sábado, 16 de junho de 2007

A arca de Noé das plantas

Montanha gelada em Spitsbergen (Noruega)
O maior banco de sementes do mundo terá uma cópia de todas as espécies que o ser humano cultiva

Cem operários russos e noruegueses mudaram a rotina da ilha gelada de Spitsbergen, localizada a apenas 1.000 quilômetros do Pólo Norte. Há pouco mais de um mês, eles se dedicam à abertura de um túnel de 120 metros de comprimento na encosta da montanha mais alta do arquipélago. Sob um frio que chega a 18 graus Celsius negativos, perfuram um terreno rochoso encravado em um subsolo congelado. Protegido por duas portas à prova de explosões e resistente a guerras nucleares, o túnel é imune a alterações climáticas, terremotos de alta intensidade e falta de energia.

O esconderijo subterrâneo vai abrigar sementes de 3 milhões de espécies de plantas. A idéia é reunir em um só lugar tudo o que se plantou em 10 mil anos de agricultura. "É uma instalação construída para durar para sempre", diz Cary Fowler, secretário-executivo da Global Crop Diversity Trust, uma organização internacional que se dedica à preservação de plantas comerciais. "A coleção poderá no futuro restabelecer lavouras em qualquer parte do mundo."

Não se trata do primeiro banco para guardar sementes de plantas. Há mais de 1.500 deles espalhados pelo planeta. O Brasil tem pelo menos 30. Os Estados Unidos, mais de 600. Mas todos esses depósitos são regionais. E até agora não havia nenhum que guardasse ao menos uma cópia de tudo o que existe no planeta. Cem países apoiaram a construção do banco de sementes global, proposto pela primeira vez na década de 1980. O debate sobre a construção de um "Forte Knox verde" - referência à famosa caixa-forte do governo americano que armazena ouro - veio à tona com as discussões em torno do aquecimento global nos últimos dois anos. De acordo com climatologistas, secas e inundações poderão destruir plantações inteiras nas próximas décadas.

O cofre será aberto apenas uma vez por ano para vistoria, substituição de sementes antigas e troca do ar refrigerado. E será monitorado a distância por uma empresa de segurança da Suécia. A Noruega já aprovou o orçamento de US$ 5 milhões para a construção. O país será o proprietário da instalação. A administração ficará sob a responsabilidade da Global Crop Diversity Trust, com sede em Roma. E cada país que enviar cópia de suas sementes continuará dono de sua amostra.

A partir de novembro, o túnel começará a receber as primeiras sementes. A festa oficial está prevista para janeiro de 2008. Mesmo antes da inauguração, os habitantes da ilha já estão lucrando. O turismo triplicou desde que o túnel começou a ser construído. Os 2.500 habitantes de Spitsbergen já investem na construção de novas casas para aluguel. A ilha foi escolhida porque passou em todos os testes dos cientistas. Ela tem condições ideais para abrigar um "banco de germoplasma", como os cientistas o batizaram.

Primeiro, porque, mesmo em caso de falha mecânica do sistema de refrigeração, o solo congelado protegeria naturalmente as plantas. Segundo, porque o lugar é imune a terremotos. E terceiro, porque é alto. Estudos científicos provaram que o túnel sobreviveria a um aumento de até 60 metros no nível de mar. Para que o banco de sementes global cumpra seu objetivo, porém, é preciso que sobreviva a outros tipos de ameaça. Um estudo recente publicado na revista americana Science mostra que em 40 iniciativas do gênero já houve algum tipo de dano ao material estocado. Nas Filipinas, um tufão destruiu um depósito. Outro, na Cordilheira dos Andes, foi saqueado por terroristas. E alguns fecharam por falta de verba pública, diz John Crosh, chefe de um banco de sementes avançado da Universidade Católica de Bukavu, na República Democrática do Congo.
Luciana Vicária
Época, nº 469 (14-05-2007)

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