quinta-feira, 21 de junho de 2007

Robô terráqueo procura formas de vida em Marte

O veículo explorador fará as perfurações mais profundas no subsolo marciano, a 2 metros da superfície. A essa profundidade, pode haver alguma vida protegida da radiação cósmica

Como será a missão que buscará formas (microscópicas) de vida enterradas em Marte

O pesquisador americano jeffrey Bada planeja se redimir de ter um dia acabado com a alegria dos entusiastas da vida em Marte. Um estudo coordenado por ele em 1998 mostrou que moléculas orgânicas presentes em um meteorito marciano, encontrado na Antártica em 1984, tinham ido parar na rocha após ela chegar à Terra. Hoje, à frente do Centro de Astrobiologia da Nasa, nos Estados Unidos, Bada comanda o desenvolvimento do mais potente dispositivo de busca de vida extraterrestre já construído. O equipamento será lançado rumo a Marte a bordo da missão ExoMars, programada pela Agência Espacial Européia para 2013. A missão tem como objetivo responder à pergunta que estimula a imaginação da humanidade desde que o astrônomo americano Percival Lowell garantiu ter avistado, no fim do século XIX, uma rede de canais em Marte que seria obra de uma civilização.

A missão ExoMars esquadrinhará Marte em busca de vizinhos como nunca nenhuma missão espacial fez. Ninguém espera encontrar homenzinhos verdes lá, mas pode haver organismos microscópicos. O objetivo é despachar para o planeta um veículo explorador com um laboratório de análises químicas, o Urey. Ele foi concebido para procurar moléculas que indicam a presença de vida, os aminoácidos. Esses compostos de carbono formam as proteínas, que constroem os tecidos dos seres vivos na Terra. “A capacidade do Urey para detectar moléculas orgânicas será 1 milhão de vezes maior que a dos equipamentos já enviados a Marte”, diz Bada.

Além de identificar os aminoácidos, o aparelho também pode analisá-los para verificar se estão associados a alguma forma de vida. “Já foram encontrados aminoácidos em meteoros, mas isso não comprova que há vida fora da Terra”, diz Eduardo Gorab, professor do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo. “Eles podem ter sido produzidos por reações químicas ao acaso entre gases encontrados no espaço.”

Para tirar essa dúvida, o Urey usará uma técnica que explora as propriedades físicas dos aminoácidos. Quando pesquisadores, em laboratório, submetem um grupo de aminoácidos que compõe os seres vivos a um feixe de luz, todas as moléculas desviam o raio luminoso para a esquerda. Se o grupo de aminoácidos tiver sido gerado por reações químicas, no entanto, cerca de 50% das moléculas desviarão a luz para a direita e 50% para a esquerda, numa distribuição ao acaso. Os equipamentos do Urey farão essa análise em solo marciano. “Se um grupo de aminoácidos desviar toda a luz para a direita, isso significará a descoberta de um tipo completamente único de vida”, diz Bada. Se os aminoácidos desviarem a luz para a esquerda, como na Terra, pode significar que a vida em Marte tem alguma relação com a terráquea. Ou que ela se desenvolveu, por coincidência, de forma parecida com a nossa.

A ExoMars procurará por esses sinais de vida em uma fronteira inexplorada por missões espaciais: o subsolo marciano. O veículo que leva o Urey terá uma broca para perfurar o solo e retirar amostras a até 2 metros de profundidade. E é justamente no subterrâneo de Marte que os pesquisadores esperam encontrar algum tipo de vida. Afinal, a superfície marciana não é o melhor lugar para um ser vivo se desenvolver. Ela é constantemente atingida por radiação ultravioleta em níveis letais para a vida. A temperatura média é de 60 graus negativos e não há sinais de água em estado líquido. Já o subsolo marciano parece reunir condições mais amigáveis: temperaturas amenas, proteção contra os raios ultravioleta e, quem sabe, água líquida.

Imagens tiradas com sete anos de intervalo pela sonda Mars Global Surveyor mostram o aparecimento de rastros de água na superfície do planeta. “Esse ‘vazamento’ sugere que em alguma profundidade do subsolo de Marte há água líquida”, diz o astrobiólogo David Grinspoon. “Essas descobertas recentes reforçam a possibilidade de haver vida em Marte ou de pelo menos encontrarmos sinais de algum tipo de vida extinta.” Os pesquisadores não descartam a hipótese de que o planeta já tenha abrigado vida. Marte parece ter sido um lugar bem mais agradável há 4 bilhões de anos. Então, o impacto de um bombardeio de meteoros teria jogado para o espaço os gases que formavam a atmosfera marciana, hoje muito fina. Com isso, o planeta ficou frio e a água líquida que um dia existiu teria congelado.

Apesar da sofisticação da busca que será feita pela ExoMars, é possível que os equipamentos não enxerguem um tipo de vida que não tenha por base compostos de carbono – a única forma de vida que conhecemos. “Se for diferente, não se sabe se conseguiremos detectá-la”, diz o astrônomo Roberto Costa, da Universidade de São Paulo. Essa possibilidade desperta outro tipo de questão entre os astrônomos: o que é a vida, afinal? Por enquanto, a melhor estratégia para descobrir é continuar investigando outros planetas.

A dificuldade de buscar vida extraterrestre é reconhecer sinais dela. Ninguém espera encontrar homenzinhos verdes em Marte, e sim formas mais simples. Pode ser algo como bactérias.

O robô explorador estará equipado com o Urey, um dispositivo que procurará moléculas associadas à vida na Terra, os aminoácidos. O Urey pode indicar se as moléculas encontradas têm ligação com algum ser vivo ou se foram formadas apenas por reações químicas ao acaso.
Marcela Buscato
Época, http://revistaepoca.globo.com/ nº 474 (18-06-2007)

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