quinta-feira, 20 de dezembro de 2007

Que o petróleo não embote nosso cérebro

A recente descoberta do potencial do campo petrolífero chamado Tupi e a possibilidade de que isso possa dar qualificação ao Brasil para fazer parte da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep) deixaram muita gente entusiasmada. A mim, não. Por quê? Basta olhar a lista dos dez primeiros integrantes da Opep: Arábia Saudita, Irã, Iraque, Kuwait, Emirados Árabes Unidos, Venezuela, Rússia, Líbia, Nigéria e Casaquistão.

São todos países onde os regimes estão em mãos de um grupo oligárquico fechado, as liberdades democráticas estão asfixiadas, falha a saudável rotatividade do poder e a liberdade de expressão é tolhida de forma sistemática. São países em que a economia é um samba de uma nota só. Sociedades que não se destacam nem pela inovação nem pela criatividade.

Será que têm razão os economistas que sustentam a “teoria da maldição dos recursos naturais”? Segundo essa tese, territórios plenos de riquezas naturais condenam automaticamente os povos que os habitam a ser indolentes e escravos de minorias cruéis.

Alguns países contradizem a teoria. A Noruega tem petróleo em abundância, e lá a esquerda e a direita se alternam civilizadamente no poder, a sociedade é próspera e mais igualitária. Os Estados Unidos são ricos não somente em petróleo, mas também em vários tipos de recursos naturais. Por isso, é bom olhar essa questão do petróleo sem ufanismo nem pessimismo. O mais importante é não se iludir com a riqueza que vem na forma de loteria. O que faz diferença para uma sociedade se desenvolver é a possibilidade de indivíduos canalizarem a energia e a vitalidade de seus neurônios. São cérebros e a atitude das pessoas, e não os recursos naturais. Ponto final.

Muito além do bilhete premiado de Tupi, o Brasil tem indicadores de que os neurônios estão buscando fontes de nutrição. Não os dos políticos, é claro. Exemplos? Associações empresariais começam a sair de seus mundinhos de lobbies e interesses meramente setoriais e começam a se juntar para pensar de forma integrada a realidade do país. Só no ano passado diversas entidades produziram sólidas e interessantes visões estratégicas. Algumas em âmbito nacional, como a Confederação Nacional das Indústrias, ou em âmbito local, como algumas federações do comércio, associações comerciais e clubes de diretores lojistas pelo Brasil afora. Na sociedade civil, estão sendo criadas ou revitalizadas instituições do tipo tanques-de-pensar (organizações dedicadas a estudos em áreas como estratégia, economia, tecnologia etc., inspiradas nos célebres think tanks americanos). Exemplos estão brotando aos montes: o Instituto Millenium, o Instituto DNA, o Instituto Liberal, o Centro Brasileiro de Relações Internacionais...

A fome de prosperar pelo conhecimento e pela qualificação está criando um mercado salutar no Brasil. O melhor exemplo está na Bolsa de Valores, não nas ações de governos: três grupos empresariais de grande porte realizaram bem-sucedidas operações de captação de recursos na Bolsa para expansão, mirando o brasileiro de renda baixa e média como cliente de educação. Foram o Grupo Kroton (Pitágoras), a Anhangüera Educacional e a Universidade Estácio de Sá. Há ainda as escolas de negócio que estão presentes hoje em mais de cem cidades.

O Brasil não é mais o país do futuro. É o país do agora. E torna-se cada vez mais complexo. As respostas fáceis e velhas não resolverão os desafios à frente. Vamos ter de nadar com força para longe da miragem do mar de petróleo que a demagogia de alguns políticos e o ufanismo de alguns bem-intencionados querem nos vender. O petróleo é bem-vindo, claro. Mas o que faz diferença, para um país, é a capacidade dos indivíduos de inventar respostas criativas e manter uma atitude empreendedora.

Ricardo Neves, consultor de empresas
Época, Ed. 500 - 17/12/2007

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