segunda-feira, 29 de setembro de 2008

Machado (quase) completo



'Nunca vai existir uma obra completa de Machado de Assis", profetiza o editor Sebastião Lacerda, diretor da Nova Aguilar. E, no entanto, é exatamente isso que ele está mandando para as livrarias hoje, dia em que se completa o centenário de morte do escritor. O próprio Lacerda esclarece:

- No caso de um autor como Machado, que colaborou freqüentemente com jornais e revistas, é provável que nunca se possa recolher tudo que ele escreveu. Obra completa, portanto, quer dizer simplesmente tudo que se conhece dele até o momento. Apesar disso, nas últimas décadas já foram descobertos muitos textos do Machado. O que resta para ser encontrado é pouco. Temos quase 100% do que ele fez.

"Quase 100%", no caso, quer dizer 5.860 páginas divididas em quatro volumes, e muitas diferenças em relação às 3.600 páginas da edição anterior da Aguilar, publicada em 1959 com organização de Afrânio Coutinho e Galante de Souza. A nova edição, feita em parceria com a Academia Brasileira de Letras (ABL) e a Biblioteca Nacional, incorpora várias descobertas feitas de lá para cá. O número de contos passou de 123 para 189; o de crônicas, de 210 para 608; e o de peças de teatro, de três para 11. Sessenta poemas também foram acrescentados, e outros textos foram excluídos, porque se descobriu que na verdade não eram de Machado. É o caso por exemplo de crônicas de um outro autor que também assinava "M.de.A" ("Acho que o nome dele era Moreira de Azevedo", diz Lacerda), e do texto "Queda das mulheres para os tolos", na verdade uma tradução do francês. A edição será lançada hoje na ABL durante sessão solene de homenagem a Machado, com presença do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Grafia do português é toda atualizada

O inglês John Gledson e a professora Lúcia Granja, da Unicamp, ajudaram no estabelecimento do corpus de contos e crônicas. Samuel Titan Jr. ficou encarregado da fortuna crítica, na qual foram incluídos textos fundamentais para os estudos machadianos nas últimas décadas, de autores como o próprio Gledson, Roberto Schwarz, José Guilherme Merquior, Alfredo Bosi e Silviano Santiago:

- Decidimos incluir nessa parte apenas os textos de importância indiscutível. Por isso deixamos de fora contribuições mais recentes - diz Lacerda.

O estabelecimento de texto seguiu o levantamento de Galante de Souza e das edições críticas feitas pela Comissão Machado de Assis (organizada pelo Ministério da Educação) na década de 1970. Outras decisões, porém, talvez sejam menos consensuais, como a de atualizar e corrigir o português de Machado de Assis. A grafia dos textos foi toda modernizada, e erros de pontuação foram suprimidos. Estrangeirismos hoje incorporados ao português também passaram a ter a grafia atual.

- Nosso princípio era ter o texto mais moderno e correto possível - afirma o editor. - Como outros autores brasileiros, Machado sofreu com edições malfeitas. Não havia razão para manter por exemplo uma série de vírgulas fora do lugar que provavelmente resultaram de descuidos. Algumas escolhas são mais difíceis. Palavras estrangeiras que hoje têm grafia em português foram atualizadas, mas no caso de um personagem pedante que usa vários termos em francês, por exemplo, mantivemos como estava.

Uma corridinha na reta final

Os quatro volumes serão vendidos a R$ 550 (não haverá venda de volumes avulsos). Para prepará-los, Lacerda trabalhou por 15 meses com uma equipe de quatro editores: Heloisa Jahn, Ana Lima Cecilio, Aluizio Leite Neto e Rodrigo Lacerda, seu filho.

Além dos contos, crônicas, poemas, peças e romances, a edição tem ainda textos de crítica, artigos e cartas, e mais uma cronologia de vida e obra do escritor. Lacerda admite que precisou dar uma "corridinha" nas últimas semanas para deixar tudo pronto a tempo do centenário, mas diz que não era necessário que o trabalho se estendesse por um período maior.

- Uma vez falaram para o Millôr Fernandes que alguém tinha ficado 30 anos traduzindo uma peça do Molière, e ele respondeu: "Que incompetência, hein?". Um trabalho como o nosso não precisava de cinco anos para ser feito. A pressão do prazo nas últimas semanas foi até boa, nos deixou mais atentos.

Miguel Conde
Segundo Caderno - O Globo (29/09/2008)

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