maior do que nós mesmos. Há outros "4 de outubros" relevantes. Alguns mais, outros menos. Foi em um 4 de outubro (em 1582) que o papa Gregório XIII publicou sua bula "Inter gravíssima", instituindo o calendário gregoriano, que usamos até hoje. Neste dia, em 1725, a cidade de Rosário, na Argentina, foi fundada; em 1830, a Bélgica se separou da Holanda; e em 1910, Portugal tornou-se uma república.

E, claro, em 1957, iniciamos uma nova era.

Estamos já há 50 anos na Era Espacial. Desde aquela sexta-feira, 4 de outubro de 1957, olhamos para o céu com outros olhos. Neste dia, a então União Soviética maravilhou o mundo ("assustou" talvez fosse o verbo mais adequado, dependendo de quem lê estas linhas) ao lançar, com sucesso, o primeiro satélite espacial artificial. Batizado de Sputnik , que em russo pode ser traduzido livremente como "pequeno companheiro" (uma tradução mais fiel seria "co-viajante"), sua missão oficial era estudar as camadas mais externas da atmosfera terrestre. Sua verdadeira motivação, porém, era demonstrar a superioridade científica soviética.

Ignorando o triste contexto bélico da Guerra Fria, o Sputnik nos permitiu sonhar com as estrelas.

O Sputnik era uma bola de alumínio com quase 60 cm de diâmetro. Dentro dele havia dois transmissores de rádio e, em sua superfície, quatro antenas com mais de 2m cada uma. Cientificamente falando, o Sputnik 1 foi um teste bem-sucedido, projetado fundamentalmente para verificar se os soviéticos conseguiriam colocar um objeto em órbita. Com esta mesma mentalidade, o Sputnik 2 carregava uma cadela, Laika, apenas para ver se um ser vivo sobreviveria ao lançamento. O primeiro satélite verdadeiramente científico foi o Sputnik 3, capaz de coletar dados.

Mas o Sputnik 1 definitivamente não era apenas uma bola prateada jogada ao espaço. Seus rádios internos, ao interagir com as partículas carregadas da ionosfera, fizeram um mapeamento simplificado da densidade, da temperatura e da pressão desta camada atmosférica. Infelizmente, as baterias só foram suficientes para garantir 22 dias de funcionamento, e suas transmissões cessaram em 26 de outubro de 1957.

A órbita do Sputnik 1 era extremamente alongada. No ponto mais próximo da Terra, o perigeu, sua altitude era de pouco mais de 200 km. No apogeu, ponto mais afastado da Terra, a altitude passava de 900 km. Seu período orbital era de 96 minutos e ele singrava o espaço a cerca de 30.000 km/h. Nos três meses que orbitou a Terra, deu 1.440 voltas ao redor do nosso planeta.

Nosso pequeno companheiro reentrou na atmosfera em 4 de janeiro de 1958 e, supostamente, queimou por completo durante a reentrada. Há relatos de algumas partes do Sputnik 1 tendo atingido cidades na costa oeste americana, o que estaria de acordo com a sua trajetória, mas isso jamais foi confirmado pela Força Aérea Americana.

A supremacia soviética nos primeiros anos da corrida espacial assustou os americanos, servindo de catalisador para o programa que culminou com a chegada do homem à Lua, em 1969. Assim como o lançamento do Sputnik 1, a missão Apollo 11 foi muito mais uma conquista política do que científica (excetuando-se, é claro, o incrível feito de engenharia tanto do lançamento do Sputnik 1 quanto da missão Apollo 11).

A conquista da Lua foi deixada de lado após 1972, devendo voltar com toda a força na próxima década. Os satélites artificiais, porém, são parte de nossas vidas cotidianas. Hoje em dia, vivemos em uma aldeia global onde todos podem se conectar com todos, e devemos isso, em grande parte, aos satélites que nos orbitam. Hoje podemos ver fotos de cidades que nunca visitamos, podemos prever mudanças climáticas, monitorar a degradação ambiental, fotografar os confins do Universo. E tudo isso começou com uma pequena bola de alumínio, há 50 anos.

A Era Espacial está ainda engatinhando! Longa vida a todos os nossos "pequenos companheiros".

Alexandre Cherman - Astrônomo da Fundação Planetário da Cidade do Rio de Janeiro

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