quarta-feira, 5 de novembro de 2008

Fim da Guerra Civil americana

Então lá se foi o 4 de novembro de 2008, mais precisamente aquele momento logo após as 22h. No horário do leste, teve fim a Guerra Civil Americana, agora que um homem negro, Barack Hussein Obama, conquistou votos suficientes para se tornar o presidente dos Estados Unidos.

Uma Guerra Civil que sob muitos aspectos foi decidida na batalha de Gettysburg, na Pensilvânia, concluída 145 anos mais tarde nas urnas de um pequeno Estado da federação. Uma vez tendo conquistado a batalha eleitoral da Pensilvânia, sua vitória como o 44º presidente dos Estados Unidos estava garantida.

Em seu famoso discurso de Gettysburg, o presidente Lincoln exortou cada americano a tomar para si "o trabalho inconcluso que aqueles que aqui lutaram conseguiram fazer avançar em bons termos". Aquele trabalho permaneceu incompleto, entretanto, por um século e meio. Apesar de décadas de aprovação de legislação de Direitos Civis, intervenções judiciais e ativismo social – e apesar do sonho de Martin Luther King e da Lei de Direitos Civis de 1964 – o fim da guerra nunca pôde ser declarado até que a maioria da América branca de fato elegesse um presidente afro-americano.

E isso foi exatamente o que aconteceu na noite desta terça-feira, e por isso levantamos para um país diferente. Sim, a luta pela igualdade nunca está terminada. Mas nós podemos partir agora de novas bases. Deixe que cada criança e que cada cidadão e que cada novo imigrante saiba que, deste dia em diante, tudo é realmente possível na América.

Como Obama conseguiu isso? Para ser sincero, ele contou com um país com uma economia em crise para conseguir que um número suficiente de pessoas brancas votasse em um homem negro. E para ser sincero, o fato de Obama ter se organizado melhor, seu jeito calmo de agir, sua fala mansa e a segurança de sua mensagem pela mudança, tudo isso serviu-lhe muito bem.

Mas, há um outro aspecto a ser mencionado: republicanos brancos disseram em reuniões de camaradas nos clubes das cidades que votariam em John McCain, mais depois, em segredo, davam seus votos a Obama, mesmo sabendo que isso representaria impostos mais elevados.

Por quê? Alguns o fizeram porque sentiram o quanto seus filhos estavam inspirados e esperançosos nos frutos de uma vitória de Obama, e eles não só não quiseram frustrar-lhes as esperanças, mas optaram por secretamente compartilhá-las.

Outros intuitivamente abraçaram a visão de Warren Buffett de que, se você é rico e bem-sucedido hoje em dia, isso se deve principalmente ao fato de você ser sortudo o suficiente para ter nascido na América nesta época – e nunca se esqueça disso. Precisamos de um presidente capaz de unificar a casa desta Nação.

E em algum lugar eles também sabiam que, após o desempenho do time de Bush, era certo que haveria conseqüências para o Partido Republicano. Eleger McCain agora significaria recompensar a incompetência.

Obama será para sempre o nosso primeiro presidente negro. Mas poderá ele ser um dos nossos poucos grandes presidentes? Ele terá sua chance porque nossos mais fantásticos presidentes são aqueles que assumiram o Salão Oval nos momentos mais difíceis.

"Chegar à Casa Branca em um momento de crise não é garantia de grandes feitos, mas pode ser uma ocasião para tanto", argumenta o especialista em Filosofia Política de Harvard Michael Sandel. "Isso foi certamente o que aconteceu com Lincoln, Franklin Roosevelt e Truman." Parte do brilhantismo de Roosevelt, porém, "baseia-se no fato de que ele lançou uma nova onda de governança política – o New Deal -, tirada da cartola em meio à crise e a depressão herdada de seu antecessor". Obama terá de fazer o mesmo. Mas essas coisas levam tempo.

"Roosevelt não concorreu já com o New Deal elaborado em 1932", acrescentou Sandel. "Ele levou adiante a disputa defendendo medidas para equilibrar o orçamento. Como Obama, ele não chegou ao cargo com uma filosofia de governo claramente articulada. Ele chegou com confiança, engajamento político e experiência", ressaltou o estudioso, explicando: "Foi necessário esperar até 1936 para ter uma campanha presidencial cujo mote fosse o New Deal. E acontecerá o mesmo com Obama, ainda que ele não saiba. Isso vai aparecer à medida que ele for combatendo a economia, investindo no setor de energia e definindo o papel da América no mundo. Esses desafios são tão gigantescos que Obama somente terá sucesso se for capaz de articular uma nova política do bem comum."

Bush & Cia. não acreditaram que o governo pudesse ser um instrumento do bem comum. Eles castraram o gabinete de secretários e indicaram amadores para grandes cargos. Os eleitores rebelaram-se contra isso. Mas houve também uma rebelião contra a versão Democrata tradicional do bem comum.

"Nestas eleições, o povo americano rejeitou as noções estreitas de bem comum", argumentou Sandel. "A maioria agora aceita que mercados livres não servem ao bem público. Mercados produzem abundância, mas também podem gerar insegurança excessiva e riscos."

Uma nova política do bem comum, entretanto, não poderá se restringir a mercados e governo. "Deve tratar também de um novo patriotismo – definir o que realmente significa ser um cidadão", afirma ainda Sandel. A campanha de Obama difundiu um forte idealismo cívico para americanos ávidos e famintos por servir a uma causa maior do que as suas próprias motivações pessoais, revelando saudades de se tornarem cidadão de novo."

Nada disso será fácil. Mas meus instintos me dizem que, de todas as mudanças que serão conduzidas pela presidência de Obama, romper com o nosso passado racista é o mínimo do que está por vir. Há tanto trabalho a ser feito. A Guerra Civil acabou. Deixe a reconstrução começar.

Thomas L. Friedman, do The New York Times
Jornal do Brasil

Nenhum comentário:

 
Locations of visitors to this page