Solidariedade entre elefantes e tristeza dos gorilas. Um novo consenso entre cientistas sugere que os bichos têm emoções como os humanos
Nas savanas da áfrica, a bióloga Joyce Poole, do Quênia, teve a certeza de que animais têm sentimentos. Ela observava uma manada de elefantes caminhar em direção a um riacho. O grupo estava mais lento por causa de Babyl, uma fêmea machucada. De tempos em tempos, o líder da manada parava, olhava para trás e procurava Babyl. Quando não a via, dava uma espécie de sinal com a tromba para que todos a esperassem. Já no riacho, um dos elefantes buscou comida e alimentou a amiga debilitada. Outro evento atípico foi relatado pela bióloga Elizabeth Webb. Ela presenciou a morte por velhice de uma fêmea de gorila chamada Ilana Boone, aos 27 anos. No mesmo dia, Bridger, o antigo e fiel companheiro de Ilana, deitou-se ao lado do corpo dela e morreu. A causa da morte de Bridger não foi detectada em exames de laboratório. Um grupo de gorilas rodeou os corpos e permaneceu ali durante dois dias, como se estivessem todos em vigília.
Para os estudiosos do comportamento animal, não existe, aparentemente, vantagem imediata para o bando de elefantes que explique o cuidado com Babyl. A fêmea doente, em princípio, deixava a manada mais vulnerável aos predadores. Também não há razões instintivas que expliquem a atitude dos gorilas diante da morte. Na opinião dos biólogos que relatam as cenas, os gorilas simplesmente ficam tristes, e os elefantes sentem empatia por membros do grupo. Nos últimos dois anos, os principais centros de pesquisa em comportamento animal passaram a concordar que os animais não realizam tarefas cumprindo apenas um roteiro instintivo de preservação da espécie. De acordo com o etnólogo americano Jonathan Balcombe, autor de Reino do Prazer: os Animais e a Natureza de se Sentir bem, as emoções podem gerar vantagens evolutivas. Assim como o medo pode ajudar os animais a evitar o perigo, outras emoções também teriam utilidade.
Os cientistas que acreditam na emoção dos outros mamíferos (além dos s humanos) alegam que as pesquisas recentes apontam cada vez mais semelhanças entre a estrutura cerebral das diversas espécies. Um grupo de células do cérebro é associado à empatia e à emoção social. São chamadas de neurônios-espelhos. Elas também foram encontradas entre chimpanzés.
O neurobiologista americano Jack Panksepp, da Universidade Estadual de Bowling Green, mostrou que pessoas que sofrem por se sentir socialmente excluídas têm seu sistema límbico estimulado. É a mesma região do cérebro ativada em porquinhos-da-índia separados da mãe após o nascimento. Outra descoberta recente mostra que algumas células especializadas do cérebro humano, aparentemente associadas à empatia e à intuição, chamadas fusiformes, também estão presentes em baleias.
Não basta uma espécie ter as mesmas estruturas cerebrais que os humanos para sentir como nós. É o modo como as células e regiões do cérebro funcionam que provoca as emoções. Ainda falta verificar se essas células cerebrais agem da mesma forma na cabeça dos bichos. “Os estudos abriram uma nova janela de compreensão, mas nada é conclusivo até agora”, diz Panksepp, que estudou porquinhos-da-índia. “A polêmica se inicia justamente na interpretação da literatura científica.”
Para começar, ainda não há consenso sobre o que é emoção e o que é sentimento. O neurocientista António Damásio, da Universidade de Iowa, é autor da teoria de comportamento animal mais aceita entre os cientistas. Na visão dele, os animais se emocionam, mas não têm sentimentos. Os animais teriam emoções primárias como medo, raiva, repulsa, alegria e tristeza. Essas emoções são respostas físicas quase instintivas do corpo a determinados estímulos. O segundo nível de emoções seriam as sociais, como simpatia, constrangimento, vergonha, orgulho e inveja. Essas emoções ajudariam os bichos a conviver em grupo. “Gorilas ficam arrogantes para ganhar o respeito do grupo e cães dão sinais de constrangimento quando levam bronca de seus donos”, afirma. O nível mais alto da emoção, para Damásio, seriam os sentimentos, que surgiriam a partir da reflexão e da consciência. “Não só ficamos alegres como temos a consciência de que estamos alegres. Isso não ocorre em animais.”
O primeiro cientista a propor que os animais se emocionam foi o naturalista britânico Charles Darwin. Em A Expressão das Emoções no Homem e nos Animais (1872), ele relata as semelhanças entre atitudes humanas e de outros animais. No século passado, no entanto, consagrou-se a idéia de que os bichos têm padrões de comportamento instintivos rígidos e que, por isso, seriam desprovidos de emoção. O assunto só voltou ao debate recentemente com a apresentação de novos estudos científicos.
Pessoas que atribuem características humanas a outros animais, sem provas científicas, são chamadas de antropomorfistas. “As pessoas me acusam desse palavrão quando eu digo que um animal está triste no zoológico”, diz o biólogo Marc Bekoff, da Universidade do Colorado. “No fundo, elas querem me convencer que o animal está feliz ali. Elas próprias usam argumentos antropomórficos.” Independentemente da motivação, enxergar sentimentos nos animais está estimulando a investigação científica. “Para mim, acreditar que os animais se emocionam é apenas uma motivação para minhas pesquisas, como outras tantas que movem os cientistas”, diz o psicólogo Marc Hauser, da Universidade Harvard.
Luciana Vicária
Época, nº472 (04-06-2007)
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