segunda-feira, 4 de junho de 2007

A poesia de Federico García Lorca (1898-1936)

"Mas o que vou dizer da Poesia? O que vou dizer destas nuvens, deste céu? Olhar, olhar, olhá-las, olhá-lo, e nada mais. Compreenderás que um poeta não pode dizer nada da poesia. Isso fica para os críticos e professores. Mas nem tu, nem eu, nem poeta algum sabemos o que é a poesia." García Lorca

A poesia lorquiana cheira a flor de laranja, e seu texto poético - espaço preto/branco - vasto areal a estampar os rastros de Andaluzia; por ele seguem, a pé, os ciganos, os cegos cantadores, os meninos tagarelas, as mulheres " pudientes", os "pregoneros", os peregrinos da Espanha estóica, católica, radical às vezes, pronta para o perdão imediato, ereta, em direção ao tempo sem fronteiras, de pé . . . Granada, riso escancarado, obsessão, gosto de laranja doce servida em bandejas amargas: o apelo de Tânatos! Mas o poeta segue o seu caminho sem olhar para trás; segue-o com sua "guitarra" e sua solidão. O menino Federico e seu colar de pássaros na garganta despertam os galos para o coral solidário!

Na poesia lorquiana aliam-se, de maneira maravilhosa, todos os elementos da poesia e da alma espanhola. É o poeta da imagem plena de louçania e de originalidade, da sugestão, do verso musical e cheio de luzes interiores que brota com espontaneidade de seu coração...

Poeta e dramaturgo, nasceu a 5 de junho de 1898 em Fuente Vaqueros, quando a Espanha tentava florescer nas letras e nas artes. Granada, sua província de sortilégios e muitos apelos telúricos: berço e túmulo. Aprendeu as primeiras letras com a própria mãe - professora primária -, Vicenta Lorca, casada com Federico García Rodriguez, ambos provincianos e muito ligados à terra granadina. Precoce em tudo: na música, no desenho, nas letras, na descoberta do mundo circundante; joalheiro da palavra, sabia trabalhar o verso para que ele pudesse, quando lido ou ouvido, reluzir ou tilintar no espelho e no alforje da poesia pura.

O vanguardismo de García Lorca coloca-o em uma posição vantajosa em relação aos demais seguidores dos ismos estético-literários, pelo simples fato de ele se colocar acima das camisas-de-força dos ideários de cada um daqueles movimentos. Versátil, sabia aproveitar praticamente as lições de quase todas as tendências e escolas literárias para desembocar no artesanato da palavra, seu ofício maior. Em cada verso, ourives miraculoso, procurava extrair todos os efeitos surpreendentes das gemas e dos faiscantes engastes de ouro; com seus resíduos barrocos, suas incursões pela comarca do romantismo e do simbolismo; seu ultraísmo e, sobretudo, suas investidas a Ruben Darío, pois sabia tirar proveito das lições da lírica popular e encontrar, no romance, água pura para dessedentar-se e ar puro para respirar demoticamente. Igualou-se a muitos outros poetas de sua geração no posicionamento contra a poesia fria e descritiva do ultraísmo; tratou de acolher em seus versos as revigorantes sugestões populares e inspirou-se nos cancioneiros do século XV, sem, no entanto, abandonar a preferência pelas metáforas do modernismo atrevido e do próprio ultraísmo sequioso pela volta às fontes essenciais da poesia, tendo a metáfora como seu núcleo gerador, detectável no Romancero gitano (1928) e no Poema del Cante Jondo (1931).

Não se pode negar a García Lorca o papel de um dos mais representativos poetas espanhóis das três primeiras décadas de nosso século, com expressiva repercussão até os dias atuais. Inegavelmente foi aquele que, dentre todos os de sua geração, conseguiu alcançar os patamares da fama, despertar maior entusiasmo entre os de sua geração. Não importa que a crítica especializada, ao rastrear a produção inicial de García Lorca, nela tenha encontrado flagrantes influências de Juan Ramón Jiménez e algo do modernismo em sua primeira obra: Libro de poemas (1921). Ele conseguiu superar os modelos e os inspiradores iniciais de sua carreira literária. Não pretendemos, com tal afirmação, negar os vínculos que ele manteve com os diversos movimentos estéticos europeus e, principalmente, com aqueles nascidos ou assimilados pela Espanha, pois, ao terminar a grande guerra européia, as teorias giram em torno da desumanização da arte, através da palavra dos prosadores da chamada geração de 1925: Ramón Gómez de Ia Serna, Jarnés Antonio Espina, Max Aub; entre os poetas, os da chamada geração de 1927: Gerardo Diego, Salinas, Guillén, Alberti, desta sobressaindo a figura carismática de Lorca, influenciado e, por sua vez, influenciador.

Como separar a vida da obra de García Lorca se elas constituem o verso e o reverso da mesma medalha?

Seu corpo jamais pôde ser encontrado e, provavelmente, baixou à vala comum. O terrível dia de seu fuzilamento já foi descrito por muitos escritores, repórteres, testemunhas, porém nenhuma descrição talvez supere a de José Bergamín: “. . . lo asesinaron cobardemente. Sacándolo a la madrugada de la casa y fusilándolo en la carretera, dejánlo allí en la cuneta". A maioria dos registros históricos têm sido cruel para com os demais fuzilados, inclusive deixando de mencionar a todos os sacrificados. Não é mister repetir que existe um desrespeito humano também em referência a um companheiro de infortúnio - um pobre e anônimo professor de aldeia -, mencionado nos textos apenas pelo apelido de "El cojo".

Não faltam críticos que atribuam a alta ressonância da obra lorquiana ao seu destino trágico cuja repercussão ultrapassou as fronteiras espanholas. Não partilhamos desta opinião. A obra de Federico García Lorca sustenta-se por si mesma e vem, até os nossos dias, varando o tempo graças ao seu valor intrínseco. Bastaria consultar a extensa série de estudos consagrados à sua produção global, quer na Espanha, quer no Exterior. Bastaria consultar as páginas do volume publicado em Barcelona, 1937, por Emilio Prados: Homenaje al poeta García Lorca contra de su muerte, com expressivas contribuiçôes, entre outros autores, de Antonio Machado, José Bergamín, Pablo Neruda e a maior parte dos poetas jovens da Espanha, seguido de uma seleção da obra de García Lorca (poemas, prosa, textos teatrais, música, desenhos etc.). Em Buenos Aires publicou-se Homenaje a Federico García Lorca (1937), de Norberto Frontini, enriquecida com páginas de diversos autores do mundo hispânico.

A obra de García Lorca ressalta do mesmo modo por sua recorrência ao doce país da infância, apesar de ter sido ela marcada por graves e consecutivas enfermidades. Frágil, mas obediente aos conselhos maternos, conseguiu superar as crises. Entre uma provação e outra, estudou solfejo e piano. Fez o curso secundário em Granada e ingressou, em 1914, na Universidade de Granada, pela qual se diplomou em direito (1923), ali estudando também filosofia com Fernando de los Ríos que o estimulou a trasladar-se para Madri. Por esse tempo aproximou-se dos grandes nomes da vanguarda artística espanhola, no campo das letras, da música e das artes plásticas, chegando a tornar-se amigo íntimo de Salvador Dalí e Manuel de Falla, desenvolvendo e realizando, desta forma, sua vocação precoce em direção à música, à poesia e ao teatro.

As revistas madrilenhas lhe abriram as portas. A partir de 1925, passou a colaborar em vários periódicos da capital, sobretudo em La Gaceta Literaria e na Revista de Ocidente. É a partir do ano de 1926, como já vimos, que ele forma, com Salinas, Guillén, Alberti e outros poetas jovens, o grupo dos chamados poetas de vanguarda, seguindo as pegadas de Juan Ramón Jiménez, que revolucionaria, de fato, a poesia espanhola daquela época, ainda marcada pela influência deste poeta.


Ático Vilas-Boas da Mota

Trecho da Apresentação publicada no livro: Federico Garcia Lorca - Obra Poética Completa Editora Universidade de Brasília - Editora Martins Fontes
Obra completa de Federico García Lorca:

Um comentário:

Anônimo disse...

Obrigado por Blog intiresny

 
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