segunda-feira, 18 de junho de 2007

Van Gogh, o apóstolo das cores

"Terraço do Café em Arles à Noite", 1888

No verão do ano de 1905, Jo Van Gogh-Bonger, a viúva de Théo Van Gogh, finalmente conseguiu organizar a primeira exposição das obras do seu cunhado Vicent Van Gogh. O pintor que havia se suicidado quinze anos antes, em Anvers, na França, no ano de 1890, nunca conseguira vender uma só tela durante a sua vida de artista. A mostra dos 234 telas e 239 gravuras e desenhos, apresentados no Museu Stedelijk de Amsterdam, foi a primeira que abriu caminho para o reconhecimento e consagração universal do grande gênio da pintura contemporânea.

"Minha mais íntima prioridade, a primeira , é que o espírito do meu avô renasça em mim e que me faça ser um cristão, um servidor de Cristo." Vicent Van Gogh, 1879-80

Vida nômade e infeliz

Não se sabe ao certo quando Théo Van Gogh percebeu que por detrás das doidices e bizarrias do seu irmão Vicent, quatro anos mais velho do que ele, ocultava-se um gênio das artes. Talvez quando começaram suas intensas correspondências, ao redor de 1872. Filhos de um pastor da igreja holandesa reformada, nascidos nos grotões da Holanda, em Groote-Zundert, no Brabante, um no ano de 1853 o outro em 1857, praticamente eram irmãos siameses: a dor de um era o sofrimento do outro. Vicent tentara de tudo na vida: de atendente de livraria a pregador evangélico. Um fracasso completo. Depois de um dos tantos desencantos amorosos que sofreu, teve um crise mística que o fez deixar Londres e embrenhar-se em Borinage, na zona carbonífera belga para ir levar a palavra divina aos mineiros.

Lá imaginou-se Jesus, dormindo sobre palhas e mastigando pão duro, levando uma existência sofrida o mais próximo possível de uma expiação. Seus superiores acharam que aquilo era demais e o dissuadiram da carreira ministerial. Nesta ocasião ele fez o esboço dos “Comedores de batata” (depois célebre retrato que se firmará como uma espécie de Santa Ceia dos trabalhadores). Sim, porque em todas ocasiões, como se fosse um possuído, ele não parava de desenhar.

Théo, por sua vez, empregado na Galeria Goupil em Paris, desde 1880 passou a sustentá-lo. Ao redor dos trinta anos a aparência de Vicent era medonha. Seus cabelos vermelhos curtos, seus dentes estragados e suas roupas de mendigo compunham um visual de dar medo, assustador. A isso somava-se o seu temperamento esquisito. Van Gogh era um ouriço. Irritava-se com tudo e com todos, sofrendo surtos pavorosos de demência (supõe-se que resultante da sífilis e do alcoolismo), o que o condenou à solidão, a expressar-se cada vez mais pelas gravuras.

O movimento impressionista

Entrementes, nos campos da França assistia-se a uma revolução. Não pelas armas mas pelas paletas e tintas. Chamados jocosamente de “impressionistas”, uma nova geração de artistas, rompidos com a arte acadêmica, tomaram as aldeias e vilarejos de assalto. Pintavam o que viam. As plantações, as flores e árvores, as nuvens, as pontes, as choupanas do povo miúdo, os camponeses empilhando o feno ou arando a terra, etc... As cores, fortes ou fracas, eram dadas diretamente pela intensidade do sol ou pela ausência dele. Vivam na necessidade, alguns beiravam a miséria.

Não demorou para que Van Gogh, abandonando em 1887 o apartamento do irmão na rua Lépic, nº 54, em Montmarte, Paris, se juntasse a esses apóstolos da cores indo para Arles no sul da França, região onde o sol era intenso. Arrastou consigo a Paul Gauguin que antes havia se fixado em Port-Aven, na Bretanha, liderando uma tribo de uns 20 artistas impressionistas. Foi então que deu-se a explosão da sua paixão pelo amarelo, cor do ouro, do trigo, a cor de Apolo.

Um artista missionário

Théo, entrementes, com pouco sucesso, fazia de tudo para vender as telas daqueles pobres loucos. Vicent transformara a pintura numa missão. Nada mais cristão para ele do que retratar os humildes e os simples em suas funções e a natureza fulgurante, viva e móvel que os cercava. Agiu como se investido como um profeta-pintor produzisse um Sermão da Montanha com pincel e tintas (praticamente inexiste nas telas de Van Gogh uma figura "ilustre" ou de um burguês endinheirado).

Anos depois do suicídio dele, ocorrido em Auvers-sur-Oise, em 29 de julho de 1890, quando pôs fim a sua via dolorosa com um tiro de pistola disparado contra a sua barriga, seu sobrinho registrou que sua mãe, Jo Van Gogh-Bonger, a viúva de Théo (que morreu seis meses depois do irmão), que alugara uma casa em Bussum, no interior da Holanda, tinha as paredes dela repletas com as obras-primas de Vicent. Hoje, somente quatro delas estariam avaliadas entre U$ 250 a 300 milhões de dólares!

A esta brava mulher é que se deve a primeira exposição de 473 obras de Van Gogh no Museu Municipal de Amsterdam, realizada em julho-agosto de 1905. Duas mil pessoas acorreram para vê-las. Ainda riram das telas dele. O que não evitou que o seu nome começasse a ser pronunciado de boca em boca como um fenômeno das artes holandesas, um dos gênios do mundo de hoje.

Portal Terra

http://www.vggallery.com/international/portuguese/letters/main.htm http://www.vggallery.com/international/portuguese/index.html

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