“Compañero Chávez, lamentei sua derrota no referendo pela reeleição eterna” (Lula para o presidente venezuelano, em Caracas, na sexta-feira).
“Compañero Lula, também lamentei sua derrota pela prorrogação da CPMF” (Chávez para o brasileiro). Esse diálogo é fictício. É provável que nenhum dos presidentes tenha lamentado a frustração do outro. Mas o encontro revelou sorrisos amarelos de líderes que se consideravam imbatíveis e acabam de sofrer derrotas históricas.
Lula encolheu. Achou que tinha mais aliados no Congresso do que tem na realidade. Chávez também encolheu. Achou que tinha o país inteiro na mão. Há imensas diferenças entre os dois presidentes. Perto de Chávez – o presidente mais “mala” e inconveniente da América Latina –, Lula é um modelo de simpatia e educação. Chávez abomina o presidente dos Estados Unidos, George W. Bush. Lula e Bush trocam agrados toda vez em que se encontram, demonstrando uma empatia genuína e mútua.
O líder venezuelano é belicista e se mete onde não é chamado – como na negociação para libertar Ingrid Betancourt, a refém mais famosa das Farc, a guerrilha colombiana. O líder brasileiro é tão diplomata e adepto da não-intervenção que poderá até ser convidado pelo presidente da Colômbia, Álvaro Uribe, a negociar com os guerrilheiros a libertação de Ingrid. Mesmo legitimado pelo voto popular maciço, o coronel Chávez se comporta como um penetra em reuniões de cúpula, ignorando toda a liturgia. O civil Lula costuma se comportar como um convidado especial e VIP. Suas gafes em visitas internacionais (como à Namíbia, “tão limpa e bonita que nem parece a África”) vão para o capítulo do folclore, da inocência estabanada de alguns políticos. Lula não protagoniza provocações grosseiras. Lula não é bobo.
Guardadas as diferenças, Chávez e Lula compartilham hoje um sentimento delicado, o da derrota imprevista. Pior, uma derrota cavada por eles. Pela arrogância, falta de inteligência na negociação, inflexibilidade dos que se julgam auto-suficientes, dificuldade de perceber que os pleitos de ambos eram tão impopulares. A maioria dos venezuelanos apóia Chávez, mas não para sempre nem com plenos poderes. Ele insistiu, berrou, chantageou, jogou sujo prometendo reduzir a jornada de trabalho semanal se os eleitores o consagrassem presidente vitalício. E perdeu. A maioria dos brasileiros apóia Lula. Mas a CPMF, em todas as pesquisas, era rechaçada por mais de 60%. O apelido – “o imposto do cheque” – pegou e soava injusto. Os venezuelanos não quiseram transformar um presidente provisório em permanente. Os brasileiros não queriam que um imposto provisório (criado para beneficiar a Saúde mas desvirtuado) se tornasse permanente.
Lula insistiu, berrou, chantageou, ameaçou os senadores com uma caça às bruxas. Disse que o Brasil não sobreviveria ao fim da CPMF. Negou-se a prorrogar o imposto por apenas um ano. Queria tudo. E perdeu tudo. Lula, que adora metáforas futebolísticas, sabe que entrou de salto alto no campo, desesperou-se nos descontos após o tempo regulamentar, abriu as pernas, tentou virar o placar, mas já era tarde.
No abismo, também se reconhecem os líderes. Chávez chamou o desfecho do referendo de “vitória de m...” da oposição. Lula qualificou sua derrota de “coisas da democracia”.
Ruth de Aquino, redatora-chefe de ÉPOCA
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