Quando Oscar Niemeyer nasceu, fez 100 anos neste sábado, dia 15, o presidente do Brasil era Afonso Pena, o dos Estados Unidos Theodore Roosevelt, o primeiro-ministro da França Georges Clemenceau e o rei da Inglaterra Edward VII. O papa era Pio X e a Rússia vivia sob o regime do czar Nicolau II, acossado em seus limites pelos impérios Austro-Húngaro e Otomano. Nestes 100 anos, Niemeyer viu passar 23 presidentes do Brasil, sem contar as juntas militares e os interinatos, dezoito presidentes dos Estados Unidos e nove papas. Viu nascer e morrer a União Soviética, a revista O Cruzeiro e o long-play.
No ano de seu nascimento, ainda viviam Machado de Assis, Joaquim Nabuco e Euclides da Cunha. O barão do Rio Branco era o ministro das Relações Exteriores. Rui Barbosa brilhou em Haia como chefe da delegação brasileira à Conferência de Paz. A República fora proclamada havia não mais que dezoito anos e havia só um pouco mais de dezenove que se decretara a abolição da escravatura. A princesa Isabel, aos 61 anos, cumpria com os filhos e outros parentes a pena do exílio na Europa. Carlos Drummond de Andrade era um pirralho de 5 anos, mesma idade de Juscelino Kubitschek. Luís Carlos Prestes tinha 9 anos e Di Cavalcanti 10. Mais crescidinho, Mário de Andrade, aos 14 anos, estudava no Ginásio Nossa Senhora do Carmo, em São Paulo. O jovem Getúlio Vargas, aos 24 anos, formava-se em direito, sendo escolhido orador da turma. Santos Dumont, aos 34 anos, vivia a glória de, no ano anterior, ter-se exibido no 14 Bis.
Já um homem maduro, Lenin, aos 37 anos, deixava a Rússia, naquele dezembro de 1907, para sua segunda temporada de exílio. Ainda estava a dez anos de distância de comandar a revolução que marcaria o jovem Niemeyer para a vida inteira. Stalin tinha 28 anos. Hitler, aos 18, deixava a Linz de sua infância para tentar, em Viena, inscrever-se (sem sucesso) na Escola de Belas-Artes. James Joyce, aos 25 anos, ainda estava a quinze de publicar Ulisses, e a Marcel Proust, aos 36, faltavam seis para publicar No Caminho de Swann, o primeiro volume de Em Busca do Tempo Perdido. Picasso, aos 26 anos, pintou, naquele 1907, Les Demoiselles d’Avignon, o quadro inaugural do cubismo. Freud, aos 51 anos, só no ano seguinte fundaria a Sociedade de Psicanálise de Viena.
Ponto culminante das reformas do prefeito Pereira Passos na cidade natal de Niemeyer, a Avenida Central, hoje Rio Branco, havia sido inaugurada no ano anterior. Na Avenida Central, em 1907, surgiram os primeiros estabelecimentos que ofereciam sessões contínuas de cinema. O Teatro Municipal só seria inaugurado dois anos depois. Para se ouvir a primeira estação de rádio haveria ainda dezesseis anos de espera. O Fluminense, como clube de futebol, tinha cinco anos e o Botafogo três. Flamengo e Vasco não existiam.
Mies van der Rohe, que viria a ser um dos papas da arquitetura moderna, fez sua primeira casa nesse ano de 1907. Le Corbusier também. Van der Rohe tinha 21 anos, Le Corbusier 20. Em Barcelona, Gaudí, aos 55 anos, estava no auge. Terminara a Casa Batlló no ano anterior e agora trabalhava na Casa Milá. Frank Lloyd Wright, aos 40 anos, vivia a fase das prairie houses, as casas feitas para se integrar aos arredores bucólicos das cidades americanas. Rino Levi, que viria a ser uma referência na arquitetura paulista, tinha 6 anos. Lucio Costa, que exerceria papel semelhante no Rio de Janeiro, tinha 5. Vilanova Artigas (de 1915) ainda não tinha nascido.
Também não tinham nascido Guimarães Rosa (de 1908), Jorge Amado (1912) nem Vinicius de Moraes (1913). Muito menos eram nascidos Jânio Quadros (de 1917) e João Goulart (1919). Oscar Niemeyer nasceu antes até que Carmen Miranda (de 1909), que Noel Rosa (1910) e que a I Guerra Mundial (1914). Observado nessa perspectiva, seu percurso é espantoso. Quando ele nasceu, tudo ainda estava por acontecer.
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De acordo com o IBGE, os brasileiros com 100 anos ou mais eram, em 2006, 17.685 (Pnad/06). Isso representava 0,001% da população de 187 milhões. Dos centenários, 13.083 eram mulheres e 4.602 eram homens. O doutor Wilson Jacob Filho, professor titular da cadeira de geriatria da Faculdade de Medicina da USP, aponta, com base em tais dados, quatro excepcionalidades, no caso de Oscar Niemeyer. A primeira é ele ingressar no minguado clube dos centenários. A segunda é alçar, sendo homem, a um clube em que o sexo masculino está em desvantagem de um para três com relação ao feminino. A terceira é chegar a essa idade em ótimas condições de saúde mental. A quarta, e mais extraordinária, é não apenas seguir trabalhando, mas envolver-se com projetos que muito provavelmente não verá concretizados. "Não é que ele não saiba que tem pouca probabilidade de vê-los", diz Jacob. "É que ele não dá importância a isso." A regra, para os velhos da idade dele, é viver imerso no passado. Para Oscar Niemeyer "ainda há um amanhã".
Roberto Pompeu de Toledo
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