sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

Sem motivos para arrependimentos

Sim, sim. Eu estava nas ruas do centro de Washington, circulando entre os entusiasmados e os crédulos. Sim, eu estava no National Mall no domingo, e não mais choroso do que quem estava a meu lado, mas nem também muito menos. Sim, era eu, em um dos bailes, fazendo um pouco o papel de idiota enquanto chacoalhava ao som de Biz Markie, o DJ da elite negra de Washington. Em outras palavras, eu não reconsideraria meu voto em Barack Obama. Mas quero dizer por que eu ainda não gostaria que Al Gore tivesse vencido George W. Bush em 2000 ou que John Kerry tivesse saído vencedor em 2004.

No filme W, de Oliver Stone, que não é muito bom, mas surpreendentemente foi muito bem recebido, há um acontecimento que não aparece na tela. A colisão dos dois aviões com dois grandes arranha-céus não é mostrada (e faz-se referência a isso apenas uma vez, muito indiretamente). Não pode ser porque não ajudaria em nada para fazer uma imagem ruim de Bush. Em geral, é senso comum que ele agiu de maneira errática naquele dia e fez o pior discurso de seu mandato à noite. Então, por que Stone perderia a chance de pôr essa cena no filme?

A resposta é que são os acontecimentos do 11 de setembro de 2001 que explicam a transformação de George Bush de um conservador a favor do Estado mínimo meio preguiçoso em um político intervencionista. O problema dessa análise, do ponto de vista da esquerda, é que ela dá pouca margem para a especulação sobre sua relação edipiana com seu pai, suas fantasias frustradas de vingança contra Saddam Hussein, o alcoolismo sem bebida, e todo o resto.

Nunca somos convidados a nos perguntar o que teria acontecido se os democratas estivessem no poder naquele outono. Mas poderia valer a pena especular por um segundo. A Lei do Antiterrorismo e da Pena de Morte Efetiva, aprovada rapidamente no Congresso por Bill Clinton depois da explosãozinha da bomba de Oklahoma, foi corretamente descrita pela União Americana pelas Liberdades Civis como o pior retrocesso da causa dos direitos dos cidadãos. Dado esse precedente e multiplicando-o nas devidas proporções, podemos ter bastante certeza de que escutas telefônicas e ficar jogando água na cara de interrogados teriam se tornado coisas familiares e que teríamos até ouvido algumas defesas dessas práticas pela esquerda. Não sei se Gore teria pensado em usar Guantánamo, mas isso levanta a questão interessante – que agora vai ser enfrentada pelo novo governo – sobre onde devem ser mantidos esses indivíduos perigosos, principalmente porque não se espera que eles sejam soltos. Haveria uma prisão sórdida em algum lugar, ou muito mais mortos no campo de batalha, pode ter certeza.

A Guerra do Iraque poderia ter sido evitada, apesar de tanto Bill Clinton como Al Gore terem dito repetidas vezes que outro round definitivo com Saddam Hussein era, devido a seu flagrante desafio a todas as decisões relevantes da ONU, inevitável no futuro. E a desvantagem de evitar a intervenção no Iraque é que um ponto de estrangulamento da economia mundial ainda estaria sendo controlado por uma família psicopata que mantinha especialistas em armas de destruição em massa à mão e que pagava homens-bomba suicidas pela região. Em suas entrevistas de despedida, o presidente Bush não conseguiu encontrar muita coisa para dizer em sua defesa nesse ponto, mas acho que os historiadores não vão chegar à conclusão de que a remoção de Saddam Hussein era uma coisa que a comunidade internacional deveria ter adiado por mais tempo.

As falhas óbvias – em particular a arrogância e a insanidade cada vez maiores dos ditadores do Irã e da Coreia do Norte – pelo menos são falhas em seus próprios termos: a falha em corresponder à retórica original e a falha em combinar imperativos dos direitos humanos com os de geoestratégia e segurança. Novamente, não está claro para mim como qualquer outro governo teria se comportado. O colapso do sistema financeiro tem raízes em uma tentativa de longa data, que não é vergonhosa em si, de colocar a casa própria ao alcance até dos menos favorecidos.

Então, a velha pergunta “comparado a quê?” não permite superficialidade.“Comparado a quê?” não é bem uma defesa. E nem esta coluna tem exatamente a intenção de ser uma defesa. É só que há um elemento de soberba em toda a atual onda de esperança, e começo a ficar com medo de como vai ser a sensação do dia seguinte. 

Christopher Hitchens, é escritor, colunista da revista Vanity Fair, autor e colaborador regular do New York Times e The New York Review of BooksEscreve quinzenalmente em ÉPOCA.

Época - Edição 558 - 26/01/2009  - http://revistaepoca.globo.com

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