quarta-feira, 5 de dezembro de 2007

A morte de Mozart


Um dos maiores mitos acerca de Mozart é o da causa de sua morte, no dia 5 de dezembro de 1791. Vários motivos surgiram, e inúmeras histórias começaram a circular logo após seu falecimento, entre elas a de que ele teria sido envenenado por Antonio Salieri.

Salieri ainda em vida teve de conviver com as acusações de assassinato, mas quando ainda estava lúcido ele as negou veementemente. É interessante notar que, mesmo tendo sido invejoso de Mozart (como o próprio compositor confessara ao pai), ele foi professor do filho mais novo do compositor, Franz Xaver "Wolfgang Amadeus Sohn" Mozart. Além disso, no final de 1791, os compositores parecem ter dado uma trégua às hostilidades, tendo Mozart levado Salieri e sua suposta amante, Katherina Cavalieri, para uma apresentação de Die Zauberflöte K.620, que foi devidamente admirada pelo italiano. Porém, à beira da morte, este realmente teria tentado cometer suicídio e em seu delírio confessara ser o assassino de Mozart. O presente relato vem tirar a limpo esse velho mito.

É certo que Mozart viveu uma infância extenuante, repleta de apresentações, intermináveis jornadas e exposição a diversos climas, multidões e uma alimentação não muito regular. Além disso, ele tinha que trabalhar duro para viver, dormindo pouco, dando muitas aulas e compondo até a exaustão. Esses fatores contribuíram para que ele contraísse um notável número de doenças sérias que infalivelmente desencadeariam num processo de debilitação imunológica favorecendo o surgimento da doença que o matou tão prematuramente em 1791, com apenas 35 anos. Portanto se faz necessário enumerar as doenças que ele adquirira desde muito pequeno.

Antes de qualquer doença, Leopold Mozart, seu pai, relata que seu recém-nascido Wolfgang teve um nascimento complicado, mas que tudo terminara bem. Mal passara o período crítico da primeira infância, na qual a mortalidade infantil era extremamente alta, o jovem "Wolferl" desenvolvera habilidades musicais tão surpreendentes que levaram seu pai a exibi-lo, juntamente com sua irmã Nannerl (Maria Anna Walburga), por quase toda a Europa, trazendo fama para seu filho, mas também debilitando seu sistema imunológico.

Segundo o relato do Dr. Davies(1), quando tinha apenas 6 anos, em 1762, Wolfgang contraiu uma infecção respiratória causada por estreptococos. Ainda naquele ano, o menino adquiriu uma doença que seu médico vienense pensou ser febre escarlatina, mas que na verdade seria eritema nodoso, também causado por estreptococos. Ainda naquele ano, Wolfgang sofreria de uma nova infecção causada pelo mesmo bacilo e "sofreu de um ataque brando de febre reumática". Em 1764, durante a Grande Viagem para Paris e Londres, Wolfgang sofreu de amidalite, que o incomodaria novamente no ano seguinte, juntamente com sinusite.

Em 1765, na Holanda, Wolfgang adoeceu seriamente, tendo certamente contraído uma febre tifóide endêmica, que o deixou em estado comatoso e o fez perder uma grande quantidade de peso. Os sintomas incluíam "toxemia severa, pulso lento, delírio, erupções cutâneas, pneumonia e sangramento da mucosa oral." Nannerl também sofreu da mesma doença e foi considerada moribunda por alguns dias, tendo mesmo recebido a extrema-unção. O pequeno Wolfgang e sua irmã felizmente se recuperaram. Em novembro de 1766, os Mozart estavam em Munique, quase no final da Grande Viagem; lá, Wolfgang sofreu do que seria um "segundo ataque de febre reumática", e, como o primeiro, teria sido aparentemente ameno e com pouco ou nenhum dano ao coração. Em 1767, Wolfgang (e também Nannerl) contraiu varíola durante uma violenta epidemia em Viena que fez inúmeras vítimas, inclusive a Arquiduquesa Maria Josepha Gabriella (fora por causa das festividades de seu casamento com o Rei Ferdinand IV de Nápoles e Sicília que os Mozart tinham ido a Viena) e a segunda esposa do Imperador Joseph II, Maria Josepha da Baviera. Wolfgang e Nannerl se recuperaram dessa variação amena de varíola em Olomuc (Olmütz), perto de Viena. Durante suas viagens italianas, Wolfgang sofreu em 1770 de ulcerações nas extremidades (mãos, pés e orelhas) causadas pelo frio, e em 1771 ele contraiu uma infecção respiratória e traqueo-bronquite, e talvez também de icterícia ou hepatite A.

Durante os anos seguintes até 1784, Wolfgang sofreu de algumas infecções respiratórias leves.

Em 1784, em Viena, já casado com Constanze, Wolfgang sofreu de uma certa doença que já começa a nos dar algumas pistas da causa de sua morte. Novamente atacado de febre reumática e sem conseguir passar muito tempo sem vomitar, Wolfgang teria contraído uma nova "infecção de estreptococos, complicada pelo desenvolvimento da Síndrome de Schönlein-Henoch. Acúmulos de partículas e fluidos em seus rins causaram glomerulonefrite crônica. Apenas 10% dos casos desenvolvem doença renal crônica que, sem tratamento, pode causar falência renal e morte do paciente." Wolfgang infelizmente se encontrava dentro dessa porcentagem; essa doença não era conhecida pela medicina da época e foi diagnosticada muito vagamente como febre miliar.

Em 1787 (ano da morte de Leopold Mozart), Wolfgang contraiu uma nova infecção de estreptococos, que causou um segundo ataque da Síndrome de Schönlein-Henoch, que por sua vez, causou novos e sérios danos a seus rins.

Em 1791, portanto, Wolfgang estava fisicamente muito debilitado pela doença renal e pelo reumatismo que o perseguira por toda a vida. Naquele fim de ano o tempo estava inclemente, especialmente na segunda metade do mês de outubro. Wolfgang sofreu um novo ataque de febre reumática, assim como muitos outros vienenses. Ocorreram intermináveis tempestades de neve e ventos agudos, embora em dezembro, quando Wolfgang faleceu, o clima estava um pouco mais ameno. Durante aquele clima apocalíptico, Wolfgang trabalhava muito, inclusive no famoso Réquiem. A história do misterioso anônimo encomendando a missa afinal de contas era verdade, e o impressionou sobremaneira(2). Relatos de seus contemporâneos atestam que ele estava possuído da idéia de que tinha sido envenenado por seus inimigos; esses sintomas psicológicos são explicados pelo Dr. Davies como resultado de sua falência renal crônica complicada pela hipertensão arterial (também desconhecida na época).

Dr. Davies situa o momento crucial do início da doença terminal de Wolfgang no dia 18 de novembro de 1791 quando ele foi à Loja Maçônica. Tal exatidão é justificada por alguns relatos contemporâneos de uma epidemia de estreptococos. Seu sistema imunológico permitiu nova "exarcebação da Síndrome de Schönlein-Henoch e iniciou a falência renal", cujos sintomas incluíam poliartrite e inchaços. Esse sintoma em particular ajudaria a espalhar o boato de que Mozart tinha sido envenenado: na verdade, esse inchaço foi provocado pela retenção de sais e fluidos em seu organismo. A Síndrome também aumentou a hipertensão, que afinal lhe causou um derrame. Este lhe paralisou um dos lados de seu corpo. Cerca de duas horas antes de sua morte, Wolfgang sofreu convulsões e entrou em estado comatoso. Uma hora depois ele acordou, olhou em volta e virou o rosto para a parede. Então ele sofreu paralisia do nervo facial, também conseqüência do derrame. Desde o dia anterior Wolfgang provavelmente também estava sofrendo de bronco-pneumonia, que é, em geral, a causa da morte de pacientes com uremia.

Portanto, neste relatório nada romântico, não há evidências de envenenamento, que o próprio Wolfgang, ainda em vida, acabou descartando. Ele morreu de uma doença ainda desconhecida que se alastrou rapidamente. Seus dois médicos, Dr. Closset e Dr. Sallaba, eram muito experientes para os padrões da época, mas nada podiam fazer para conter a estranha doença. Eles não merecem, portanto nenhuma culpa pela morte prematura daquele gênio. Nem Salieri, aliás.

1 Estudo do Dr. Peter J. Davies, registrado no excelente livro de H. C. Robbins Landon, 1791 - Mozart's last year.

2 Tratava-se de um enviado do Conde Walsegg, que costumava encomendar obras e executá-las como se fossem suas.

Camila Argolo

Um comentário:

Osmário disse...

É uma pena o que foi feito com a imagem do grande compositor Saliere. Esse mitos ajudam a vender livros e filmes, mas são um crime para a memória da música.

 
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