Depois do rei da Espanha, este domingo (2) foi a vez de a maioria dos eleitores que participaram do referendo na Venezuela mandar Hugo Chávez calar a boca. Nenhum conseguirá. As primeiras palavras do presidente venezuelano após a derrota foram bastante enfáticas. Ele disse que não conseguiu aprovar “desta vez” as reformas que lhe teriam dado poderes de ditador. E que continuará tentando.
Talvez seja um elemento extraordinariamente positivo da revolução da informação e da rapidez com que o planeta inteiro participa de eventos políticos nos lugares mais distantes entre si o fato de que Chávez não possa simplesmente passar um trator por cima da derrota (que ele claramente considera apenas um percalço no caminho de seu confuso “socialismo bolivariano”).
Indivíduos têm papéis bastante destacados nos acontecimentos e boa parte das causas da derrota tem de ser procurada na própria figura de Chávez. Há uma categoria (totalmente não científica e totalmente subjetiva) ao se tentar entender o comportamento de eleitores e ela seria definida como “cinismo pragmático” -observado tanto na reeleição de George W. Bush, em 2004, quanto no resultado do referendo na Venezuela, no último domingo.
De uma forma que as pesquisas de opinião mal conseguem captar (quando tentam estabelecer quais fatores levam a qual tipo de comportamento), eleitores votam, em geral, em favor das próprias expectativas. No caso americano de 2004, apesar do já então flagrante desastre do Iraque, a maioria dos eleitores americanos viu em Bush a continuação de um regime econômico que, basicamente, permitia que o consumidor pudesse viver acima de seus recursos (o resultado, hoje, é um grave perigo de recessão nos EUA).
Os venezuelanos percebem que Chávez é um candidato a ditador disposto a comprar seu caminho rumo à tirania através da distribuição de benesses retirados dos US$ 60 bilhões anuais que a Venezuela junta vendendo petróleo. Mas percebem claramente também que ele é um fanfarrão. Há algo de cômico e tipicamente caribenho -entendido como uma ginga tropical inconseqüente e malandra, ao mesmo tempo divertida e preguiçosa, exagerada nas cores, palavras, ritmos, quantidades e temperos- no coronel auto-intitulado salvador da América Latina.
Chávez é carismático mas, por ser um desequilibrado e paranóico (como muitos ditadores), é ao mesmo tempo o pior inimigo de si mesmo. Tem causado profundo mal-estar suas constantes intervenções agressivas (na ONU, por exemplo), a maneira como desrespeita chefes de Estado, como interfere nos negócios de países vizinhos, como profere ameaças a adversários (que ele só define como inimigos mortais) domésticos e externos, reais ou, na maior parte das vezes, resultantes apenas de sua retórica abusiva e grosseira. Chávez encheu a paciência até dos venezuelanos.
Existe aqui um paralelo interessante entre o que aconteceu na Venezuela no domingo e o ocorrido nas eleições parlamentares russas também neste fim de semana -denunciadas como fraudulentas por vários organismos e que deram ao presidente Vladimir Putin (já chamado de Czar) poderes só comparáveis aos dirigentes da extinta União Soviética. Neste sentido, é importante notar que o petróleo é apenas um elemento superficial para explicar projetos autoritários em várias partes do mundo.
Acredito não ser possível comparar diretamente as sociedades russa e venezuelana, sobretudo em termos de suas tradições políticas e culturais. Mas é possível examinar como Putin e Chávez se comportam diante da necessidade de ganhar e assegurar mais poder. Putin é um calculista frio e bem treinado, com uma visão de séculos de geopolítica, projeção de força, domínio do aparelho do Estado e do exercício da autoridade (e num país que tem profunda admiração pela mão forte do ocupante do Kremlin).
Existe personificado em Putin um país ressentido (pela percepção de que foi humilhado depois do desaparecimento da URSS), com uma noção de séculos de espaço a dominar e voltado claramente para disputar com a Europa, os Estados Unidos e a China um espaço maior nas principais decisões internacionais. Putin é notoriamente um autocrata, mas um autocrata racional e com comportamento previsível (a gente gostar ou não do que ele faz é outra conta).
Ao lado do dirigente russo, Chávez é um palhaço vestido de vermelho, ostentando no fundilho das calças a marca de um bem aplicado pontapé eleitoral. Colegas autoritários e ditadores do presente e do passado provavelmente devem estar dando risada dele. Seria tudo muito engraçado, não fosse o fato de Chávez estar ainda muito distante de seu fim.
William Waak
Analista Político - Jornal da Globo & Globo News
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