sexta-feira, 1 de maio de 2009

Saudades de Ayrton Senna, o piloto-espetáculo

Ayrton Senna em seu último GP do Brasil. Foto Julio Cesar Guimaraes / 25.03.1994


Até hoje não consigo esquecer o momento, em Ímola, em que, correndo para a Tamburello, encontrei o italiano Angelo Orsi, fotógrafo da revista "Autosprint" e amigo de Ayrton. As lágrimas corriam pelo seu rosto aturdido e, com os olhos arregalados, me disse, em tom de desespero:

- Não vá até lá. Ele está em situação crítica. É o fim.

Quinze anos se passaram. O combativo Ayrton Senna, que nunca se calava diante das coisas que não lhe pareciam corretas, foi embora de modo silencioso. O choque, a inconsciência, a morte sem uma palavra sequer. O personagem especial, que durante toda sua vida teve a determinação como sua maior força, levou com ele o mistério maior. Por que o Williams foi direto contra o muro da Tamburello?

Um dia, no meio do ano de 1994, em companhia de Giancarlo Faletti, jornalista do "Corriere della Sera", fui visitar a fábrica da Dallara. Fomos recebidos pelo chefão Gian Paulo Dallara, um especialista em chassis e que já tivera um time de Fórmula-1. Não resisti e perguntei a ele o que poderia ter acontecido em Ímola. A resposta que ouvi me emocionou.

" Se há uma certeza na trajetória de Senna pela F-1 é a de sua enorme competência para fazer uma volta rápida. Nesse quesito, ele é o numero um da história "

- O piloto se chamava Ayrton Senna, a partir daí só posso crer que houve algum problema com o carro.

Nunca saberemos exatamente o que aconteceu. Frank Williams admitiu a quebra da barra de direção, mas o projetista do carro, Adrian Newey, hoje na Red Bull, até hoje não se julga capaz de um diagnóstico definitivo.

Aquele começo de ano foi complicado para o time inglês. O regulamento sofreu mudança radical, com a proibição da suspensão ativa, ajuda eletrônica que havia garantido para a Williams-Renault os títulos de 1992, com Nigel Mansell, e 1993, com Alain Prost.

Há duas temporadas em rota de colisão com Ron Dennis na McLaren, desde o inicio da temporada de 1992 Ayrton não poupava elogios ao carro de Sir Frank. Dizia abertamente que com ele seria campeão do mundo e que por aquele cockpit topava até abdicar do salário. Retórica que não funcionou. Prost, que vinha de um ano sabático, por ser francês (o motor era Renault, não se esqueçam), foi o escolhido para o lugar de Mansell que, aborrecido com o desprezo da equipe, decidiu correr nos Estados Unidos.

Senna, carne de pescoço, não desistiu de seu objetivo e continuou em 1993 com sua campanha para correr pela Williams. Em agosto fui encontrá-lo no hotel em que morava em Londres. Informaram-me que havia saído para uma reunião com Frank Williams. Sentei nas confortáveis poltronas do elegantíssimo Berkeley, às margens do Hyde Park, e esperei por mais de duas horas até vê-lo surgir com pesada pasta nas mãos e enorme sorriso no rosto.

- Futuro decidido? - perguntei.

- Ainda não, mas só faltam pequenos detalhes. Não posso dizer nada além disso.

Senti que o acordo estava feito, mas que Senna me fecharia todas as portas se eu avançasse o sinal. Inteligente, ele percebeu a gentileza e, em fins de setembro, na sexta-feira que antecedia o Grande Prêmio de Portugal, no Estoril, me deu o esperado recado. Quando lhe perguntaram se estava confirmada sua ida para a Williams, olhou ironicamente para onde eu estava e emendou: perguntem ao Celso, ele pode responder. Fiz o meu papel, disse que não entendi a insinuação.

" Se Schumacher era excelente estrategista, um mago da concentração e do cálculo da corrida, Ayrton era adorado mundialmente por sua paixão pelo combate, por ser o piloto-espetáculo "

Os primeiros testes com o Williams-Renault de 1994 foram terríveis. Sem a suspensão inteligente, Newey teve que fazer um carro novo. Eu e Pedro Bial, na época repórter da TV Globo em Londres, únicos jornalistas brasileiros na pista de Paul Ricard, vimos um Ayrton cabisbaixo e preocupado. A falta de estabilidade da traseira era evidente e nas curvas ele tinha que lutar para manter o carro no asfalto.

A temporada começou e o talento de Ayrton mascarou o problema. Se há uma certeza na trajetória de Senna pela Fórmula-1 é a de sua enorme competência quando se tratava de fazer apenas uma volta rápida. Arrisco dizer que, nesse quesito, ele é o numero um da história. Seu talento natural permitia que corresse enormes riscos e fez com que, mesmo tendo na mão um trator, conseguisse a pole nas três primeiras corridas de 1994: os Grandes Prêmios do Brasil, em Interlagos; do Pacífico, em Aida, no Japão; e de San Marino, em Ímola. Nas duas primeiras, não terminou; na terceira, sofreu o acidente fatal.

A história se incumbiu de mostrar que Senna estava certo ao escolher a Williams. O talento de Adrian Newey conseguiu, durante a temporada, acertar o carro de maneira primorosa. A tal ponto, que a equipe venceu com facilidade entre os construtores e Michael Schumacher só se tornou campeão do mundo na ultima corrida, na Austrália, menos por seus méritos e mais pela incompetência de Damon Hill, o companheiro de equipe de Senna.

Enquanto Schumacher esteve nas pistas choviam mails me perguntando quem era melhor, se o alemão ou Ayrton. Nunca fui capaz de responder. Não sei. Só lamento que não tenhamos tido a oportunidade de assistir a esse confronto. Seria uma luta de pesos pesadíssimos, de gigantes com qualidades diferentes. Se Michael era excelente estrategista, um mago da concentração e do cálculo da corrida, Ayrton era adorado mundialmente por sua paixão pelo combate, por ser o piloto-espetáculo.

Tenho saudades dos muitos e muitos bons momentos que Ayrton Senna me proporcionou. Não me refiro a façanhas grandiosas como a de Donington Park, mas a coisa mais prosaica, habitual. Eu costumava chegar ao autódromo na quinta-feira e desde o momento em que colava o adesivo, marcando meu lugar na sala da imprensa, toda minha expectativa estava voltada para o sábado à tarde, para o treino de classificação. Havia em mim - e não estava sozinho - a certeza de que seria brindado, no ultimíssimo minuto, com uma explosão de emoções, a exibição de gala de Ayrton Senna.

Eu as vi às dezenas. E delas nunca vou esquecer.

Celso Itiberê, colunista do GLOBO, participou da cobertura da F-1 da década de 70 a 1995

http://oglobo.globo.com

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