Stálin em 1918, pouco depois da Revolução. Montefiore compara sua agressividade à de um “assaltante”, um bandoleiro.
Livro reconstrói a trajetória de Stalin da infância pobre aos primeiros dias do regime comunista
Armado de documentos só abertos ao público após o colapso do regime comunista, diários mantidos em segredo por décadas e outros depoimentos preciosos, o historiador Simon Sebag Montefiore tem construído uma obra dedicada a retratar a vida real na União Soviética – sem condescendência moral nem dívidas ideológicas. Depois de produzir um livro indispensável para o entendimento do regime comunista (Stálin: a Corte do Czar Vermelho), ele retorna às livrarias com um novo trabalho de fôlego: O Jovem Stálin (Cia. das Letras, 536 págs., R$ 56).
Debruçado sobre o arquiteto de uma das mais cruéis e influentes tiranias de qualquer tempo, O Jovem Stálin acompanha o personagem-título desde o nascimento até a tomada do poder pelo Partido Bolchevique, em 1917. Montefiore reconstrói a infância, insegura e miserável. Retrata o pai sapateiro, alcoólatra e quase sempre desempregado, e também a mãe, bonita, infeliz, desamparada, que costumava aceitar favores suspeitos de senhores de boa fortuna.
O livro se inicia em 1907, com a descrição de um violento assalto a banco que gerou um caixa milionário de US$ 3,4 milhões, produziu 40 mortos, dezenas de feridos e foi manchete em jornais de Londres e Paris. Organizado por Stálin e determinado por Lênin, líder máximo do Partido Bolchevique, o assalto foi uma típica operação clandestina dentro da clandestinidade. Um pouco antes, os próprios bolcheviques tinham votado uma resolução solene na qual condenavam esse tipo de ação. Pura hipocrisia – como Stálin iria demonstrar, uma pistola Mauser e granadas na mão.
Sem psicologia de botequim, a obra expõe contradições, descreve conflitos e se esforça para jogar luzes sobre um personagem sempre muito estranho. Autodidata e inteligentíssimo, mas incapaz de travar uma luta política com brilho próprio, sempre pronto para agir nos bastidores, Stálin construiu seu método de ação política – o célebre stalinismo – como um sistema de relações pessoais e interesses que formavam uma cultura política perversa. Ensinou a duvidar da democracia e a zombar das próprias convicções. Enxergava sua chegada ao poder como um evento indispensável ao progresso humano. Conforme essa visão, sua tirania pessoal não representava erro nem desvio, mas um mal necessário.
Com rara competência para acrescentar fatos novos e decisivos à eterna narrativa da história dos homens, vez por outra Montefiore desliza quando tenta trazer o passado para os dias de hoje. Num exercício superficial de análise política, o livro compara o radicalismo feroz de Lênin, adepto das táticas de insurreição de massa, com organizações pós-modernas como o Ira, o Hamas e o Hezbollah, adeptas do terrorismo puro e duro.
Embora tenha deixado um desastre de proporções históricas como herança, Stálin foi eficaz na construção de seu próprio sistema de poder. Produziu frases e lugares-comuns que costumavam ser repetidos em círculos de admiradores como se fossem pequenos momentos de alta sabedoria política. Até hoje costuma ser venerado por uma parcela da população soviética. Mesmo intelectuais de prestígio participaram do culto stalinista.
A grande contribuição de O Jovem Stálin ao entendimento de seu protagonista é demonstrar a absoluta desimportância daquilo que ele dizia, escreveu e por acaso pensou. Montefiore define Stálin como um político que disputou o poder com métodos de bandoleiro e agressividade de assaltante, para quem as palavras não tinham valor, a verdade não se distinguia da mentira. É um retrato devastador – mas indispensável a quem quer entender como o mundo se tornou aquilo que é.
Paulo Moreira Leite
Revista Época - Junho 2008
Ver também:
http://oswaldoeduardo.blogspot.com/2007/06/quem-este-homem.html
Livro reconstrói a trajetória de Stalin da infância pobre aos primeiros dias do regime comunista
Armado de documentos só abertos ao público após o colapso do regime comunista, diários mantidos em segredo por décadas e outros depoimentos preciosos, o historiador Simon Sebag Montefiore tem construído uma obra dedicada a retratar a vida real na União Soviética – sem condescendência moral nem dívidas ideológicas. Depois de produzir um livro indispensável para o entendimento do regime comunista (Stálin: a Corte do Czar Vermelho), ele retorna às livrarias com um novo trabalho de fôlego: O Jovem Stálin (Cia. das Letras, 536 págs., R$ 56).
Debruçado sobre o arquiteto de uma das mais cruéis e influentes tiranias de qualquer tempo, O Jovem Stálin acompanha o personagem-título desde o nascimento até a tomada do poder pelo Partido Bolchevique, em 1917. Montefiore reconstrói a infância, insegura e miserável. Retrata o pai sapateiro, alcoólatra e quase sempre desempregado, e também a mãe, bonita, infeliz, desamparada, que costumava aceitar favores suspeitos de senhores de boa fortuna.
O livro se inicia em 1907, com a descrição de um violento assalto a banco que gerou um caixa milionário de US$ 3,4 milhões, produziu 40 mortos, dezenas de feridos e foi manchete em jornais de Londres e Paris. Organizado por Stálin e determinado por Lênin, líder máximo do Partido Bolchevique, o assalto foi uma típica operação clandestina dentro da clandestinidade. Um pouco antes, os próprios bolcheviques tinham votado uma resolução solene na qual condenavam esse tipo de ação. Pura hipocrisia – como Stálin iria demonstrar, uma pistola Mauser e granadas na mão.
Sem psicologia de botequim, a obra expõe contradições, descreve conflitos e se esforça para jogar luzes sobre um personagem sempre muito estranho. Autodidata e inteligentíssimo, mas incapaz de travar uma luta política com brilho próprio, sempre pronto para agir nos bastidores, Stálin construiu seu método de ação política – o célebre stalinismo – como um sistema de relações pessoais e interesses que formavam uma cultura política perversa. Ensinou a duvidar da democracia e a zombar das próprias convicções. Enxergava sua chegada ao poder como um evento indispensável ao progresso humano. Conforme essa visão, sua tirania pessoal não representava erro nem desvio, mas um mal necessário.
Com rara competência para acrescentar fatos novos e decisivos à eterna narrativa da história dos homens, vez por outra Montefiore desliza quando tenta trazer o passado para os dias de hoje. Num exercício superficial de análise política, o livro compara o radicalismo feroz de Lênin, adepto das táticas de insurreição de massa, com organizações pós-modernas como o Ira, o Hamas e o Hezbollah, adeptas do terrorismo puro e duro.
Embora tenha deixado um desastre de proporções históricas como herança, Stálin foi eficaz na construção de seu próprio sistema de poder. Produziu frases e lugares-comuns que costumavam ser repetidos em círculos de admiradores como se fossem pequenos momentos de alta sabedoria política. Até hoje costuma ser venerado por uma parcela da população soviética. Mesmo intelectuais de prestígio participaram do culto stalinista.
A grande contribuição de O Jovem Stálin ao entendimento de seu protagonista é demonstrar a absoluta desimportância daquilo que ele dizia, escreveu e por acaso pensou. Montefiore define Stálin como um político que disputou o poder com métodos de bandoleiro e agressividade de assaltante, para quem as palavras não tinham valor, a verdade não se distinguia da mentira. É um retrato devastador – mas indispensável a quem quer entender como o mundo se tornou aquilo que é.
Paulo Moreira Leite
Revista Época - Junho 2008
Ver também:
http://oswaldoeduardo.blogspot.com/2007/06/quem-este-homem.html
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