Numa tarde de primavera em 1726, um ano antes de sua morte, o físico inglês Isaac Newton sentou-se no jardim para tomar chá com um amigo, o antiquário William Stukeley, que se tornaria seu biógrafo. Apontando para as macieiras em volta, o pai da ciência moderna relatou como tiveram início as investigações que o levaram a formular a lei da gravidade, a explicar o movimento dos planetas e, em última análise, a finalmente dar um sentido a tudo o que acontece no universo. Newton disse-lhe que tudo começou quando viu uma maçã cair da árvore, o que o levou a perguntar: por que a maçã não se move para os lados ou para cima? Só pode ser porque uma força a atrai para a Terra, ele concluiu. A descrição desse diálogo consta do manuscrito elaborado por Stukeley em 1752, Memoirs of Sir Isaac Newton’s Life (Memórias da Vida de Sir Isaac Newton), que desde a semana passada pode ser lido na internet.
O documento encontra-se guardado na Royal Society, a lendária associação de cientistas ingleses. Neste ano, ela completa 350 anos de existência, e, para celebrar a data, a entidade decidiu publicar em seu site vários documentos famosos. Além do manuscrito de Stukeley, podem ser lidos no site originais do filósofo inglês John Locke, entre outros documentos. Todos esses textos podem ser encontrados em edições impressas - mas a leitura do original, com a letra do autor, tem especial sabor. "O episódio de Newton com a maçã é um dos mais famosos da ciência, por isso resolvemos publicá-lo", disse a VEJA Keith Moore, diretor da biblioteca da Royal Society.
A leitura de William Stukeley serve para desmentir duas falácias comumente associadas ao episódio de New-ton com a maçã. O primeiro é que a maçã teria caído sobre sua cabeça. Essa informação sempre rendeu ilustrações e charges divertidas, mas não é verdadeira. A segunda é que, diante da maçã caindo da árvore, Newton teria tido um estalo genial e formulado a lei da gravitação universal. Ele ainda levaria vinte anos se debruçando sobre seus estudos até publicá-la em sua obra mais conhecida e mais notável, Princípios Matemáticos da Filosofia Natural, conhecida pela abreviatura Principia. A história da ciência é rica em episódios nebulosos, mais conhecidos por versões deturpadas ou cuja veracidade é duvidosa (veja quadro abaixo).
Foi justamente por meio da Royal Society que Isaac Newton publicou a Principia. Na obra, ele disseca a primeira lei verdadeiramente universal da natureza produzida pela ciência. New-ton explica que existe uma força de atração entre todos os corpos do universo, relacionada à sua massa e à distância entre eles. Isso explica por que os planetas giram em torno do Sol e a Lua gira em torno da Terra. É também por isso que os homens e os animais não são lançados para o espaço, mesmo com a Terra girando a mais de 1 600 quilômetros por hora na região do Equador (essa velocidade diminui à medida que se aproximam os polos). A lei explica ainda os movimentos das marés, resultado da atração da massa lunar sobre as águas dos oceanos. Além disso, a Principia contém os fundamentos da mecânica clássica:
• Lei da inércia - Todo objeto tende a ficar parado ou em movimento uniforme, a não ser que uma força aja sobre ele.
• Princípio da dinâmica - A aceleração de um objeto é proporcional à força aplicada sobre ele.
• Princípio da ação e reação - A toda ação corresponde uma reação, de mesma intensidade, mas em sentido oposto.
A publicação da Principia rendeu a Newton fama imediata. Suas teorias forneciam explicações para um conjunto tão grande de fenômenos, tanto no mundo palpável do dia a dia quanto nas esferas celestes, que mudaram a compreensão que as pessoas tinham do mundo à sua volta. Embora festejado, Newton manteve o comportamento excêntrico que sempre o caracterizou. Solitário, com fama de teimoso e mal-humorado, colecionou uma série de extravagâncias. Era religioso, mas pertencia a uma seita herética chamada arianismo, que negava a Santíssima Trindade. Em 1936, o economista John Maynard Keynes arrebatou num leilão um maço de trabalhos de Newton e constatou, surpreso, que eles relatavam experiências no campo da alquimia - tentativas de transformar metais comuns em metais preciosos. Nenhuma dessas esquisitices apaga o brilho formidável do cientista que mudou a percepção da humanidade a respeito do mundo - a partir de uma simples maçã.
Nenhum comentário:
Postar um comentário