sexta-feira, 21 de dezembro de 2007

A mentira

Como agente do FBI, o americano Joe Navarro, 58 anos,teve papel fundamental na consolidação dos estudos sobre a mentira. Nos últimos trinta anos, ele rastreou mais de 100 sinais típicos de um mentiroso, uma base de dados usada em dezenas de países. Atualmente, Navarro é um dos responsáveis pela formação de novos quadros no FBI. Ele deu a seguinte entrevista ao repórter Marcos Todeschini, da revista VEJA.

O senhor consegue flagrar qualquer pessoa na mentira?

Infelizmente, não. Depois de trinta anos dedicado à tarefa de rastrear mentirosos, sou forçado a reconhecer um fato frustrante: 10% deles são capazes de enganar um agente experiente e passam incólumes pelos melhores detectores de mentira. Essas pessoas se distinguem das demais pela rara habilidade em camuflar os sinais típicos da mentira. Eles são mais de uma centena, devidamente catalogados por meio de estudos científicos.

Quais são os sinais físicos mais comuns num mentiroso?

As estatísticas estão no livro do FBI: quase todo mentiroso treme, sua, engole em seco, leva as mãos ao pescoço, tem os batimentos cardíacos acelerados e as pupilas dilatadas. São, basicamente, manifestações físicas de medo. Um mentiroso sempre sabe que está em situação de perigo. A construção da mentira é, afinal, um processo extremamente racional, engendrado na região da mente ligada à razão – e não às emoções. A reação das pessoas à própria mentira, por sua vez, chama atenção justamente pelo contrário: ela é instintiva.

Como algumas pessoas conseguem controlar reações dessa natureza?

Não existe um talento especial para a dissimulação, mas, sim, um aprimoramento da habilidade de mentir por meio da repetição. Em suma: quem mente mais mente melhor. Fiz um estudo sobre diferentes profissionais e concluí que os advogados e os políticos são, de longe, os cam-peões no disfarce da mentira. Eles certamente praticaram muito para ter chegado lá.

E o senhor, é tão habilidoso quando mente?

Em geral, sim. Como agente do FBI, aprender a mentir é pré-requisito básico para enfrentar situações das mais diversas, como uma troca de identidade ou a simulação de reações diante de um investigado. Quando a mentira é arriscada demais, no entanto, às vezes minha atitude é igual à de alguém que jamais ouviu falar de toda essa teoria.

O senhor mapeou as principais motivações para a mentira?

Sim, e elas não são exatamente um reflexo das sociedades modernas. Os registros históricos sobre as comunidades mais primitivas reforçam a idéia de que a espécie humana sempre mentiu por duas razões. Primeiro, por uma questão de boa convivência social. Seria intolerável viver num lugar onde as pessoas só falassem a verdade, sem nenhum tipo de filtro. A segunda grande motivação para a mentira diz respeito a um lado menos nobre da espécie. Esse é um recurso tradicionalmente usado para as pessoas tirarem vantagem umas das outras.

Há um tipo de sociedade em que a mentira é mais rara do que em outras?

Não. Sempre me perguntam por que as pessoas costumam mentir menos em cidades menores, longe das selvas metropolitanas. Esse é um fenômeno mensurado por meio de pesquisas. Só há uma explicação possível para ele – e não tem relação nenhuma com a visão idílica segundo a qual essas pessoas são mais honestas. Elas mentem menos apenas porque, em cidades menores, têm mais medo de ser desmascaradas.

O que o senhor descobriu depois de pesquisar a mentira em quarenta países?

Os povos mais habilidosos na mentira são os daqueles países onde as pessoas são incentivadas a esconder os sentimentos desde cedo. Naturalmente, elas têm mais facilidade em dissimular sem emitir os sinais típicos da mentira.

Os brasileiros mentem bem?

As pessoas no Brasil abusam de gestos e expressões faciais para expressar seus sentimentos – e mentem muito mal.

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