terça-feira, 11 de dezembro de 2007

O ocaso do coronel

O coronel deve estar triste.
Como todo líder autoritário, pensou que sua vontade iluminada ecoaria na alma do povo como a revelação de um paraíso terrestre. De repente, os venezuelanos lhe disseram um não contundente e, pela primeira vez, mostraram que não crêem mais no engodo que consiste em dar todo o poder ao guia supremo para que se faça automaticamente a felicidade geral. O povo virou as costas ao profeta.

A primeira e maior mensagem do episódio é que nossa América Latina já amadureceu e dá preferência ao equilíbrio democrático sobre as propostas excessivamente voluntaristas e cerceadoras das liberdades públicas.

Em nosso tempo, quando a primazia é dada, na maior parte dos países, ao respeito do pluralismo político, à tolerância com a diversidade e à gestão correta da coisa pública, cada vez haverá menos espaço para governantes prepotentes.

Em nossa região, não germinam mais como antes as sementes do ódio de classes, da repressão aos que divergem, da truculência com os vizinhos, do desrespeito às normas da boa convivência internacional.
A democracia é uma conquista dos povos da América Latina e a ela não se renuncia.

A segunda conclusão é que já começou o ocaso do coronel . Esse político — que se achou Bolívar reencarnado e já está no poder há nove anos — queria, agora, ter um mandato popular para ficar até 2050.

Usou todo o repertório da mais barata demagogia para embrulhar seu delírio de ambição em embalagem sedutora para o povo. Perdeu, o povo não é bobo. Chávez faz um governo desastroso: a inflação está quase na casa de 20% ao ano, o déficit público sobe ao galope, a empresa estatal de petróleo PDVSA é sangrada e não consegue evitar uma queda crescente da produção. No campo internacional, só na América Latina, Chávez já se incompatibilizou com os presidentes da Colômbia, do México, do Peru, do Chile, para não mencionar da Espanha, mãe-pátria da Venezuela. Os únicos que o recebem de braços abertos são os governantes radicais do Irã e da BieloRússia, além, naturalmente, do decano dos ditadores, Fidel Castro.

Entretanto, se eu conheço um pouco o coronel (e já perdi bastante tempo conversando com ele), as coisas não vão ficar assim. Chávez é obstinado, inteligente, fanático. Como diria Nelson Rodrigues, um possesso.

Vai procurar toda sorte de desculpas para explicar a derrota, vai encontrar e punir culpados, vai deblaterar e vai tentar novamente empurrar seu projeto totalitário. Pela razão ou pela força.

Mas o povo venezuelano já mostrou que não se agacha. A oposição, que durante vários anos foi politicamente inábil, agora criou alma nova, pois conseguiu passar à sociedade venezuelana a mensagem de que o coronel é um mau governante e um perigo para as liberdades públicas. Surgiram novos protagonistas na resistência a Chávez: estudantes, jornalistas, muitos de seus ex-companheiros vieram às ruas por vontade própria e não arrebanhados em ônibus, como as multidões de vermelho, à semelhança dos antigos currais eleitorais dos nossos grotões. Eles não tiveram medo da polícia política, dos valentões das tropas de choque chavistas, da truculência de um governo que fecha órgãos da imprensa que o criticam e confisca a propriedade privada.

O coronel já começa a sua descida irrefreável, mas não vai desaparecer suavemente no horizonte. Vai fazer de tudo, como, aliás, já anunciou horas depois da derrota, para virar o jogo a favor de seu projeto “bolivariano” de perpetuação no poder. Além da resistência que os venezuelanos saberão lhe opor, agora que o derrotaram, é essencial que do exterior lhe cheguem sinais de moderação e espírito democrático.

Contraproducente seria, porém, que, agora que caiu do pedestal, Chávez se sinta acuado. Seu instinto seria de luta e provocação. Ao nosso presidente, em particular, cabe a tarefa delicada, mas muito importante, de fazer ver ao coronel que não se deve recrudescer na derrota, e que é preciso ouvir a voz das urnas.

Com suas credenciais comprovadas de democrata e de moderado, Lula precisa ajudar a conter os arroubos autoritários de Chávez.

Os nove anos de chavismo marcaram profundamente a Venezuela, criando ódios e rancores que hoje dividem uma sociedade antes cordial e democrática. É necessário evitar que o coronel jogue com mais empenho a carta da divisão e do antagonismo social. O ocaso do coronel começou, mas a História está repleta de finais trágicos.

Luiz Felipe Lampreia, embaixador.
Foi Chanceler do Brasil.

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