Durante décadas, o militar e historiador russo Dmitri Volkogonov – a exemplo dos militantes comunistas de todo o mundo – acreditou na maior falácia do século XX: a integridade do sistema político vigente na União das Repúblicas Socialistas Soviéticas. Em 1995, poucos meses antes de morrer, aos 67 anos, vítima de câncer, ele disse em uma entrevista ao jornal The New York Times que a única coisa da qual se orgulhava na vida era ter sido capaz de alterar seus pontos de vista em relação ao regime a que fora fiel por tanto tempo. Seu derradeiro livro, Os Sete Chefes do Império Soviético (tradução de Joubert de Oliveira Brízida; Nova Fronteira; 514 páginas; 79,90 reais), publicado postumamente, resume com clareza as razões para tal mudança, a partir da análise da trajetória dos homens que comandaram aquela gigantesca e desaparecida potência, de suas origens, na Revolução de 1917, até sua extinção, em 1991: Vladimir Lenin, Josef Stalin, Nikita Kruchev, Leonid Brejnev, Iuri Andropov, Konstantin Chernenko e Mikhail Gorbachev.
Não é uma reflexão qualquer, feita em gabinetes acadêmicos: como coronel-general, o autor trabalhou para os quatro últimos líderes da União Soviética. A linha mestra que costura a obra é a idéia de que o pior da experiência soviética já se encontrava no leninismo. Os capítulos referentes a cada chefe, dispostos em ordem cronológica, funcionam como ensaios independentes, porém, olhados em conjunto, não deixam dúvidas sobre a tese central: "Tratava-se de um sistema que incorporava a própria personalidade de Lenin". Stalin – que comandou a União Soviética com mão de aço entre 1924 e 1953, promovendo a morte de possivelmente 20 milhões de pessoas – não seria, portanto, um detrator do "pai da pátria", mas sim um aplicado continuador de seu pensamento.
Pesquisador que ajudou a trazer a público os arquivos secretos da KGB, Volkogonov produziu um livro bem documentado, que ilumina aspectos controversos da história soviética. Examina, por exemplo, as hesitações da política de abertura prometida por Gorbachev. O último chefão soviético nunca levantou a censura a Arquipélago Gulag, de Alexander Soljenitsin, escritor dissidente morto neste mês. Condenava, assim, um livro que nunca lera. Os Sete Chefes também sublinha traços inusitados da personalidade dos comandantes comunistas – alguns, de um ridículo absoluto, como a obsessão de Brejnev por medalhas, o que levava seus asseclas a inventar condecorações absurdas. As impressões telegráficas que Brejnev deixou sobre um encontro de líderes dos partidos comunistas de todo o mundo, em 1966, guardam uma nota interessante para os brasileiros: o discurso de Luís Carlos Prestes é considerado "OK, mas chato".
Também autor de uma biografia de Stalin já publicada no Brasil, Volkogonov conclui que o inevitável colapso da União Soviética se deveu sobretudo à pretensão de onisciência, onipotência e onipresença do Partido Comunista. Assim, quando Mikhail Gorbachev surgiu no posto mais alto do Kremlin falando em "socialismo de face humana" e repetindo, como mantras, as palavras glasnost (transparência) e perestroika (reestruturação), estava claro que buscava conciliar propostas inconciliáveis: a expressão da liberdade dentro de um sistema totalitário. Não podia dar certo – e o sistema ruiu.
Rinaldo Gama
Veja - Edição 207420 de agosto de 2008
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