quinta-feira, 21 de junho de 2007

Descoberta a primeira vítima de arma de fogo no Novo Mundo

Esta pode ser a primeira vítima confirmada da conquista espanhola.
A equipe chefiada pelo arqueólogo peruano Guillermo Cock, bolsista da National Geographic, descobriu o esqueleto da primeira vítima de arma de fogo registrada no Novo Mundo em um cemitério inca nos arredores de Lima, no Peru. Acredita-se que o corpo seja a primeira vítima da conquista espanhola comprovada por análise forense, uma entre prováveis 72 vítimas de um levante contra os conquistadores. Cock, que trabalhou mais de 20 anos para desvendar os mistérios desses cemitérios índios, cavou uma trincheira de teste em uma encosta de colina no subúrbio de Puruchuco a pedida da prefeitura de Lima, que planejava fazer uma rua ali. Na trincheira de 6 X 24 metros, Cock e sua colega arqueóloga Elena Goycochea rapidamente depararam com um conjunto de túmulos e concluíram que o local tinha sido um cemitério.

Desde o início das escavações, em 2004, a equipe desenterrou cerca de 500 esqueletos que remontam a cerca de 500 anos, até a civilização inca. Conhecidos como os romanos do Novo Mundo, os incas conquistaram toda a região andina até que seu reinado terminou em 1532 com a invasão espanhola.

Cock descobriu que 72 dos corpos da encosta tinham sido enterrados sem a tradicional reverência à morte dos incas, que compreende por exemplo o uso de tecidos para enrolar o corpo em posição fetal, de frente para o leste. "Estes corpos tinham sido enterrados de uma maneira estranha", disse Cock. "Não estavam virados para a posição certa, foram amarrados com pressa em tecido simples, não tinham oferendas e estavam enterrados a pouca profundidade. Alguns dos corpos também apresentavam sinais de violência terrível. Tinham sido atingidos com instrumentos pontudos, dilacerados, empalados - ferimentos que pareciam ter sido causados por armas de ferro - e vários tinham ferimentos no rosto e na cabeça que pareciam ter sido causados por armas de fogo."

Um dos crânios apresentava ferimento de entrada e de saída e, perto dele, foi encontrado um tampão de osso que pode ter sido deslocado da cabeça. No início, Cock achou que os buracos no crânio fossem modernos - resultantes de tiros desferidos por vândalos. Mas o tampão de osso, recuperado intacto, refletia impacto com força bem menor do que a de qualquer arma de fogo moderna e trazia uma marca côncava que claramente sugeria o uso de bala de mosquete.

Com base em indícios encontrados no local da escavação, Cock convenceu-se de que tinha encontrado uma vítima de arma de fogo da época dos incas. O antropólogo físico John Verano, da Universidade de Tulane, concordou depois de realizar observações em campo; Melissa Murphy, da Faculdade Bryn Mawr, bioarqueóloga e integrante da equipe, sugeriu que buscassem indícios definitivos.

Para determinar de maneira conclusiva se o ferimento foi ou não causado por arma de fogo, Cock e sua equipe decidiram usar tecnologia para examinar o crânio em busca de vestígios de metal na beirada do ferimento. Cock, Goycochea e Murphy levaram o crânio e outros ossos para o renomado centro de ressonância magnética Resomasa, em Lima. Não apareceu nenhum resquício de metal.

Sem desanimar, Cock recorreu ao cientista forense Tim Palmbach, na Universidade de New Haven (EUA), que convocou o Instituto de Ciência Forense do Connecticut Henry C. Lee, da universidade, que conta com uma das instalações mais avançadas do setor. "Tentamos eliminar todos os tipos de causas que pudessem ter provocado o buraco - uma pedra de estilingue, lança, marreta", disse Al Harper, diretor-executivo do instituto. "Queríamos saber o que poderia ter causado aquele padrão de ferimento."

Harper e Palmbach então resolveram examinar o crânio com um microscópio de varredura muito potente. "Todos achamos que teríamos uma chance em um milhão de encontrar algum resíduo de metal em um crânio tão antigo quanto aquele, mas valia a pena tentar", disse Harper.
Mas encontraram. As beiradas dos buracos no crânio e todo o tampão de osso estavam impregnados de fragmentos de ferro, metal às vezes usados na confecção de balas de mosquete espanhol. Parece que uma bala de mosquete com menos de 2,5 centímetros de diâmetro entrou pela parte de trás do crânio e atravessou a cabeça, deixando fragmentos de ferro incrustados no osso, que lá permaneceram durante 500 anos.

"Isto comprova, de maneira conclusiva, que a pessoa foi morta por uma arma de fogo, e que ele é a primeira vítima de tiro a ser identificada na Américas", afirmou Cock. Desde a descoberta da primeira vítima de arma de fogo, parece que duas outras foram identificadas.

Acredita-se que os ferimentos no crânio e nos dois outros corpos tenham sido causados por armas consistentes com as usadas pelos soldados espanhóis da época. As armas usadas para nesses casos foram algumas das primeiras armas de fogo do mundo - a tecnologia militar mais avançada do século 16, de acordo com o historiador militar John Guilmartin, da Academia Militar de West Point (EUA). "Os espanhóis sabiam usá-las", disse.

Cock e sua equipe acreditam que as mortes tenham ocorrido no verão de 1536, durante um levante inca contra os conquistadores espanhóis liderados por Francisco Pizarro, conhecido como o cerco de Lima. Entre os 72 corpos enterrados de maneira apressada, havia várias mulheres e adolescentes. Cock disse que estes não seriam soldados, mas sim ajudantes dos guerreiros, que cozinhavam, carregavam os suprimentos e cuidavam dos feridos.

O mais provável é que os corpos tenham sido enterrados de maneira apressada porque os incas, no meio do levante, não tinham tempo nem recursos para enterrar os mortos da maneira apropriada e tradicional. As covas rasas e os corpos dispostos de maneira caótica, mal acondicionados e sem oferendas, são testemunho do fato de que os incas estavam atarantados demais para terem condições de fazer rituais adequados para o enterro das vítimas.

O cemitério fica a pouco menos de um quilômetro de milhares de múmias incas descobertas em Puruchuco por Cock a partir de 1999. Essa descoberta foi anunciada em abril de 2002 e na reportagem de capa de maio de 2002 da revista National Geographic. Os arqueólogos descobriram o total de quase 1,8 mil múmias enroladas em tecidos e dezenas de milhares de artefatos em Puruchuco.

As escavações em Puruchuco foram financiadas pela National Geographic Society e pela prefeitura de Lima, com licença fornecida pelo Instituto Nacional de Cultura do Peru. A pesquisa de Murphy é financiada pela National Science Foundation.

As novas descobertas em Puruchuco serão apresentadas em "The Great Inca Rebellion" [a grande rebelião inca], um novo especial da NOVA/National Geographic, que estréia na terça-feira, 26 de junho de 2007, no canal público PBS, dos EUA.

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