Um homem caminha durante 45 minutos equilibrando-se num fio de aço estendido no alto das duas torres do World Trade Center. A desconcertante e hipnótica travessia, num incessante ir e vir, do francês Philippe Petit aconteceu no dia 7 de agosto de 1974, depois de meses de preparação e de anos de planos delirantes. Mas o documentário "Man on wire", dirigido por James Marsh, coleciona depoimentos da alucinada equipe que deu suporte ao projeto de Petit, sem mencionar uma só vez o destino trágico das torres. E talvez por isto mesmo seja impossível ver as imagens da dança maravilhosa de Petit, fugindo de um lado para o outro da polícia novaiorquina, prestes a agarrá-lo por sua ousada subversão da lei da gravidade, sem lembrar do ataque de 11 de setembro.
A poesia acrobática de Petit ganha, com o pano de fundo da história, uma irreverência política que sua ousadia não poderia supor. Uma irreverência que imprime ao gesto de Petit a marca de um Charles Chaplin. O grupo de amigos que o acompanha mais parece uma trupe pronta para entrar em cena numa comédia bufa. E no entanto tudo se passa com a precisão milimétrica de um balé acrobático, como por ironia do acaso. Quando tudo pode dar errado, seria um capricho do acaso que tudo afinal venha a dar certo? Petit é o que em francês se chamaria de "funambule", com o toque ao mesmo tempo lírico e ridículo que a palavra tem.
Construído à maneira dos filmes de aventura, o documentário de Marsh conta uma história impossível, que no entanto virou verdade. E projeta a frágil figura humana, desfilando pé ante pé num fio suspenso em escala inumana e até deitando sobre o fio, num momento de cortar a respiração, como um desafio à prepotência do acaso: o equilibrista carrega bem mais do que sua frágil figura na travessia pelo vazio entre as torres.
Visto com os olhos do futuro, numa investigação conduzida em flashback, o feito de Petit é bem mais trágico e radical do que a multidão atônita que passeava pelas ruas de Manhattam naquele dia poderia supor. "Man on wire" fala de um riso hoje impossível diante da imagem das torres, destruídas pelo terror. O belíssimo documentário de Marsh revisita um mundo que acabou. E o mundo que veio a seguir entrevê naquelas imagens bem mais do que a inocência perdida.
Marília Martins, correspondente do jornal O GLOBO em Nova York
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